O primeiro dia da edição deste ano do VAGOS METAL FEST contou com os SEPULTURA como nome maior — lê a reportagem completa do concerto de ontem à noite em baixo.
Já lá vão quase três décadas desde que o mundo da música pesada foi abalado pela notícia da cisão no seio dos SEPULTURA. Max Cavalera tinha saído da banda que tinha fundado. A proverbial bomba abateu-se no underground na música extrema. Numa altura em que estavam num auge de sucesso comercial e de popularidade, apesar de muitos fãs por essa altura já terem começado a torcer o nariz à mudança de som operada em «Chaos A.D.» e «Roots», ficou a sensação de que aquela carreira brilhante tinha acabado ali.
Para muitos fãs portugueses, SEPULTURA não eram uma banda do outro lado do Atlântico. Eram nossos, um grupo de músicos que levavam a nossa língua a sítios raramente navegados — na altura, uma banda como MOONSPELL estava ainda a começar a assumir essa missão e a iniciar o seu percurso ascendente. Após a saída do Cavalera mais velho, os três membros restantes cumpriram alguns compromissos, datas em formato trio, com Andreas Kisser na acumular a posição de guitarrista e vocalista, numa escolha de recurso mas que fez temer pelo futuro da banda. Terminado o ciclo de promoção a «Roots» de forma abrupta, era tempo de procurar uma nova voz e rosto para os SEPULTURA.
A escolha recaiu sobre Derrick Green, relativamente desconhecido no mundo metálico, mas que desde cedo revelou ter carisma e voz com poder suficiente para continuar a carregar o legado da banda. Desde a edição de «Against», um álbum injustamente subvalorizado, já passaram 25 anos e, apesar das muitas mudanças de formação operadas no sei do grupo entretanto, os SEPULTURA continuaram o seu caminho revelando uma inconformidade criativa que os levou a sair muitas vezes da zona de conforto — algumas com sucesso, outras nem por isso –, provando que queriam ir bem mais além de uma vida a tocar os clássicos vezes sem conta.
Como é lógico, isso também levou a que se criasse um romantismo em relação aos “anos Max Cavalera” — com o próprio a aproveitar bem a situação ao enterrar o machado com o irmão e a criação dos muito requisitados CAVALERA CONSPIRACY, que têm feito inúmeras digressões a tocar material da banda que criaram e, mais recentemente, até regravaram o EP «Bestial Devastation» e «Morbid Visions», o primeiro álbum dos SEPULTURA. No final, a recompensa é dos fãs e, se os mais cínicos poderão pensar que a fase Derrick Green simplesmente não tem o mesmo apelo de outrora e que isso poderia representar um mau cabeça de cartaz para a primeira noite da edição de 2023 do Vagos Metal Fest, o que podemos dizer é que aquilo a que assistimos contradiz por completo essas previsões mais pessimistas.
Aquilo que encontrámos na Quinta do Ega foi, efectivamente, um mar de gente presa em frente ao palco, a ansiar pelo início do concerto de regresso da banda a Portugal. Primeiro ao som de «War Pigs», tema clássico dos BLACK SABBATH, e depois com a «Polícia», dos Titãs, uma música que a banda tornou sua com uma versão inesquecível, os ânimos foram aquecendo. Por fim, «Isolation» marcou o início de uma actuação demolidora e, claramente entusiasmado, o público deu a resposta à altura. Em termos sonoros, apenas a guitarra se mostrou demasiado assanhada nos agudos, o que ofereceu algum desconforto que acabou por ceder à habituação.
Sem dar espaço para respirar, o quarteto arrancou logo com «Territory» e, claro, o entusiasmo foi geral graças à incursão por um dos álbuns mais queridos de qualquer fã que se preze. Antes de voltarem ao mais recente «Quadra», Green — que por esta altura já está há mais tempo à frente do grupo do que Max alguma vez esteve — avisou em português sofrido que iriam tocar muitas músicas desse disco, mas que também tocariam muitos clássicos. Kisser acrescentou posteriormente que esta série de concertos servia para encerrar o ciclo «Quadra»; interrompido, como muitas coisas na nossa vida, pela pandemia. E, como é óbvio, isso bastou para justificar os seis temas “novos” incluídos neste alinhamento, assim como a confiança que os músicos têm neste conjunto de canções.
A banda mostrou-se muito sólida, coesa como nunca, sendo sempre impressionante observar o génio de Eloy Casagrande a castigar o kit de bateria de forma impiedosa e Andreas Kisser a dominar, sem esforço aparente, os solos e os ritmos. Apesar disso, em certos momentos, continua a faltar uma guitarra ritmo, sendo esse o grande handicap actual da banda. Não que Paulo Jr. não seja também sólido nessa tarefa, porque é, mas o poder dos discos acaba por não ser reproduzido em palco. Por outro lado, é inegável a forma orgânica como resultam as actuações devido a esta opção controversa, e o público, como já foi dado a entender, não estava minimamente preocupado com pormenores.
Fora da «Quadra», as visitas aos clássicos concentraram-se em «Arise», «Chaos A.D.» e «Roots», todos a servirem de garantia a explosões de entusiasmo através de temas incontornáveis como «Propaganda», «Dead Embrionic Cells» e «Cut-Throat», enquanto oo material mais recente se limitou aos temas-título de «Kairos» e «Machine Messiah», este último com um cariz mais melódico e progressivo, que evidencia que a capacidade de Derrick Green não se limita apenas ao berro, conseguindo, quando quer, cantar “a sério”. Ainda antes do encore, a recta final da actuação ficou preenchida com dois clássicos indiscutíveis: «Refuse/Resist» e «Arise» e com o encore.
Para acabar em beleza, o encore ficou para o clássico «Roots». Apesar de ter sido um dos singles do LP de 1996, provavelmente não será justo apelidar a «Ratamahatta» como um clássico absoluto da banda, mas a verdade é que a canção continua a servir sempre como uma boa lembrança do expoente máximo das experimentações tribais em que embarcaram na altura. Já «Roots Bloody Roots», com a sua simplicidade desarmante, continua a ser umqa canção memorável, que sobrevive ao teste do tempo com sucesso e se afirma como um final mais que apropriado para um grande concerto. O mar de pessoas em celebração metálica provaram isso mesmo. Vagos não poderia ter regressado de melhor forma.
De seguida, subiram ao palco os portugueses CORPUS CHRISTII, mas essa actuação. assim como todas as restantes deste primeiro dia ( dos DRAGON’S KISS, DAGARA, VENDETA FM, BESTA, BE’LAKOR, DIETH, ALESTORM e SACRED SIN), serão alvo de reportagem detalhada brevemente, num artigo focado neste primeiro dia da edição de 2023 do Vagos Metal Fest.
Fotos por Sónia Ferreira.