THIN LIZZY

LOUD! CLASSICS: THIN LIZZY [1969–1983]

Recordamos a história dos THIN LIZZY, a mais conhecida exportação irlandesa que não seja uma bebida alcoólica.

I am your main man if you’re looking for trouble, I’ll take no lip ‘cause no ones tougher than me.”
«The Rocker» [Vagabonds Of The Western World, 1973]

Nascido em Agosto de 1949 em Inglaterra, filho de mãe irlandesa e pai caribenho, Phillip Parris Lynott foi com a mãe para Dublin, sua cidade-natal, aos quatro anos de idade. A capital irlandesa teria um impacto profundo na sua formação, e na qual o jovem Phil sempre foi diferente. Fruto de uma relação inter-racial, criado pela avó e uma mãe solteira numa cidade católica e quase totalmente branca, Phil era o único negro na sua escola e destacava-se por isso, levando-o não só a aprender a usar os punhos, como também a desenvolver uma sensibilidade fora do vulgar, tendo o seu apreço pela poesia e música tomado um lugar central na sua vida.

Também a História, nomeadamente a mitologia e tradições irlandesas, seriam marcantes para a formação cultural do jovem Lynott, e que viriam a ter reflexo na sua carreira. As raízes dos THIN LIZZY remontam a um grupo de Dublin, de meados da década de 60, chamado The Black Eagles, que contaram com um baterista chamado Brian Downey na fase final da sua curta-existência. Na altura apenas vocalista, Lynott fez ainda parte de bandas como Skid Row, com um jovem guitarrista de Belfast chamado Gary Moore, que viria a ser uma figura de grande importância na carreira dos THIN LIZZY, ou Orphanage, também com Downey na bateria.

Certa noite, impressionado por um concerto num pub, o jovem Eric Bell apresentou-se a Lynott como um guitarrista que poderia acrescentar algo aos Orphanage mas, sentindo que aquele ciclo teria chegado ao seu fim, Bell foi recrutado para uma nova banda com Downey e Lynott, na qual assumiria também o papel de baixista. Cedo se percebeu que havia potencial na banda e foram-se destacando no circuito irlandês, sabendo que seria necessária uma mudança para Londres para conseguir alcançar um sucesso que não fosse apenas local.

Depois de assinarem contrato com a Decca e gravado o primeiro álbum na capital inglesa, mudam-se para a cidade para tentar promover o disco, que veio a revelar-se um flop comercial, tal como o seu sucessor «Shades Of A Blue Orphanage», de 1972. Os THIN LIZZY pareciam estar a chegar ao fim da linha, tornando-se em mais uma nota de rodapé do rock britânico do início dos anos 70, e hesitando no investimento num novo álbum, a editora decidiu financiar um single como última tentativa.

A canção seria «Black Boys On The Corner», inspirada em Hendrix e a primeira letra de Lynott com uma temática racial. Faltava um lado B e, numa brincadeira em estúdio com uma canção tradicional irlandesa, o manager Ted Carroll achou que a versão tinha potencial e decidiram gravá-la. Partilhando dessa opinião, e à revelia da banda, a editora inverteu as faces e o single foi efectivamente «Whiskey In The Jar», o primeiro grande sucesso dos THIN LIZZY.

Tentando capitalizar essa notoriedade, voltam a estúdio e editam o terceiro álbum, «Vagabonds Of The Western World». Um competente disco de hard rock mas sem a capacidade de levar a banda a outro patamar, tornando-o practicamente numa one hit wonder. Pressionados para ter mais um single na rádio, Eric Bell não lidou bem com a situação, pretendendo manter-se fiel a uma visão artística independentemente do sucesso comercial, e lutando inclusivamente para que deixassem de tocar «Whiskey In The Jar» ao vivo.

Tal não aconteceu e, num concerto de fim de ano, passou-se e abandonou o palco, deixando Lynott e Downey sozinhos. Gary Moore substituiu-o no resto da digressão, e poderia ter ficado com o lugar, mas preferiu seguir com os Colosseum. Esta não seria a sua última passagem pelos THIN LIZZY, mas sim o fim da relação com a Decca e, pensou-se, talvez da própria banda.

My heart is ruled by Venus, and my head by Mars.”
«Warriors» [Jailbreak, 1976]

Deitar a toalha ao chão nunca foi uma hipótese para Lynott, que decidiu encontrar não um mas dois guitarristas. Mais que por opção artística, foi por razões de segurança, não fosse um deles abandonar o barco. Aparece um miúdo escocês de 18 anos, Brian Robertson, e um californiano chamado Scott Gorham, ficando assim completa a formação clássica dos THIN LIZZY, que deixaria a sua marca na história do rock n’roll.

Uma digressão de apresentação dos novos THIN LIZZY foi marcada e, depois de um glorioso concerto no Marquee, mítico clube londrino, receberam uma oferta da Phonogram Records. Em 1974 sai «Night Life», gravado enquanto o novo line-up ainda se encontrava em processo de adaptação e constitui uma colecção fragmentada e mal produzida de canções, sendo «Fighting», do ano seguinte, o primeiro disco a capturar o rock bad-ass que os THIN LIZZY tinham ao vivo e, que introduziu ao mundo o famoso twin-guitar attack de Gorham e Robertson. Não era uma abordagem nova, os Wishbone Ash já a tinham antes, mas esta acabou por tornar-se numa imagem de marca dos THIN LIZZY.

A grande cartada estava guardada para o terceiro disco deste período, que veria a luz do dia a 26 de Março de 1976. «Jailbreak» é um clássico absoluto e que merece o estatuto de obrigatório em qualquer colecção. Do tema-título a «Emerald», não há uma canção que destoe pela negativa, cada uma com a sua personalidade e constituir uma colecção coerente e arrebatadora.

«Jailbreak» mudou totalmente a vida da banda”, recorda Scott Gorham no livro The Boys Are Back In Town, escrito com Harry Doherty. “Apesar deste álbum ser um momento definidor, nunca nos sentimos confortáveis com isso. Sempre sentimos que tudo aquilo nos seria tirado a qualquer momento. Por isso mantivemo-nos sempre na estrada.

E mesmo no ano em que os THIN LIZZY alcançavam o topo, houve sempre uma nuvem negra sobre a banda. Já em digressão, Lynott apanhou hepatite A e as restantes datas com os Rainbow de Ritchie Blackmore tiveram de ser canceladas num período crítico, quando «The Boys Are Back In Town» era um enorme sucesso na rádio. Chris Salewicz, jornalista do NME que acompanhou a banda na altura, recordou na Classic Rock:

Mais tarde ele admitiu-me que, em L.A., partilhou a agulha com uma rapariga, apanhando a doença. Embora nunca tenha revelado que droga estaria a injectar, assumi que fosse heroína. Embora viesse a assombrar a sua vida mais tarde, na altura pensei que fosse apenas uma situação isolada.”

O período de recuperação da doença foi passado a compor um novo disco, «Johnny The Fox», que apesar de ter tido um hit no single «Don’t Believe A Word», esteve abaixo das expectativas criadas por «Jailbreak». Depois de uma tournée britânica, estava na altura de regressar aos Estados Unidos mas, na noite anterior, em vez de estar a fazer a mala e a preparar-se para ir para o aeroporto na manhã seguinte, o guitarrista Brian “Robbo” Robertson envolveu-se numa luta de bar, acabando com a mão cortada por uma garrafa partida, lesionando tendões e incapacitando-o, acabando a digressão cancelada.

Words can tell lies, and lies are no comfort when there’s tears in your eyes.”
«Don’t Believe A Word» [Johnny The Fox, 1976]

Esta foi a fase em que os excessos que acompanhavam o sucesso nos anos 70 começaram a fazer estragos. O consumo de álcool descontrolou-se a cocaína tornou-se omnipresente. Triste e envergonhado pelo sucedido, que não só prejudicou a banda como deixou a sua carreira em risco, Robbo voltou para Glasgow para recuperar. Surgiu nessa altura uma oportunidade de voltar à estrada, uma vez que os Queen procuravam uma banda suporte para a sua tournée americana de «A Day At The Races», e os THIN LIZZY só precisavam de um guitarrista.

Como já tinha acontecido antes, a escolha recai sobre Gary Moore, e as datas em estádios com os Queen foram uma grande escola para a banda, e principalmente para Phil Lynott que cresceu como frontman, ao ver Freddy Mercury a dominar audiências todas as noites. Lynott e o management não eram favoráveis ao regresso de Robbo, entretanto recuperado, mas Gorham e Downey defenderam o regresso do guitarrista, que só à última hora foi chamado a estúdio para participar em algumas canções, embora não apareça na capa com Gorham, Downey e Lynott.

«Bad Reputation» foi gravado em Toronto com Tony Visconti, produtor de David Bowie e T-Rex, que tentou dar ao disco a força que os THIN LIZZY tinham em palco. Essa intenção materializou-se de forma mais literal com «Live And Dangerous», em 1978. Considerado pela revista Classic Rock o melhor álbum ao vivo de sempre, muito se discute se é, efectivamente, um disco ao vivo, dada a quantidade de overdubs feitos em estúdio.

«Live And Dangerous» seria assim o maior sucesso da carreira dos THIN LIZZY e a vida de sexo, drogas e rock n’ roll nesta fase tornou-se lendária. A síndrome de deuses do rock, que nunca dizem que não a nada, levou a que heroína entrasse no seio da banda e a primeira casualidade foi Robbo, que se tornou cada vez mais agressivo e errático, sendo permanentemente afastado. Para não variar, foi novamente Gary Moore a aparecer mas, desta vez, iria pela primeira vez gravar um disco com os THIN LIZZY.

Tal nunca tinha acontecido antes pois havia um certo choque de personalidades entre Moore e Lynott, ambos com enormes egos, e mesmo quando foram gravar para Paris em 79 havia um clima de tensão. E se Gorham e Lynott já estavam viciados, o lado boémio da capital francesa juntou a fome à vontade de comer, e os dealers faziam fila à porta do estúdio. Mas foi neste clima que surgiu «Black Rose: A Rock Legend».

Para muitos, o melhor disco da sua carreira, ou um close-second em relação a «Jailbreak». Há grandes canções, como «Do Anything You Want», «Waiting For An Alibi» ou o tema-título, que rivaliza com «Emerald» como o grande épico celta, mas a canção que marcaria «Black Rose» seria a confessional «Got To Give It Up», na qual Lynott não deixa dúvidas: “I’ve been messing with the heavy stuff / For a time I couldn’t get enough / But I’m waking up and its wearing off / Junk don’t take you far”.

Se as coisas já estavam neste estado, voltar à estrada só veio piorar a situação, levando a um divórcio da banda com Gary Moore, que se mantinha sóbrio e com uma atitude profissional, não deixando que nada afectasse a sua prestação em palco. O mesmo não acontecia com Lynott e Gorham, e depois de uma actuação desastrosa em São Francisco, Moore fez as malas e foi-se embora sem avisar ninguém. Depois de algumas datas como trio, a tournée com os Journey foi completada com Midge Ure, dos Ultravox, que tinham o mesmo manager.

I tried to warn you there was something wrong, Mama I’m dying”
«Heart Attack» [Thunder And Lightning, 1983]

Midge Ure foi o primeiro dos vários erros de casting dos THIN LIZZY e marcou o início do fim. Seguiu-se Dave Fleet, que apenas fez uma tournée no Japão, e depois Snowy White, que tinha feito algumas tours com os Pink Floyd. Um grande guitarrista, sem margem para dúvidas, mas era um blues man que nunca se inseriu bem na banda. Gravou dois discos, «Chinatown», de 1980, e «Renegade» no ano seguinte, disco que já contou com Darren Wharton nos sintetizadores.

Foi na tournée deste álbum que, em 1982, os THIN LIZZY vieram a Portugal, para um concerto no Pavilhão Infante Sagres, no Porto, a 7 de Março, e no dia seguinte no Pavilhão de Alvalade, em Lisboa. Sem grandes surpresas, White seguiu o mesmo caminho de Gary Moore nesta banda cada vez mais disfuncional e arrasada pela heroína. As coisas estavam de tal forma que também Scott Gorham queria sair e limpar-se, mas Lynott convenceu-o a aguentar um pouco mais, pois já tinha em vista um miúdo novo que daria um novo fôlego aos THIN LIZZY.

John Sykes, dos Tygers Of Pan Tang, era o senhor que se seguia e, honra lhe seja feita, o seu entusiasmo conseguiu revitalizar a banda, com um disco que respondia às tendências da NWOBHM da altura. «Thunder And Lightning» é o álbum de heavy metal dos THIN LIZZY e embora desagrade a alguns puristas, é uma força a ser considerada. A tournée que se lhe seguiu teve tanto de caótico como brilhante, mas Gorham tinha já a certeza que era a altura de parar, sendo o último concerto da banda no festival de Reading, a 28 de Agosto de 1983.

Depois de anos de excessos e projectos falhados, Phil Lynott colapsa em casa no Natal de 1985. Levado de urgência para o hospital, é identificada uma septicémia generalizada no seu organismo, e surge entretanto uma pneumonia a agravar a situação, até que, a 4 de Janeiro de 1986, o coração de Phillip Parris Lynott não resiste, privando o mundo de uma das mais carismáticas figuras do rock n’roll. Hoje é celebrado pela sua música e foi erguida uma estátua sua em Dublin, sendo um dos monumentos mais populares da capital irlandesa.