Afastar o artista do público ou aproximá-lo? Em vésperas do regresso a Portugal, IHSAHN faz uma reflexão sobre a perda de mistério num mundo digitalizado.
Ícone do black metal norueguês, Ihsahn tem sido, desde os anos 90, uma figura central na forma como o género tem evoluído — da violência underground dos 90s para o reconhecimento artístico global no novo milénio. Ainda assim, em 2025, o músico e compositor continua a interrogar-se sobre os limites da expressão artística quando questionado sobre isso, abordando o papel da mística no metal extremo e os perigos de uma relação demasiado transparente entre músicos e público.
Numa entrevista recente à LOUD!, Ihsahn foi claro ao sublinhar que algo se perdeu ao longo do caminho. Aquele sentido de ameaça, de transgressão — o “perigo” que outrora definia o black metal — parece ter-se diluído na cultura digital. “Tenho-me perguntado sobre isso. Espero que os meus filhos não tenham de passar por isso, mas qual será a próxima coisa chocante? Houve sempre algo em cada década desde o Elvis e os seus quadris. Diziam que não podia ficar pior do que o punk. Mas depois do black metal, qual será a próxima coisa perigosa?”, disse.
Na mesma conversa, Ihsahn abordou a transformação profunda na forma como os fãs se relacionam com os músicos. Através das redes sociais, desapareceu a distância que antes criava mistério e alimentava o fascínio. “Com as redes sociais, hoje em dia, as pessoas estão tão próximas do artista, e isso nem sempre é bom. É quase um contraponto quando vejo bandas como os Ghost ou os Sleep Token, que ainda mantêm uma certa distância entre a arte e o artista. Não sei se as pessoas teriam ligado tanto aos nossos primeiros álbuns se tivessem a imagem de uns adolescentes com borbulhas!”
Na era pré-internet, bandas como os EMPEROR construíram o seu legado numa aura quase mitológica. O uso de corpse paint, capas obscuras e fotos em florestas enevoadas fazia parte de uma linguagem visual que escondia o quotidiano dos jovens músicos e amplificava o impacto da música. Essa teatralidade era deliberada, segundo Ihsahn: “Quando fazes música, é uma forma de arte que, de certa forma, te usa. Acho que é natural querer separar isso da parte privada e quotidiana de quem és. Especialmente quando és jovem e tentas convencer-te mais a ti próprio que a mais alguém — acabas por te tentar mesmo transformar na personagem que queres ser.”
Como figura-chave dos EMPEROR, banda que ajudou a definir o black metal sinfónico com álbuns como «In The Nightside Eclipse» e «Anthems To The Welkin At Dusk», de 1994 e 1997, Ihsahn não ficou preso à iconoclastia juvenil. Ao longo das últimas décadas, tem-se reinventado como artista a solo, explorando territórios progressivos, jazzísticos e electrónicos em álbuns como «After» «Arktis.» ou «Ámr», de 2018). A sua abordagem sempre cerebral e reflexiva contrasta agora com a brutalidade impulsiva dos anos 90, consolidando o seu estatuto como um dos músicos mais respeitados do metal moderno.
Em várias entrevistas ao longo dos anos, Ihsahn tem reiterado que o black metal, no seu núcleo, é uma expressão de independência criativa — uma ideia que, para ele, pode coexistir com maturidade e com responsabilidade. Em declarações à Metal Hammer, em 2020, referiu: “O black metal é sobre fazer as coisas à tua maneira. A questão é: à medida que envelheces, consegues manter essa integridade artística sem te tornares uma caricatura de ti próprio?”.
Apesar da nostalgia por uma época onde a música parecia mais ameaçadora, Ihsahn não é apologista da violência ou da alienação extrema que marcaram tragicamente a cena norueguesa nos 90s. Defende, isso sim, uma reinvenção do conceito de “perigo artístico” — algo que provoque, que desafie ideias feitas, mas que não se perca em escândalos autodestrutivos. “Historicamente, o rock sempre teve esta aura de rebeldia. O black metal levou isso ao extremo, misturando a expressão artística com comportamentos reais de violência. No entanto, será que ainda há espaço para uma música que seja ‘perigosa’, mas que não traga destruição?”.
O desafio, diz, passa por encontrar novas formas de subversão — uma que seja relevante no contexto em que vivemos hoje, saturado de informação e de familiaridade. E, talvez, haja por aí uma nova geração de músicos dispostas a encontrar inspiração nesse equilíbrio entre provocação e responsabilidade.
Esta reflexão de Ihsahn surge numa fase em que os EMPEROR continuam a reunir-se pontualmente para actuações especiais, e o músico se prepara para fazer alguns concertos já durante a Primavera e no Verão, incluindo um muito esperado regresso a Portugal para uma actuação no Comendatio Music Fest. Apesar das mudanças, o seu olhar sobre o passado não é de lamento, mas de análise crítica.
Permanece a pergunta: será possível devolver à música extrema aquele mistério que a tornou única, num mundo onde todos os segredos parecem acessíveis a um click de distância? Talvez o verdadeiro “perigo” esteja agora na recusa por parte do artista em expor-se por completo — na vontade de manter o véu, de não dar a cara, mesmo quando tudo à volta exige transparência. Como sempre, Ihsahn continua a pensar à frente do seu tempo. Os passes de dois dias (€76) e os bilhetes diários (€51) já estão à venda site oficial do Comendatio Music Fest.

