Ao terceiro dia, o MILAGRE METALEIRO OPEN AIR chegou ao fim com uma arrebatadora actuação dos lendários CRADLE OF FILTH.
Dois dias de sonho metálico deixados para trás e ainda faltava o último; para muitos, aquele que trazia o nome mais aguardado de todo o evento: CRADLE OF FILTH. Curiosamente, e ao contrário do verificado até então, ao entrar no recinto ficou a ideia de que o público tinha comparecido em menor número, mas nada que se notasse, no entanto, em frente aos palcos onde já tinham brilhado os lusos MOONSPELL e os suecos DARK TRANQUILLITY.
A primeira grande surpresa deste dia foram os catalães ERZSÉBET, que, apesar de estarem encarregues da abertura, deram um grandioso concerto. Uma lição para quem desconsidera a importância deste slot. Black metal sinfónico com uma forte componente teatral que até supera qualquer coisa que os mestres CRADLE OF FILTH tenham feito em cima de um palco, embora musicalmente não revelem uma atitude tão dinâmica. No entanto, a conjugação da teatralidade — a cargo, sobretudo, por parte da frontwoman Erzsébet — com a música conquistou e impressionou todos os que não quiseram arredar pé.
Igualmente grandiosos, mas agora no palco principal, estiveram os nacionais ENCHANTYA. O novo LP da banda liderada por Rute Fevereiro, «Cerberus», é um dos lançamentos memoráveis da cena nacional em 2023 e a confiança da banda no seu trabalho foi mais que notória, com o alinhamento centrado quase na totalidade neste disco à excepção de «From The Ashes» tema final de «On Light And Wrath» que serviu também para finalizar esta prestação no MILAGRE METALEIRO OPEN AIR. De destacar ainda a presença de Sienna Sally, que fez um dueto com Rute em «Existence», e do violinista Miguel Berkemeier.
Os DARK EMBRACE já são uma banda bem conhecida do nosso underground, marcando presença não só em algumas digressões que vão passando pelo nosso país, como também em alguns dos principais eventos metálicos de dimensões médias. Com um álbum sólido lançado este ano, «Dark Heavy Metal», a banda de Oscar Rilo trouxe-nos a sua mistura muito própria entre death metal melódico e heavy metal tradicional, numa actuação sólida que só terá pecado por alguns problemas com a voz de Rilo no início.
O primeiro grande nome do cartaz eram os SERIOUS BLACK, um verdadeiro super grupo de power metal europeu que se estreou em Portugal com uma actuação de saldo bastante positivo. A opção de tocarem duas covers de seguida talvez tenha parecido estranha a muitos; no entanto, a táctica resultou bem, com «Keep On Rocking In The Free World», de Neil Young, e «The Story», de Brandi Carlile, a serem muito bem recebidas pelo público ao lado de «Trail Of Murder» e «Rock With Us Tonight». Sentiu-se que foi um concerto descontraído, que a banda se estava a divertir e que essa diversão passou para a plateia.
A folk, que esteve tão presente nos dias anteriores, também iria marcar presença neste derradeiro dia de MILAGRE METALEIRO OPEN AIR. Os BOISSON DIVINE são franceses, mas ninguém diria — isto porque cantam (e falam) no dialecto occitano gascão, que, segundo o frontman Baptiste Labenne, tem muitas semelhanças com o português, o espanhol, o italiano e o francês. Musicalmente, o que serviram foi mais uma festança folk que colocou toda a gente a mexer ao som dos instrumentos tradicionais — boha (uma espécie de gaita de foles tradicional francesa), acordeão e flauta — que conjugaram bem com a distorção das guitarras.
Como é óbvio, os amantes de heavy/power metal tradicional fizeram questão de não perder o regresso dos GRAVE DIGGER — que, curiosamente, também se estrearam em Portugal com os ORDEN OGAN e também regressaram no mesmo evento. Com uma carreira tão vasta em álbuns, seria de esperar que muita coisa ficasse de fora, mas ainda assim o alinhamento não deixou de ser do agrado dos muitos fãs que se concentraram em frente ao palco tradicional. Será sempre incontornável a rendição de «Rebellion (The Clans Are Marching)» ou de «Heavy Metal Breakdown», mas também foram boas as surpresas de «The Dark Of The Sun» e «Dia De Los Muertos».
Caso ainda houvesse dúvidas relativamente à dedicação ao heavy metal tradicional que a nossa vizinha Espanha nutre, ficariam totalmente desfeitas pela prestação dos LUJURIA. Já lá vão mais de três décadas de carreira, mas a garra e o feeling permanecem intactos, assim como aquela fome metálica que hoje em dia já se torna rara. Essa garra foi tanta que até levou Óscar Sancho a improvisar e a subir a uma das torres de suporte do palco secundário a meio da performance. Para quem não os conhecia, foram uma excelente surpresa.
Já tinham passado cinco anos desde a última visita, demasiado tempo para uma banda como CRADLE OF FILTH, que tem uma legião de fãs em Portugal desde há muito tempo. Facto que Dani Filth reconheceu, relembrando o mítico primeiro concerto em Penafiel. É verdade que, dos cabeças de cartaz, foram os que menos tempo estiveram em palco, mas mesmo assim a banda tocou o alinhamento que tem sido hábito nesta passagem por festivais europeus, passando um pouco por todas as fases e iniciando logo com o clássico «Heaven Torn Asunder». Não faltaram também «Cruelty Brought Thee Orchids» e a eterna «The Principle Of Evil Made Flesh», mas as novas «She Is A Fire» e «Crawling King Chaos» também foram muito bem recebidas.
Depois dos CRADLE OF FILTH, chegaram os sevilhanos HATE LEGIONS, que trouxeram um black/death metal implacável que não deu tréguas a todos os que ainda conseguiam resistir. Convenhamos, por esta altura, as forças já não eram muitas, mas foram suficientes para suportar o ligeiro atraso provocado por alguns problemas de som. Felizmente, após começarem, não houve mais volta a dar. Cenário a condizer com a sonoridade blasfema que ainda encontrou muitos acólitos devotos em transe metálico.
Não sabíamos muito bem o que esperar do concerto dos GIGATRON, embora estivéssemos desconfiados que seria mais uma dose de boa disposição — aliada a, claro, heavy metal. Foi, efectivamente, o que se verificou. A paródia aos lugares comuns do heavy metal tem especial impacto quando nos é servida com música de qualidade e é a junção daquilo que a banda faz — embora tenhamos de admitir que a voz de Charly Glamour requer alguma habituação. Resultado, um ponto final mais que adequada para três dias memoráveis de celebração metálica.
Aquilo que se pode concluir é que se o MILAGRE METALEIRO já fazia parte da tradição de peso nacional, em 2023 deu um passo de gigante para não só expandir como solidificar essa posição. É certo que ainda se notam dores de crescimento em todos os passos (sobretudo dos de gigante), mas quem conseguiu organizar um evento deste calibre, um evento que tem crescido ano após ano, também vai conseguir fazer mais e melhor no futuro. Para trás, ficou o coração cheio de muitos apreciadores de música pesada e a certeza de que o melhor está para vir.
Fotos: Sónia Ferreira