GUNS N' ROSES

GUNS N’ ROSES: «GN’R Lies», ou como os bons rapazes não tocam rock’n’roll

Muita paciência e polémicas aos milhões. Os GUNS N’ ROSES lançaram originalmente o «GN’R Lies» a 29 de Novembro de 1988.

Radicals and racists
Don’t point your finger at me
I’m a small town white boy
Just tryin’ to make ends meet
Don’t need your religion
Don’t watch that much T.V.
Just makin’ my livin’, baby
Well that’s enough for me

Axl Rose, «One in a Million»

Depois de uma estreia estrondosa, que os colocou bem alto na cadeia das bandas de rock’n’roll do final dos 80s, os GUNS N’ ROSES teriam inevitavelmente de demorar algum tempo a preparar o seu digno sucessor – ou sucessores, como se tornou claro uns anos depois com o lançamento dos dois volumes de «Use Your Illusion».

No ano que passou desde o lançamento de «Appetite For Destruction», o grupo tinha-se transformado num improvável fenómeno de popularidade e, como a Rolling Stone fez questão de notar na sua edição de Janeiro de 1989, estava a atravessar um momento em que, muito provavelmente, “poderia lançar um álbum de hinos religiosos e atingir a marca de platina”. Seria, por isso, fácil descartar o «GN’R Lies» como uma tentativa gratuita de juntar uns quantos outtakes para fazer dinheiro fácil junto da horda consumista em plena época natalícia – o disco chegou às lojas, estrategicamente, a 29 de Novembro de 1988.

É que, feitas as contas, metade do álbum tinha sido originalmente disponibilizado em 1986 e, além disso, um dos quatro inéditos de estúdio era uma versão acústica da «You’re Crazy», do «Appetite For Destruction». Ora, a aritmética era relativamente simples: fãs dos GUNS N’ ROSES famintos por nova música + qualquer produto novo + uma multidão de potenciais compradores = um rentável pé de meia, que se traduziu em mais de cinco milhões de cópias vendidas só nos Estados Unidos. “A boa notícia”, acrescentava Kim Neely, “é que o «Lies» é muito mais interessante do que apenas isso”.

E é, de facto. A primeira metade do álbum atinge o ouvinte em cheio na cara, com toda a subtileza de uma marreta; a segunda, por seu lado, carrega uma vibração muito mais relaxada, como se a banda tivesse decidido gravar umas jams descontraídas entre um par de cervejas. Há, de resto, momentos ao longo dos últimos quatro temas deste registo em que parece que os músicos estão sentados a tocar na nossa sala.

Em contraste, a abertura a cargo de «Reckless Life», escrita originalmente para os Hollywood Rose, mantém, desde logo, intocada toda a crueza e garra que fizeram do álbum de estreia um sucesso, com Axl a repetir efusivamente o refrão “I lead a reckless life!” com um nervo e abandono impressionantes. Nunca ninguém que não os tivesse apanhado ao vivo os tinha ouvido assim, tão selvagens e sem truques.

Uma interpretação enérgica de «Nice Boys», um original dos Rose Tattoo, uma «Move to the City» conduzida por uma certeira secção de sopros e «Mama Kin», dos kindred spirits Aerosmith, compõem o resto do alinhamento do lado A. “This is a song about your fucking mother!”, anuncia um Axl no topo da sua jovem arrogância.

O público deliria e… Pormenor curioso, aquando destas gravações o Slash ainda estava a usar a sua guitarra BC Rich Mockingbird, o que faz com que estas canções tenham um toque muito contemporâneo dos anos 80, mas com aquela intensidade que, na altura, se associava aos GUNS N’ ROSES. Ao fechar os olhos, não é difícil imaginar os músicos a suarem as estopinhas no palco do Whiskey A Go-Go ou de outro bar qualquer da Sunset Strip, enquanto um gravador portátil capta uma atuação arrebatadora. Puro engano.

Editados originalmente sob o título Live ?!*@ Like a Suicide, corria o ano de 1986, para aumentar os níveis de antecipação em relação ao álbum de estreia, os quatro temas foram registados num estúdio a sério, sendo que o som da audiência (captado no festival Texxas Jam nos anos 70) foi depois acrescentado à posteriori.

Em comparação bastante mais real, o lado B apresentava os GUNS N’ ROSES ao seu público de uma forma que muitos também não conheciam e, provavelmente, nem sequer podiam ter antevisto ao ouvir o álbum de estreia. Quatro temas acústicos e, desta vez, mesmo sem truques. A abertura cândida com aquele assobio inconfundível da «Patience», hino de eleição de incontáveis corações partidos.

A ironia a roçar o mau gosto da «Used To Love Her»; anda por aí um vídeo imperdível do quinteto a tocá-la na galeria do CBGBs em que se ouve o público a rir a cada vez que Axl canta o refrão – “I used to love her, but I had to kill her”. Um remake mais lento e paranoico da «You’re Crazy» e, a fechar, «One In A Million», que muita controvérsia acabaria por gerar nos meses que se seguiram à edição deste LP.

Quem faz a contagem é o baixista Duff, e aquele “one, two, three, four” não faz antever o que vem a seguir, até porque quem se viu atirado para o foco da celeuma acabou por ser mesmo o frontman da banda, autor de uma letra que inclui linhas tão questionáveis como “police and niggers, get out of my way” ou “immigrants and faggots, they make no sense to me”. Em 1989, o conceito de politicamente correto era bem diferente do que é hoje, mas a bomba não tardou a rebentar na imprensa, mantendo intocada a imagem de bad boys dos músicos da cidade dos anjos.