Andrea Ferro, o vocalista dos LACUNA COIL, reflete sobre o cansaço das digressões, o equilíbrio entre gerações e a importância de manter viva a chama criativa após quase trinta anos de carreira.
A ligação de Zoom abre-se num início de tarde cinzento em Milão. Do outro lado do ecrã, Andrea Ferro surge sorridente. O som é nítido, a voz é calma. Há algo de familiar na sua serenidade: o timbre de quem vive há trinta anos dentro da mesma tempestade e ainda encontra paz no meio do ruído. “Sabe-me muito bem ainda estar aqui”, diz o vocalista dos LACUNA COIL, inclinando-se para a câmara. “Após tanto tempo, ainda ter vontade. É isso que me move — a vontade. Mesmo quando cansa.”
A frase soa simples, mas contém toda a filosofia que mantém os LACUNA COIL bem vivos: a consciência de que a persistência é uma forma de fé. Ao longo da conversa, Andrea fala com honestidade e humor sobre o desgaste das digressões, as mudanças de formação e o peso das décadas passadas na estrada. “A vida de músico é maravilhosa, mas também é muito dura. Passas meses fora, longe de casa, da família, dos amigos. É um estilo de vida que exige muito. E chega um ponto em que nem todos o querem manter.”
O vocalista recorda as partidas mais recentes sem amargura. “O nosso antigo baterista quis uma vida mais calma. Mudou-se para o campo, quis formar família. Um dos guitarristas casou e foi viver para os Estados Unidos. São escolhas. Continuamos amigos. Ainda hoje, quando tocamos perto de Minneapolis, ele aparece, jantamos juntos, rimos das histórias antigas. Mas eles queriam outra vida, e eu compreendo isso.”
Há uma pausa breve, como se Andrea meditasse sobre o tempo. “Há vinte anos, se alguém me dissesse que ia deixar a banda, eu ficava zangado, sentia que era uma traição. Hoje não. Hoje percebo que a vida muda. E que é melhor alguém sair com honestidade do que ficar sem vontade. Isso mata uma banda mais depressa do que qualquer separação.”
Essa maturidade tornou-se quase uma filosofia dentro dos LACUNA COIL. A banda aprendeu a ver cada mudança como parte de um ciclo natural. “Quando uma pessoa sai, há sempre um vazio. Mas também há espaço para algo novo. E cada novo músico traz a sua própria energia, a sua forma de tocar, a sua história. A música muda um pouco, e isso é bom. Faz-nos crescer.” Isso foi o que aconteceu recentemente, com a entraram dois membros mais jovens: “Eles têm aquele entusiasmo que nós tínhamos no início. Querem tocar em todo o lado, experimentar tudo. Obsevar isso de perto é inspirador. Obriga-nos a lembrar porque começámos. E faz-nos querer continuar.”
O vocalista ri-se. “Às vezes sinto-me o pai deles. Mas também é bom ter essa energia à volta. Dá-te vontade de provar que ainda consegues acompanhar.” A estrada, no entanto, continua a ser implacável. O vocalista dos LACUNA COIL descreve o ritmo da última digressão com uma mistura de orgulho e fadiga. “Foram oitenta e cinco dias seguidos, dezasseis voos só na América do Sul, depois mais dois meses na América do Norte. Há alturas em que o corpo diz chega. Já não somos miúdos. Por isso aprendemos a organizar tudo de outra forma: três concertos, um dia de descanso. É a nossa regra de ouro. Se não descansas, perdes o prazer. E se perdes o prazer, perdes tudo.”
Esse novo equilíbrio é, segundo ele, o segredo da longevidade da banda. “Antes era só tocar, tocar, tocar. Agora queremos desfrutar. Gostamos de parar, conhecer as cidades, jantar juntos. Isso alimenta a amizade, e a amizade é o que mantém a música viva.” Andrea fala de Cristina Scabbia, o outro pilar dos LACUNA COIL, com respeito e afeição. “Somos como dois lados da mesma moeda. Ela é mais racional, eu sou mais impulsivo. Às vezes discutimos, claro, mas há uma confiança absoluta. Passámos metade da vida juntos — a viajar, a tocar, a viver coisas intensas. Há uma ligação que só se constrói com o tempo.”
Mesmo nos momentos de incerteza, essa parceria serviu de âncora. “Quando alguém saía, era a Cristina que me dizia: ‘Calma. Vamos respirar. Isto não é o fim.’ E tinha razão. Nunca foi o fim. Sempre foi um novo começo.” Hoje, os LACUNA COIL já não perseguem a perfeição nem a validação externa. Andrea fala com naturalidade dessa mudança de perspectiva. “Já não queremos provar nada a ninguém. Queremos apenas ser verdadeiros. Isso é o que faz com que as pessoas ainda venham aos concertos. Elas sentem que somos nós, sem máscaras. Não precisamos de competir com ninguém. Só de continuar a tocar com paixão.”
A paixão, aliás, é um conceito que ele pronuncia com reverência. “Quando era mais novo, achava que a paixão era algo que acontecia, como um relâmpago. Agora percebo que é algo que se cultiva. Tens de cuidar dela. Não a deixes morrer. Tens de a alimentar todos os dias — com música, com novas ideias, com curiosidade.” O cantor dos LACUNA COIL sorri ao recordar as primeiras digressões. “Dormíamos em carrinhas, comíamos mal, mas estávamos felizes. Hoje temos mais conforto, mas o sentimento é o mesmo. Quando o público começa a cantar connosco, quando vejo um sorriso na cara da Cristina, sinto o mesmo que sentia aos vinte anos. É isso que me mantém.”
A convivência com músicos mais jovens também trouxe humildade. “Eles lembram-nos que não sabemos tudo. Às vezes vêm com ideias novas, e isso é óptimo. Mantém-nos vivos. É importante continuar a aprender. Quando deixas de aprender, é o princípio do fim.” A banda aprendeu também a valorizar o silêncio entre oa concertos — um luxo que antes parecia tempo perdido. “Antes, o silêncio assustava-me um bocado. Agora, vejo-o como um aliado. É no silêncio que percebes o que realmente te move.”
Quanto ao futuro, Andrea não faz planos grandiosos. “Não sei onde estaremos daqui a cinco anos. Pode ser em grandes palcos, ou em clubes pequenos. O importante é continuar a fazer isto com alma. A fama vai e vem. O que fica é a ligação com as pessoas.” Para ele, essa ligação é o verdadeiro legado dos LACUNA COIL. “Há fãs que nos veem desde o início, que agora levam os filhos aos concertos… Isso é incrível! É como ver a tua música a atravessar gerações. Não há prémio maior do que esse.”
Andrea fala com a serenidade de quem já não tem de correr só por correr. “Passámos por tanta coisa — sucessos, mudanças, desgastes — e ainda estamos aqui. Isso basta. A nossa história é feita de resistência, e a resistência é uma forma de amor. Amor pela música, pelas pessoas, por nós próprios.” A câmara congela por um instante, o som falha, e ele ri. “Vês? Mesmo a tecnologia às vezes precisa de um descanso.” Depois volta a falar, com voz mais suave: “Mas a verdade é que, mesmo com as falhas, nós continuamos. E isso é o que importa.”
Quando a ligação termina, a imagem desaparece e fica o eco das suas palavras — tranquilas, firmes, cheias de vida. É fácil perceber, então, que o segredo dos LACUNA COIL não está na resistência em si, mas na forma como a transformam em arte. Porque, feitas as contas continuar, no fim, é uma escolha. E escolher continuar — todos os dias, todas as noites, em cada palco — é, para Andrea Ferro, a verdadeira arte de viver.
A Prime Artists já informou que o concerto dos LACUNA COIL, com os convidados especiais NONPOINT, na próxima sexta-feira, 17 de Outubro, no LAV – Lisboa ao Vivo, encontra-se esgotado. Portanto, Andrea Ferro, Cristina Scabbia e companhia vão ser recebidos de volta a Portugal com casa cheia. As portas da sala abrem às 20:00 e o espectáculo tem início às 20:40.
















