Scott “Wino” Weinrich, uma proverbial lenda viva do doom, sobre o muito ansiado regresso dos THE OBSESSED. A incontornável banda do Maryland é uma das grandes atracções do SonicBlast Fest deste ano.
Scott “Wino” Weinrich é uma lenda viva. De certa forma, acaba memso por ser a versão norte-americana de Lemmy e partilha várias características com o falecido e muito amado ícone do metal. Sempre foi um rebelde, um solitário e um outsider numa cena de outsiders, seguindo a música sem ter em conta a sua popularidade ou a sua aceitação. Nesse processo, tornou-se um dos pioneiros do doom.
Tudo começou quando fundou THE OBSESSED no final dos anos 70, seguindo depois com os seus vários outros projectos, entre os quais se contam nomes tão lendários como SAINT VITUS ou SPIRIT CARAVAN. Como parte fulcral da cena musical de Maryland nos anos 80, a sua música mereceu o respeito de fãs de metal, punk e crossover, sendo muitas vezes etiquetada como doom metal. Vendo em retrospectiva, era apenas metal norte-americano áspero e sagaz, com uma inclinação cínica e um toque psicadélico… E foi isso que o tornou no ícone singular e intemporal da música pesada que é hoje.
Criados no final da década de 1970 em Potomac, no Maryland, os THE OBSESSED surgiram num universo musical que incluía já os Black Sabbath, Frank Zappa, The Dictators e The Stooges. A formação inicial consistia em “Wino”, Mark Laue no baixo, John Reese na guitarra e Dave Flood na bateria. Em 1983, “Wino” assumiu as funções vocais e a banda passou a ser um trio para gravar o EP «Sodden Jackal». No entanto, os THE OBSESSED acabariam por separar-se no final dos anos 80, depois do músico se mudar para a Califórnia para se juntar aos SAINT VITUS.
Nessa altura, a editora alemã Hellhound Records e a agência de booking que tinha assinado com os SAINT VITUS, lançaram o álbum «The Obsessed», originalmente gravado em 1985, e levaram “Wino” a ressuscitar a banda. Após a edição de «Lunar Womb» e várias mudanças de formação, os THE OBSESSED assinaram com a Columbia Records em 1994 e lançaram «The Church Within». Apesar de críticas altamente elogiosas, a banda separou-se uma vez mais, com “Wino” a formar os SHINE e os SPIRIT CARAVAN.
Foi só em Setembro de 2011, que os THE OBSESSED regressaram aos palcos no Roadburn com a lendária formação de «The Church Within», composta por “Wino”, Greg Rogers na bateria e Guy Pinhas no baixo. O trio fez mais alguns concertos nos anos seguintes, incluindo o Hellfest Open Air em 2012 e o Maryland Deathfest XI, em 2013, com o baixista Reid Raley. “Wino” anunciou então o regresso do grupo a tempo inteiro em Março de 2016, assim como a assinatura de um contrato com a Relapse Records para gravar o eternamente adiado sucessor de «The Church Within».
Nessa altura, os THE OBSESSED ficavam completos com Dave Sherman, dos SPIRIT CARAVAN, no baixo, e Brian Costantino na bateria, mas no dia 31 de outubro de 2016, “Wino” anunciou nova mudança de formação, com Bruce Falkinburg no baixo e Seraphim na guitarra, sendo esta a primeira vez que a banda era composta por quatro elementos em mais de trinta e cinco anos. «Sacred», o primeiro álbum de estúdio em mais de vinte anos, chegou em 2017, impulsionando ainda mais a banda para os anais da história do heavy metal.
Após alguns anos em digressão, a formação os THE OBSESSED estabilizou-se em torno de Brian Costantino na bateria, Chris Angleberger no baixo, Jason Taylor na guitarra e, claro, Scott “Wino” Weinrich no comando, com o icónico quarteto a abraçar mais uma década no doom com o seu aguardado quinto álbum, «Gilded Sorrow», que foi lançado em Fevereiro de 2024, como parte da sua nova colaboração com a editora californiana Ripple Music.
Sentiste um impulso para gravar material novo depois da reunião para tocarem no Roadburn em 2011 ou sempre tiveste em mente um sucessor de «The Church Within»?
Bom, um sucessor de «The Chirch Within» seria sempre um desígnio de respeito. Acho que é um disco bastante intenso e lembro-me do meu amigo Reid Raley – que foi baixista nos The Obsessed – me dizer há uns anos – “Hey Wino, se vais fazer um disco, é bom que seja tão bom ou melhor que o «The Church Within»!”. Portanto, eu sabia no que me estava a meter.
Basicamente, as coisas ganharam forma quando eu retomei o contacto com o Brian [Costantino, baterista]. Sentimos logo aquela química, talvez por ele ter crescido a ouvir The Obsessed e ter pertencido à nossa crew no passado. Estivemos sem nos ver trinta anos e, quando reuni os Spirit Caravan, com o Eddie Gulli na bateria, apareceu o Brian porque era o técnico dele. A verdade é que a reunião com os Spirit Caravan não durou muito porque o Eddie não quis continuar. Liguei ao Brian e decidi continuar como The Obsessed. Fui compondo música e, a certa altura, surgiu o contrato com a Relapse.
Em nessa altura, a maioria dos temas partiu de riffs recentes, ou tinhas coisas que guardadas das últimas décadas sem The Obsessed? No «Sacred» há, por exemplo, a nova versão de «Sodden Jackal», música que surge no vosso primeiro single, de 1983…
Isso foi a primeira coisa que eu quis fazer. Regravar a «Sodden Jackal». A gravação desse single está uma merda. Acho que é uma boa canção, as pessoas pedem-me sempre para a tocar e demos-lhe uma nova vida, numa forma que me orgulha. Depois, peguei num instrumental bem antigo chamado «Cold Blood» que, acredites ou não, escrevi quando tinha dezassete anos.
Tem estado no meu bolso todos estes anos e achei que agora era a altura certa para a gravar. Por outro lado, uma música como «Sacred» apareceu assim, de um momento para o outro. Eu, o Reid e o Greg Rogers tentámos acabá-la para a tocarmos no Maryland Deathfest de 2013, mas a coisa perdeu-se porque tínhamos outros temas a preparar. Ou seja, essa é uma das novas, assim como «Razor Wire» que terminei já em estúdio, embora tivesse o conceito e o riff já há alguns anos.
Tendo The Obsessed um estatuto de culto, e tantos anos após a última gravação oficial, sentiste pressão na feitura do álbum de regresso?
A resposta é: sim, sentimos bastante pressão. Quando me vejo em estúdio, só com sete temas prontos, a pressão estava lá e em grande. Andava a ultimar as letras e já só via pedacinhos de papel espalhados por todo o lado…
Chegava a casa e tinha de reescrever letras para duas ou três canções; já tinha a cabeça a arder. Mas há um ditado que eu gosto de usar – “quando chega o aperto, os maluquinhos ficam prós”. E o meu pessoal esteve à altura. A pressão estava no ar e, se não houvesse nervos, é que eu não acharia normal, estás a ver? No entanto, sabíamos que íamos conseguir. E conseguimos. [risos]
Os THE OBSESSED são o teu filho pródigo? Todos te conhecemos também de bandas como Saint Vitus, Spirit Caravan, The Hidden Hand ou Shrinebuilder, entre outros projectos, mas os THE OBSESSED são a tua cena de eleição ou é ingrato, para ti, pôr as coisas nesses termos?
Bom, claro que os The Obsessed são o meu primeiro filho, são como o meu bebé… Mas, precisamente por sê-lo, mais importante se tornam, pois sinto que as reuniões que fizemos antes nunca me pareceram a 100%.
Quando olho para os vídeos da nossa reunião no Roadburn e do concerto no Maryland Deathfest, vejo que apenas me deixei ir na onda. Não pareço totalmente inspirado porque a química não estava toda lá. Agora, com o Brian a bordo, é tudo mais natural. Vivemos perto um do outro, comunicamos diariamente e temos uma camaradagem familiar na banda.
O timing e a química da reunião nunca foram perfeitos, mas agora sinto que está tudo no sítio. Portanto, é isto que quero fazer, estou focado nos The Obsessed e é o meu filho pródigo, como dizes. O pessoal dos Saint Vitus decidiu seguir em frente com o Scott Reagers; assim, podem tocar por todas partes do mundo que desejam, é porreiro para eles. Somos todos amigos. Eu é que tenho as minhas atenções agora só viradas para os The Obsessed.
As pessoas nunca se esqueceram dos The Obsessed, pois não?
Acho que não. A América sempre esteve um passo atrás da Europa no que respeita aos géneros mais pesados de música mas, nos últimos anos, os Estados Unidos acordaram e penso que as pessoas que sempre amaram este som, estão agora mais motivadas. O advento da internet melhorou a comunicação entre bandas e ouvintes e também acho que, desde que o Frank Kosik formou a Man’s Ruin Records, isso ajudou muito a que o movimento reganhasse energia.
Essa editora foi como que o motor que impulsionou aquilo a que as pessoas chamam de stoner rock e trouxe de volta a ênfase da melodia nas vozes e na guitarra. Foi fundamental e nós também nunca mudámos no que toca à nossa música ou atitude. É bom assistir a este interesse de novo na banda e acho que não poderia pedir mais nada, neste momento.
Começaste a fazer música bem cedo, ainda na década de 70, com os Warhorse, que viriam a ser o embrião dos The Obsessed. É difícil falarmos de nós mesmos, mas pelo vosso pioneirismo, achas que, na altura, eram uma espécie de Black Sabbath dos Estados Unidos?
Acho que sim. À medida que o tempo passa, vou tendo essa sensação… Eu vi os Black Sabbath ao vivo no dia em que fiz treze anos. Obviamente, que é o meu grande amor musical. Mas a minha filosofia sempre foi a de que recebi uma dádiva musical através de um poder superior, pelo meu criador, como lhe queiras chamar.
O meu dever é carregar esta tocha de bandas como Black Sabbath, Budgie e outras. Se alguém nos comparar com uns Black Sabbath do presente é uma enorme honra e claro que faremos o melhor que conseguirmos para estar à altura desse desafio.
Neste momento, sou um homem de sorte. Acho que tudo acontece por uma razão, mas também acredito que podemos criar o nosso próprio destino. Resumindo, sinto-me muito bem. Tive de fazer algumas mudanças no meu estilo de vida para poder levar isto em frente como deve ser. E agora só desejo levar isto às pessoas.
Os The Obsessed são uma banda religiosa? Conhecendo alguns dos teus ideais, qual é o teu nível de espiritualidade agregado à música?
Os The Obsessed são uma banda de hard rock. Eu percebo que as pessoas necessitem de descrever as coisas, de nos classificar como uma banda de condenação (doom) ou o que seja, mas gosto de pensar que somos mais uma banda de esperança (hope). Fazemos música pesada, mas doom e gloom… OK, há vários elementos negros na nossa música, mas é porque a vida é negra como o raio.
Mas se não tiveres uma perspectiva positiva sobre as coisas, como é que vais encarar cada dia quando te levantas da cama? Gosto de pensar que tanto somos uma banda doom, como uma banda hope. Em termos estritamente musicais, acredito é no poder da canção. A música fala por si mesma. Algumas nem precisam de guitarra, outras, nem precisam de letras.
Não é preciso que a minha banda seja entendida como uma banda religiosa – assim, nessas palavras – mas gosto de pensar que temos uma componente de esperança. Em tudo o que fazes, tem de haver equilíbrio. Talvez por o meu signo ser Balança, também sei disso. Estou sempre a oscilar e, às vezes, os pratos da balança vão abaixo, mas lutamos pelo equilíbrio e o que mais importa é tocarmos este tipo de música. É para o que vivemos e é o que fazemos.