SWR

SWR 2024: Serrote sueco, d-beat de qualidade superior e brutalidade a rodos [24-27.04.2024]

Parte integrante da alma do SWR, a “castanhada”, como gostamos de chamar-lhe, é sempre dos estilos que melhor se desenvencilha no festival. Ora, quando à castanhada se junta aquele velho e bom serrote sueco, é como atingir uma espécie de nirvana da porrada sónica.

Nós, aqui deste lado, claro que sabemos de que música gostamos. Vocês, que nos leem, também de qual gostam. Temos a certeza que têm algumas bandas nas quais confiam mais que em quaisquer outras. Talvez essas bandas tenham mudado conforme vocês foram crescendo, provavelmente houve uma canção que, em algum momento, não conseguiram parar de tocar, até que perdeu “aquele” efeito. Todos já passámos por isso.

No entanto, não deixa de ser curioso que, mesmo assim, continuemos a voltar a esses temas, a esses álbuns, a esses sons, porque nos são familiares. Talvez porque já os conhecemos muito bem e porque continuam a falar connosco, porque são seguros e nunca nos decepcionariam, porque são nossos.

Entre esses pequenos prazeres familiares, mas sempre garantidos, está a distorção do Boss HM-2, um clássico de culto e um daqueles pedais de distorção mais importantes da história da música extrema. Com o original já fora de produção há muito tempo, hoje em dia é um daqueles pedais que nunca saiu de moda. Aquela configuração, com todos os botões no máximo, tudo no vermelho, pode não estar no manual do usuário original, mas foi assim que o HM-2 ajudou a criar o som do death metal sueco em títulos seminais como o «Left Hand Path», dos Entombed, o «Dark Recollections», dos CARNAGE, o «Like An Everflowing Stream», dos DISMEMBER.

SERROTE SUECO

Convenhamos, dificilmente existe um pedal mais importante no metal underground. Bandas como os Nails e os Rotten Sound pegaram nessa selvajaria de Estocolmo e aplicaram-na em diferentes contextos, provando que uma distorção normalíssima, usada de uma forma mais heterodoxa, pode produzir resultados espectaculares. Seguindo o raciocínio já exposto nestas páginas de que o SWR 2024 se pautou por uma aura de nostalgia bastante evidente, não é propriamente estranho que, logo no Dia 1, os LIK nos tenham arrastado pelo colarinho da t-shirt dos Nihilist directamente para os anos 90, com uma potente descarga decalcada dos fundos de catálogo dos Entombed e, ainda mais, dos Dismember.

Escuros, densos, mas mesmo assim dentro daquilo que é classificável como sendo “um arraial”, os suecos deram-nos uma proverbial tareia. Death metal de Estocolmo, ou seja, um belo serrote sueco genuíno saído directamente da fonte, mostraram mais uma vez que o poder imortal do HM-2 não tem data de validade. Compostos por malta que estamos habituados a ver noutros carnavais, como o Niklas Sandin dos Katatonia ou o Tomas Åkvik dos Bloodbath. por exemplo.

Não deram, no entanto, nenhuma vibe de “banda secundária” e irromperam por descargas simples e muito eficazes como «Ghoul» ou «Necromancer» (não, não perdem muito tempo a arranjar títulos complicados) com descontracção e afinco. Nunca serão banda de grandes malhinhas orelhudas nem para ficar no top de fim de ano de ninguém, mas para uma horinha de estardalhaço, contem com eles.

D-BEAT DE QUALIDADE SUPERIOR

De todos os subgéneros díspares que surgiram da instituição iconoclasta que foi o punk hardcore dos anos 80, pode não haver nenhum mais coeso internamente e reverente aos seus antepassados do que o d-beat. E sim, é um género que muitas vezes pode ser estereotipado, mas também é uma fórmula que, quando executada em toda a sua extensão, acaba por revelar-se sempre revigorante, provocativa e incrivelmente inspiradora.

Super apropriados para o ambiente do SWR – Barroselas Metal Fest, os FREDAG DEN 13:E são das bandas que mais custom made parece ter sido feita para o festival. A dois anos de completarem vinte de carreira (e de celebrarem dez sobre a sua primeira passagem pelo SWR, também), rebentaram com o Arena Stage logo a seguir à lancinante lentidão dos BELL WITCH, e foi como se alguém tivesse carregado no fast forward.

Logo no Dia 1, e com a “fome” e a genica de miúdos a darem o seu primeiro concerto, foram agregando público à medida que os minutos passavam, como que acordando-o da maravilhosa letargia catártica imposta pela banda anterior (foi de facto uma das melhores sequências do festival pelo contraste estabelecido), e pondo tudo a mexer. Que os títulos e as letras sejam em sueco não pareceu ter sido grande obstáculo – as causas pelas quais estes punks suecos se debatem são claras, e a mensagem do d-beat enriquecido de grind e death metal é universal. Foi um arraial do princípio ao fim.

De surpresa a confirmação, e a provar que neste espectro nem tudo tem de ser realmente “pelos números”, tivemos, no Dia 2, a potente actuação dos CHILD, uns suecos de criação recente que nos provaram que um simples twist pode soprar um lufada de ar fresco num espectro em que tudo parece já ter sido inventado.

À semelhança do que se passa em disco, sobretudo no mais recente «Shitegeist», editado meros dias antes da passagem pelo SWR 2024, desde que subiram ao palco percebeu-se de imediato que isto é gente afecta ao d-beat, mas que também deve ter uns quantos discos dos Nasum lá em casa.

E foi assim, entre blasts acutilantes e d-beats certeiros, que desfilaram um alinhamento composto por temas dos dois discos que têm no fundo de catálogo. Contando com músicos rodados, e muitíssímo bem ensaiados, que acumulam funções em propostas emergentes como Grand Cadaver, Let Them Hang ou The Grifted, protagonizaram um actuação escorreita e uma energia notável.

Nesta espécie de espectro metal punk, no qual os Lik são mais metal e os Fredag são mais ou menos, na ponta mais punk situam-se os SKITSYSTEM, mas no final de contas, o resultado entregue foi o mesmo – castanhada e serrote, pois claro! Para os muitos fãs da lendária banda sueca, foi preciso esperar até ao Dia 3 para finalmente os ver, eles que nunca cá tinham posto os botins, mas valeu a pena a espera, tanto a de três dias, como a destes anos todos.

Um pouquinho mais entradotes do que a imagem mental que temos deles – apesar de já só restar o guitarrista/vocalista Fredrik Wallenberg da formação original –, mas com a mesma energia que lhes conhecemos, estes veteranos crusties que até já tiveram o famoso “Tompa” Lindberg como frontman durante a primeira década da sua existência souberam encher o palco principal e meter tudo a mexer na primeira molhada de filas.

Caos com fartura, e com temas emblemáticos como «Blodskam» (o nome de uma banda de black metal que se estreou ao vivo no SWR do ano passado) ou «Stigmata» a destacarem-se pela sua pujança que não se desvanece com os anos. Uma crustalhada da boa, numa das melhores actuações no palco principal deste ano.

BRUTALIDADE A RODOS

A juntar ao serrote sueco e ao d-beat de qualidade superior na trindade dos sons previsíveis, mas tão familiares que se tornam um deleite, o SWR 2024 também nos trouxe umas quantas propostas do bom e velho (talvez seja melhor dizer novo com espírito old school) death metal, sem truques e sem merdas. É um estilo que está para sempre marcado no ADN do festival, não há como contorná-lo; nem queremos. Não resistimos, portanto, a incluir aqui uns membros honorários nesta categoria.

Os KRYPTS, que tocaram no Dia 2, não são suecos, são só vizinhos (de Helsínquia, na Finlândia), e à primeira vista, não tocam castanhada… Mas vão lá dizer isso a todos os pescoços que já abanavam minutos passados de «Arrow Of Entropy», o gigantesco tema de abertura de «Remnants Of Expansion» que também serviu aqui de início de cerimónia.

Com uma densidade e coesão assinaláveis, o quarteto finlandês encheu de som ribombante a tenda grande, dando a sensação de estarmos a asfixiar lá dentro tal era o espaço que aquele low end e aqueles riffs paquidérmicos ocupavam. Castanhada em câmara-lenta, é o que era, um doom/death de alcance colossal, mais death que doom ainda assim – e com o rugido profundo e expressivo de Antti Kotiranta a ajudar ainda mais a esmagar-nos contra o chão, foi castanhada de grande nível que presenciámos. Quem conhece a banda e os excelentes três discos certamente já esperaria coisa boa, mas provavelmente não algo desta dimensão, um momento de elegância e peso sublimes em Barroselas.

Algo semelhante se poderá dizer em relação aos SNĚŤ, mas estes tipos adoptam uma postura mais frenética. Oriundos da República Checa, lançaram recentemente o álbum de estreia «Mokvání V Okovech», que surpreendeu pela habilidade na composição de temas brutos, mas com a noção de “canção” sempre presente. Em palco, exibiram todo o seu tecnicismo e a ferocidade do OSDM que veneram, com Leproducktor, Krütorr, Hnisatel, Ransolič e Ràd Zdechlin a formarem um bloco bem sólido. Apoiados na bateria pesada, apimentados pelos grunhidos guturais (e doentios), fundiram ali o melhor do death metal norte-americano e europeu quando estavam no auge.

Com riffs brutos e directos de death metal, explorando o lado sujo de uns Autopsy e as passagens mais lentas e demolidoras dos Incantation, representaram muito bem as cores da nova geração de extremistas apostados em explorar a tradição da velha escola. Com os temas a desenvolverem-se numa generalidade de meios tempos avalassaladores, que crescem à custa de riffs robustos e de um groove que propicia o headbanging, não houve um momento de tédio durante o tempo que estiveram em palco. Destaque para os riffs rastejantes da «Princip Krizeni».

A imagem do header é da Rita Mota, cortesia do SWR – Barroselas Metalfest.