Dúvidas restassem, os FEAR FACTORY subiram ao palco do LAV – Lisboa Ao Vivo e mostraram-se numa forma magnífica frente a uma plateia totalmente rendida ao charme dos industrialistas de Los Angeles.
Criadores e pioneiros do cyber metal como sub-género do extremismo sonoro, os FEAR FACTORY foram uma das primeiras bandas a misturar o peso castigador do death metal com a dureza fria dos samples e da electrónica industrial, dando origem a uma paleta sónica suficientemente variada para poderem expressar a sua visão sombria e pessimista da sociedade, totalmente dominada pela tecnologia, em que vivemos hoje.
Ao longo das últimas três décadas, conquistaram um lugar de destaque no espectro da música extrema graças a uma sequência letal de álbuns de qualidade superior e, desde bem cedo, afirmaram-se como uma das propostas mais excitantes saídas do underground dos 90s. A abordagem inovadora à fusão de géneros aparentemente díspares como o death metal e o industrial fez com que, desde a edição de «Soul Of A New Machine», a estreia de 1992, tenham tido um impacto muito significativo no universo da música pesada – em todos os seus quadrantes.
Infelizmente, como sabemos, os últimos anos não têm sido propriamente fáceis para a banda de Dino Cazares, a braços com uma revolução interna que culminou na ruptura com Burton C. Bell, o vocalista de sempre, em 2020. Três anos volvidos, após uma muito bem-sucedida digressão norte-americana com o novo vocalista Milo Silvestro e o baterista Pete Weber, os FEAR FACTORY fizeram-se finalmente à estrada na Europa pela primeira vez desde 2016.
Contabilizando 44 concertos no Velho Continente, a DisrupTour tem servido essencialmente para mostrar porque, mais de três décadas depois da edição de «Soul Of A New Machine», continuam a ser vistos como uma das propostas mais revolucionárias e contundentes no espectro da música extrema – e o espectáculo de ontem à noite, em Lisboa, não foi uma excepção a essa regra.
Antes disso, no entanto, havia ainda muita música para ver e ouvir. Oriundos de Ipswich, no Reino Unido, os GHOSTS OF ATLANTIS foram os primeiros a subir ao palco e, vestidos a rigor (não estariam deslocados como figurantes numa qualquer sequela do Mad Max), a banda debitou a sua sonoridade bastante fiel ao metalcore mais genérico, incluindo a já muito batida dicotomia vocal (linhas guturais vs cantoria melódica cortesia de um dos guitarristas), apontamentos orquestrais (pré-gravados) e breakdowns com fartura.
Resultado, tudo muito certinho, mas também muito limpo, muito seguro e, acima de tudo, muito, muito previsível. Com álbum novo, já o segundo para estes britânicos, na bagagem, os músicos dispararam o single «Sacramental» logo como segundo tema do alinhamento, mas também houve tempo para irem buscar temas da estreia «3.6.2.4.», como foi o caso de «False Prophet».
Se os GHOSTS OF ATLANTIS são caracterizados por uma imagem algo obscura e misteriosa, a próxima banda em palco, os ucranianos IGNEA, estão no extremo oposto do espectro. Primeiro, estão visivelmente felizes por andarem na estrada com uma banda do estatuto dos FEAR FACTORY — e não têm medo de mostrá-lo. De regresso a ortugal após a estreia em 2019 e exibindo orgulhosamente as cores do seu país em palco, os cinco músicos também fazem metal moderno (e melódico q.b.), mas condimentam-no com uma mistura de influências que vão de elementos sinfónicos a texturas orientais.
E sim, é certo que já ouvimos isto tudo centenas de vezes, mas… Felizmente há aqui um “mas” para nos manter atentos. Neste caso, a aparentemente frágil Helle Bohdanova, que, no centro do palco, e com uma confiança inabalável, comanda os procedimentos com um registo vocal impressionante. Transitando com uma facilidade que parece inata entre linhas guturais e linhas melódicas numa questão de segundos (quase dando a impressão de que há dois vocalistas no palco!), a Sra. Bohdanova ajuda, e muito, a elevar a banda acima do padrão do metal moderno.
No final, saldo positivo para um grupo que parece genuinamente satisfeito por estar aqui, a tocar temas como «Dune», «Daleki Obriyi» ou «Bosorkun» para uma plateia bastante cheia, que lhes respondeu com níveis de afecto também bastante decentes.
Aguardada com bastante expectativa, a estreia dos norte-americanos BUTCHER BABIES em Portugal materializou-se finalmente, mas com uma formação reduzida devido à ausência da vocalista Carla Harvey, ainda recuperar de uma cirurgia de mercancia a um retina deslocada. Segundo Heidi Shepherd, a outra metade mais visível da banda, esta é a primeira digressão em quinze anos em que não dividem o palco, mas, por muito estranho que isso lhe possa parecer, a verdade é que banda não decepcionou os fãs.
A revelar que tiveram de adaptar o alinhamento ao formato de quarteto, o espectáculo teve início com «BACKSTREETS OF TENNESSEE», que, apesar de parecer uma escolha pouco óbvia, deixou certamente uma boa impressão nos presentes. Apoiado numa sequência de blastbeats de meter respeito, o tema de «Till The World’s Blind» funcionou como um bastão de baseball directamente à cara e acabou mesmo por deixar muita gente de queixo caído. Logo de seguida, «Red Thunder» e «Monsters Ball» mostraram a faceta mais acessível do grupo e a actuação foi progredindo a uma velocidade incrível, abrandando apenas com a melancólica «Last December».
Apesar de confrontados com um contratempo que teria deixado em casa qualquer banda menos precavida, os BUTCHER BABIES mostram-se cheios de garra, focados em puxar pelo público e, claro, muito bem coreografados até ao mais ínfimo pormenor. Na guitarra, Henry Flury fez o melhor para que as suas oito cordas sobressaiam no som grave. Ricky Bonazza, no baixo, mostra-se impagável e a bateria de Blake Bailey manteve o quarteto sólido como uma rocha. Sheperd, por seu lado, revelou-se um verdadeiro animal de palco e não deu tréguas.
Não estranhamente, toda a energia que brotou do palco reflectiu-se de imediato na plateia, com ondas de mosh e alguma agitação. O concerto, curto e demasiado focado no material de «Till The World’s Blind», sem muito espaço para temas de «Eye For An Eyes…» ou canções mais antigas, chegou ao fim com «Magnolia Blvd.» e serviu essencialmente para mostrar que, apesar da noite ser dos FEAR FACTORY, também há por cá muito amor para dar aos BUTCHER BABIES. Agora é esperar que regressem em breve, com a Carla já recuperada e, de preferência, em nome próprio.
Apesar de uma breve pausa para acalmar os ânimos e respirar ar fresco enquanto os roadies preparavam a entrada de Dino Cazares e companhia em palco, a temperatura ainda estava alta quando o tema principal da banda-sonora do “Terminator 2” começou a soar através do PA. Escassos segundos depois, os FEAR FACTORY deram o tiro de partida para a sua actuação de 17 temas com a clássica «Shock». Apoiados num som bem equilibrado, como sempre com a guitarra e os bombos em destaque, os quatro músicos não perderam tempo e atiram-se logo de seguida a «Edgecrusher» e «Recharger»; esta última do «Re-Industrialist», a curiosa reimaginação de «Industrialist» que foi lançada no passado mês de Junho.
O elefante na sala? Pois é, muito se tem falado e especulado sobre a saída a nova formação da banda, mas a verdade é que, ao terceiro tema, já restava pouca gente na sala a chorar sobre o leite derramado por Burton C. Bell. Mais que competente, Milo Silvestro, o novo vocalista dos FEAR FACTORY, é (sem pun intended) uma proverbial réplica de Bell nos seus tempos áureos. E sim, pode ter tido uns grandes sapatos para preencher, mas tecnicamente arrasa por completo, sendo mais que óbvio, sobretudo pela forma como se aproxima do registo captado nos discos, que é grande fã da banda.
Com a sequência «Dielectric»/«Disruptor»/«Powershifter», os clássicos a sucederam-se a um ritmo avassalador e o quarteto abriu caminho por um alinhamento em regime best of. Cientes de que este ainda não é o momento de se concentrarem no que vem a seguir, nesta tour os FEAR FACTORY estão a jogar pelo seguro e, quiçá para mostrarem aos fãs o que Silvestro pode fazer com o seu já longo fundo de catálogo, apostam claramente na nostalgia.
Ora bem, se, por um lado, essa opção deixa no ar a sensação de um ligeiro desvio para aquele território pantanoso das bandas de tributo glorificadas, também nos deu a oportunidade de ouvir pérolas mais obscuras. «Freedom Or Fire» foi uma delas e serviu, sobretudo, para a secção rítmica brilhar, com o baterista Pete Webber e o baixista Tony Campos (já livre dos seus compromissos com os Static-X) a brilharem como uma máquina muito bem oleada.
Com a «Linchpin» a elevar a energia na sala, seguiram-se «What Will Become?» e mais duas boas surpresas. Primeiro, a recuperação de «Slave Labour» (que não era tocada desde 2006) e, depois, a «Archetype», com Dino surpreender toda a gente ao interpretar uma canção dos FEAR FACTORY que não gravou e a mostrar, pela segunda vez nesta noite, que é capaz de dar aos fãs exactamente o que eles querem. O público retribuiu a gentileza com fervor, entoando a linha “open your eyes” em uníssono.
Com a plateia a aproveitar ao máximo a energia elevada, e invulgar, de um Domingo à noite, a recta final do espectáculo começou com a sempre demolidora «Martyr» e seguiu sempre em crescendo, passando por «Demanufacture», «Zero Signal» e «replica», para depois terminar com «Resurrection».