Entre a dor e a liberdade, o único álbum dos MAD SEASON foi editado há três décadas e capturou na perfeição a alma sombria de Seattle.
Editado originalmente no dia 14 de Março de 1995, «Above», o único LP de estúdio dos MAD SEASON, emergiu como um retrato hipnotizante de uma era marcada pelo niilismo e pela decadência. Gravado no auge da cena de Seattle, três décadas depois, o disco continua a manter-se como uma cápsula temporal melancólica, um vislumbre sombrio de um movimento que, na época, já mostrava os primeiros sinais de desintegração. Acima de qualquer outra coisa, este é um testamento trágico da beleza e dor que sempre definiram o grunge — e o fim precoce de dois dos seus criadores reforça o peso emocional que o álbum carrega.
Verdade seja dita, os MAD SEASON nasceram no meio do caos. Foi num centro de reabilitação situado em Minneapolis que Mike McCready, o guitarrista dos Pearl Jam, conheceu o baixista John Saunders. Ambos estavam em tratamento por abuso de álcool e substâncias, e a ligação entre os dois, ancorada numa profunda paixão pela música foi imediata. “O John Saunders tinha raízes bem profundas nos blues”, recordaria mais tarde McCready.
De regresso a Seattle, a dupla formou os MAD SEASON com o baterista Barrett Martin, dos Screaming Trees, e o vocalista Layne Staley, a icónica e atormentada voz dos Alice In Chains. Ainda que esse não tenha sido o objectivo dos músicos, a formação era essencialmente uma super banda de Seattle, uma fusão das sonoridades e das almas que tinham moldado a cena grunge. O desiganção inicial da banda, The Gacy Bunch, fazia uma desconfortável alusão ao assassino em série John Wayne Gacy e à série The Brady Bunch, mas o grupo acabaria por adoptar o nome MAD SEASON, expressão inglesa que remete para a época do ano em que os cogumelos alucinógenos crescem— uma sugestão do estado alterado em que a banda operava.
Gravado em apenas dez dias nos Bad Animals Studios — propriedade de Ann e Nancy Wilson, das Heart —, «Above» é um álbum que destila dor, resignação e vulnerabilidade. A capa, composta a partir de uma gravura em linóleo criada por Staley, é um reflexo da estética sombria e intimista que permeia o disco. A interpretação do vocalista é tão assombrosa como desarmante, oscilando entre um registo confessional e uma postira hermética — uma boa prova de que a banda deu a Layne Staley um espaço criativo que não tinha nos Alice In Chains. Longe da sombra de Jerry Cantrell, viu-se com liberdade para explorar a sua veia lírica e expressar uma dor crua e autêntica.
O mesmo se aplicou a McCready, que encontrou nos MAD SEASON uma muito necessária libertação das amarras criativas dos Pearl Jam e da constante presença de Stone Gossard. Muito graças a isso, é a sua guitarra que brilha em temas como «Lifeless Dead», onde um riff de peso quase Maidenesco se mistura com explosões de feedback, enquanto Staley murmura e entoa o título como um mantra sombrio. Depois, no instrumental de tons psicadélicos «November Hotel», McCready mergulha de cabeça numa espiral de caos controlado, libertando-se das estruturas mais convencionais que sempre caracterizaram os autores de «Ten».
Ainda que McCready e Staley assumam o protagonismo emocional de «Above», o elemento estrutural e rítmico que sustenta realmente o disco vem de John Saunders. Descrito como alguém capaz de “conduzir o lado negro da música com uma intensidade palpável”, criou momentos tão memoráveis como a sinuosa linha de baixo em «Artificial Red» — que ecoa a atmosfera soturna de «The WASP (Texas Radio & The Big Beat)» dos The Doors — revelando em todo o esplendor o toque bluesy e algo decadente que trouxe para os MAD SEASON.
Depois de «Above», os MAD SEASON gravaram uma versão de «I Don’t Wanna Be A Soldier», de John Lennon, para o álbum «Working Class Hero: A Tribute To John Lennon», mas o futuro da banda tornou-se rapidamente nebuloso. Com o malogrado Layne Staley cada vez mais ausente devido ao agravamento dos seus vícios, surgiu o rumor de que a banda podia continuar com Mark Lanegan na voz, sob o nome Disinformation. Contudo, nada se concretizou.
Em Janeiro de 1999, John Saunders morreu vítima de uma overdose de heroína, marcando o início do fim para os MAD SEASON. Três anos depois, em Abril de 2002, Staley também foi encontrado morto no seu apartamento. A sua morte ocorreu exactamente oito anos depois do suicídio de Kurt Cobain — naquilo que só podemos descrever como uma coincidência sombria, que veio reforçar o sentido trágico da era grunge. Mark Lanegan, que poderia ter sido o próximo vocalista da banda, morreu em 2022, apagando definitivamente qualquer possibilidade de ressurreição.
Feitas as contas, o «Above» permanece como um documento cru de uma época em que a música de Seattle se equilibrava entre a glória e o colapso. A dor de Staley, a liberdade de McCready e o toque sombrio de Saunders confluiram para criar um álbum que é tão belo quanto devastador. O derradeiro suspiro de Staley no final do disco — “We’re all alone” — ecoa como uma profecia amarga. No fim, os MAD SEASON não foram apenas uma banda; foram também o reflexo de uma era que nasceu para se auto destruir.
