2023 revelou-se uma proverbial explosão criativa de géneros distintos, mostrando o ecletismo raro da cena nacional. Esta é a lista dos álbuns que mais nos marcaram durante os últimos doze meses.
Mantendo uma tendência prevalecente nos últimos anos, a nível nacional (e internacional), o ano de 2023 revelou-se uma vez mais uma proverbial explosão criativa de géneros distintos, mostrando um ecletismo raro que, à semelhança do que se passou no ano passado, nos levou a não ordenar especificamente esta lista dos álbuns portugueses que mais nos marcaram nos últimos doze meses.
Além disso, o melhor elogio que se pode fazer neste momento à vitalidade do movimento underground cá no burgo é que a votação foi altamente espalhada pelo vasto espectro de lançamentos — sem cair em exageros, a verdade é que esta selecção de 10 títulos podia bem ter-se transformando numa lista de 20 ou 30 sem grandes problemas. Importa realçar também a saudável convivência entre uma série de nomes estabelecidos e celebrados, alguns veteranos, com alguns novos projectos e várias entidades altamente emergentes, tanto “cá dentro” como “lá fora”.
Assim sendo, mais uma vez por estrita ordem alfabética de nome de banda, fiquem com aqueles títulos que a LOUD! considerou serem os dez álbuns essenciais da música pesada nacional de 2023. Mais uma vez, não se esqueçam de esmiuçar, discutir e estraçalhar a nossa lista à vontade nos comentários — e mostrem-nos a vossa!
ANGRENOST
«Magna Lua Ordem Mística»
[End All Life Productions]
Fruto da reunião dos timoneiros Pursan e A. Ara com o multi-instrumentista Erdsaf e o baterista islandês M. Skúlason (dos MISÞYRMING e ex-Svartidauði), «Magna Lua Ordem Mística» resultou no registo mais maduro e mais inspirado dos ANGRENOST até ao momento, um colosso de escuridão cortante enraizada no passado, mas elevado a novos patamares de intensidade pela mestria do som, pela poesia e também pelo espírito que a tornam brilhante com uma luz distinta.
Pois bem, na encruzilhada entre a tradição e a modernidade, o álbum de regresso deste projecto sediado a Norte funde de forma muito inteligente as lendas esotéricas com as complexidades da composição característica de Pursan e A. Ara — e afirma-se como uma sincera e muito poderosa exibição de tudo aquilo que torna o black metal uma forma de arte obscura e sinistra.
BESTA
«Terra Em Desapego»
[Lifeforce Records / Raging Planet]
Com vários lançamentos desde que surgiram em cena, corria o ano de 2012, os BESTA fizeram uma série de digressões na Europa e também na América do Sul, assinaram aparições em vários festivais de renome por esse mundo fora e, pelo caminho, o quarteto, que inclui membros dos SINISTRO e dos REDEMPTUS, transformou-se num porta-estandarte do grindcore. Chegados a 2023, trataram de nos trocar as voltas e protagonizaram uma proverbial mudança de pele, assinando um registo fortemente enraizado no death metal reminiscente dos clássicos dos 90s. Diferentes, mas não menos contundentes, abriram em muito as possibilidades brutalistas do seu som.
BIZARRA LOCOMOTIVA
«Volutabro»
[Rastilho Records]
Intenso e opressivo, pesado e sufocante — o colossal «Volutabro», muitíssimo antecipado novo registo de longa-duração de uma das mais singulares bandas surgidas em solo lusitano afirmou-se como o seu mais completo registo até ao momento. Ao fim de três décadas de percurso e sete álbuns, esta BIZARRA LOCOMOTIVA prossegue de forma bastante segura com uma carreira ímpar na música nacional, imune a mudanças de tendências e qualquer outra coisa que não seja a sua própria vontade de criarem música demolidora e sufocante, mas carregada de energia exacerbada.
ELS FOCS NEGRES
«Els Focs Negres – Martiris Carnivors: Hymns Per A Um Nou Apocalipsi»
[Metal On Metal Records / Raging Planet]
Os FILII NIGRANTIUM INFERNALIUM andam desaparecidos do mapa há demasiado tempo, mas a ‘nova’ banda liderada pelo incontornável Belathauzer e pelo guitarrista Hugo Conim (também de DAWNRIDER, entre muitos outros) têm a mesma vibração desequilibrada, identidade única e, convenhamos, ajudam a preencher um pouco o vazio deixado pelos autores de «Hóstia».
Com o seu heavy metal negro, a estreia homónima de 2020 já tinha sido uma explosão e «Martiris Carnívors: Himnes Per A Un Nou Apocalipsi» aumentou consideravelmente a parada com uma descarga de canções ainda mais densas, detalhadas e dotadas de arranjos muito eficazes, num álbum que só podemos descrever como uma montanha-russa dos diabos.
MEN EATER
«Men Eater»
[Raging Planet]
Como antecipado aqui, os nacionais MEN EATER voltaram ao activo após seis anos de silêncio e, verdade seja dita, foi como se todo esse tempo nem sequer tivesse passado por eles. Segundo contam, foi de um jeito muito natural e espontâneo que nasceu o seu mais recente , e quarto, registo de originais, um disco homónimo que se apresentou como a verdadeira personificação da maturidade e da versatilidade de um grupo que nunca parou de crescer. A atmosfera pesada que sempre os acompanhou mantém-se toda no sítio, tal como a sua assinatura, mas o que encontrámos neste registo foi um conjunto de canções densas e fortes, que podem bem deixar o ouvinte sem fôlego.
NAMEK
«Sophistication Is Obsolete»
[Vomit Your Shirt]
Os NAMEK protagonizaram outro dos mais inesperados regressos de 2023 no que há música extrema diz respeito a nível nacional. Formada em 2001, o grupo oriundo de Almada transformou-se num dos mais aplaudidos expoentes do grindcore luso e, durante as duas últimas décadas, espalhou terror a cada nova oportunidade. Nada interessados em vergar-se às grilhetas da indústria, os músicos passaram os últimos anos votados a um hiato que nos fez temer pela sua extinção definitiva.
No entanto, para surpresa e alívio geral, em Dezembro do ano passado fomos surpreendidos pelo lançamento de «Sophistication Is Obsolote». Fazendo jus ao título, não pretendem reinventar absolutamente nada, focando-se na nobre arte de nos fustigar os sentidos com micro-descargas de extremismo veloz e cortante, carregado de humor negro e politicamente incorrecto.
OAK
«Disintegrate»
[Season Of Mist]
De forma tão subtil, discreta e impactante quanto a sua sonoridade, os portugueses OAK surpreenderam os melómanos mais atentos com o álbum de estreia «Lone», de 2019. Resultado da sintonia criativa entre Guilherme Henriques, actual vocalista e guitarrista dos GAEREA, e Pedro Soares, baterista da mesma banda portuense até «Unsettling Whispers», a dupla assinou uma torrente de doom/death metal ultra arrastado, melancólico e assombrosamente envolvente, que ascendeu a uma dimensão superior com «Disintegrate», um corpo uniforme, dotado de solidez, requinte e honestidade palpáveis a cada acorde, riff, mudança de ritmo e a cada grito cavernoso.
SYSTEMIK VIOLENCE
«Negative Mangel Attitude»
[RSRec / Hate Ape Prod / Doomed Records / Raging Planet / Regulator Records / Ring Leader]
Deportados das profundezas do inferno japonês com paragem na Escandinávia, os SYSTEMIK VIØLENCE chegaram a Portugal em 2016 com a maqueta «Fuck As Punk» na bagagem. Após terem demolido vários palcos de festivais e deixado o underground em polvorosa com as suas actuações incendiárias, voltaram à carga no ano seguinte com dois splits e um devastador LP de estreia, sucedido pelo furioso «Anarquia-Violência», de 2018. Três anos de silêncio depois, regressaram às edições com nova formação e um novo álbum que inclui dez faixas de metal punk desgarrado em 23 minutos rápidos e explosivos, que cospe na cara do punk moderno e do metal sem inspiração.
VIRCATOR
«Bootstrap Paradox»
[Raging Planet]
Chegados a 2023, os VIRCATOR já se tinham estabelecido como uma das mais prolíficas propostas saídas do movimento pós-rock nacional. No entanto, isso não os impediu de terem um ano em grande. Após o regresso com o muito aplaudido «Bootstrap Paradox», o disco onde aperfeiçoarem de uma forma muito sublime uma já muito apelativa mistura de riffs monstruosos e crescendos etéreas, os músicos oriundos de Viana do Castelo deram que falar ao terem sido escolhidos pelos lendários MELVINS para fazerem a primeira parte dos seus espectáculos em Portugal. Agora, parecem destinados a voos ainda mais altos e nós cá estamos para os acompanhar de perto.
WELLS VALLEY
«Achamoth»
[Lavadome Productions]
Comandados por Filipe Correia, um dos arquitectos dos CONCEALMENT, os WELLS VALLEY inauguraram a sua discografia com o álbum «Matter As Regent», de 2017. Dois anos depois, o trio estreou o EP «The Orphic», sucedido por um segundo longa-duração, intitulado «Reconcile The Antimony», em 2019. Pois bem, se esse registo apresentava uma densidade mais aproximada ao post doom e mais contrastes com blasts a roçarem o black metal cirúrgico e cerebral, «Achamoth» elevou ainda um pouco mais a fasquia, resultando numa estranha e fascinante jornada por paisagens sonoras arrepiantes, feitas de dissonâncias ressonantes e insidiosamente vibrantes e retorcidas.