EVIL LIVE FESTIVAL: Dia 2, 29.06.2023 [reportagem]

Com o primeiro dia da edição inaugural do novel EVIL LIVE FEST a registar uma afluência muito considerável e os PANTERA a colocarem a Altice Arena em ponto de rebuçado, a curiosidade era imensa para perceber se o segundo dia do evento trataria melhorias a nível do som e se o muito esperado regressado dos SLIPKNOT a Portugal arrastaria ainda mais gente para a sala localizada no Parque das Nações. Pois bem, ao entrar no espaço, com os nacionais THE VOYNICH CODE já no palco, percebeu-se que não só o som estava bastante mais equilibrado e pujante, como já havia muito mais gente a ver a banda nacional do que durante a primeira actuação do dia anterior. Repescados para o cartaz a apenas duas semanas do evento, após o cancelamento da presença dos anteriormente anunciados NOTHING MORE, os jovens autores de «Aqua Vitae» mostraram porque são vistos como uma das mais promissoras e entusiasmantes proposta do underground extremo nacional sem terem sequer se fazer grande esforço. Apostando num deathcore injectado de djent sempre com o barómetro da intensidade técnica no máximo, os músicos liderados pelo vocalista Nelson Rebelo assinaram uma prestação bem sólida, dominada por um groove demolidor e assente em compassos compostos que fariam corar muita da competição que nos chega lá de fora numa tendência que tem ganho cada vez mais terreno durante a última década.

Famosos por representarem a Finlândia na edição de 2021 da Eurovisão, os BLIND CHANNEL deram início à sua actuação com uma energia considerável, mas, apoiados numa fusão demasiado previsível de pop e rock, acabaram por soar como uma versão ainda mais pop dos Linkin Park– ou, se preferirem, como os Linkin Park a fazerem versões dos Backstreet Boys. Naturalmente, todos os movimentos dos músicos parecem ter sido coreografados geometricamente para maior impacto, com a dupla de cantores Joel Hokka e Niko Moilanen constantemente em movimento para gerar uma resposta na plateia. Verdade seja dita, se colocarmos o cinismo de lado, este é o tipo de coisa que, pelo menos no papel, jamais deveria funcionar, mas, de alguma forma, os jovens finlandeses conseguem fazer o barco chegar a bom porto com a forma entusiástica como entregaram metal e pop embrulhados num pacote nu-metal. E sim, é mais que óbvio que usam backing tracks a rodos, mas até isso é relativamente fácil de perdoar quando os músicos as assumem com naturalidade e têm alguém em palco a dispará-las em tempo real. Além das suas próprias canções (incluindo o hit da Eurovisão «Dark Side»), os BLIND CHANNEL ainda arriscaram uma versão pesadona da «Left Outside Alone», da Anastasia, e, com o seu som contagiante e optimista, conseguiram pôr toda a gente a cantar em uníssono.

Vamos lidar com o elefante político na sala antes de prosseguirmos: se os powerchords do metal são claramente mais condutores de agitação que o fraco ataque de dois acordes de todos aqueles punk rockers que, por razões ideológicas, escolheram não aprender a tocar os seus instrumentos, porque raios é que, nos tempos agitados em que vivemos, ainda não surgiu uma banda capaz de preencher o vácuo agitador deixado pela ausência dis Rage Against The Machine? Com pouca atenção do lado dos meios de comunicação generalistas, os FEVER 333 saíram das ruas de Inglewood e têm estado a trabalhar afincadamente para corrigir essa situação. Com os salvos raivosos de «BITE BACK» e «Prey For Me» a fazerem as despesas do início desta estreia em Portugal, Jason Aalon Butler, o guitarrista Brandon Davis e a baixista April Kae afirmam-se desde logo como um turbilhão constante de movimento, incitando ao mosh pit e à movimentação das massas. Apoiados nos backing tracks disparados pelo baterista Thomas Pridgen (dos Trash Talk), que conduziu os procedimentos de forma muito sólida com os seus ritmos enormes e estrondosos, estes californianos provaram que estavam ali para nos acordar com uma descarga decibélica de bom nível – algo que ficou bem vincado em «Made An America», com Butler (filho do músico soul Aalon Butler) a fazer menções a Rodney King e a protestar contra “os criminosos da melanina“, e em «One Of Us», que inclui uma piscadela de olho aos NWA, a cmandar as hostes com punho de aço. Já após uma versão de «Song #2», dos Blur, «Hunting Season» colocou um ponto final apoteótico no curto alinhamento, com Butler a sair do palco para escalar uma das paredes do Balcão 1 da Altice Arena. Daí, atirou-se para as mãos da plateia, que o carregou de forma triunfal de volta ao palco.

Mais de uma década depois de terem assinado um concerto demolidor no Paradise Garage, em Lisboa, os suecos MESHUGGAH voltaram a Portugal compreensivelmente rodeados de enorme antecipação e, não restem dúvidas, entregaram mais uma prestação a que nenhum fã pode apontar defeitos. Apoiados na fusão de polirritmos complexos e riffs esmagadores que os transformou numa das bandas tecnicamente mais ferozes da história da música pesada – e numa proposta que, mesmo que involuntariamente, abriu caminho para todo um subgénero tão tecnicamente realizado que tivemos de esperar cerca de uma década para que os seus competidores se tornassem proficientes o suficiente para o estabelecer como um movimento de pleno direito –, os músicos suecos corresponderam em pleno às expectativas altíssimas com que foram recebidos de volta. Com um espectáculo de luzes sincronizado e quase tão técnico quanto os riffs que saiam do PA, o quinteto conseguiu adicionar vislumbres ocasionais de beleza ao turbilhão sonoro que deixou a plateia em êxtase. Precisos como uma máquina bem oleada, abriram o espectáculo com «Broken Cog» e «Rational Gaze», lançando-se a um alinhamento magro mas muito forte. Com ímpeto suficiente para suster a brutalidade, que mostrou o grupo como uma gigantesca massa sonora desenhada em silhuetas, provaram que, apesar das acusações de “monolitismo”, são capazes de transmitir emoções de uma forma hábil e extremamente cerebral. Com as vocalizações ferozes de Jens Kidman a misturar-se com os instrumentos como mais um meio para atingir os sentidos do público e a habilidade com que o baterista Tomas Haake a impedir que os temas descarrilem enquanto debita compassos que confundiriam as mentes mais brilhantes, ficou aqui vincada que as actuações dos MESHUGGAH continua tão intensas que são capazes de tirar o fôlego ao mais experiente dos apreciadores de música extrema.

As más línguas até podem ter-se apressado a descartar os PAPA ROACH como uma proposta datada da explosão screamo, mas a verdade é que a banda se tem mantido relevante ao longo das décadas que passaram desde o lançamento de «Infest» e o concerto a que assistimos na passada quinta-feira, 29 de Junho, pode bem ter revelado o segredo para o sucesso duradouro dos autores de «Last Resort». Dando os primeiros passos a tocar hardcore punk com influências rap, o grupo acabou por tornar-se uma proposta de hard rock directo com fortes tendências metal. Surgidos em meados dos 90s, “explodiram” em 2001 com a edição do segundo longa-duração, que marcou a estreia numa grande editora e os transformou num enorme fenómeno à escala global. Claramente inspirado pela sonoridade nu-metal em ebulição na altura, o single «Last Resort» valeu ao álbum estatuto de tripla platina e, desde essa altura, o grupo liderado pelo vocalista Jacoby Shaddix não mais voltou a olhar para trás. Apostando numa sonoridade mais rock nos álbuns seguintes, quando lançaram «Crooked Teeth», em 2017, e «Who Do You Trust?», em 2019, já tinham vendido mais de 20 milhões de álbuns e sobrevivido a praticamente todos os seus contemporâneos. Em 2022, voltaram à carga com o 11º LP, o muito aplaudido «Ego Trip» e, no palco da Altice Arena, suaram, literalmente as estopinhas, e assinaram um concerto incrivelmente enérgico e contagiante, que desvaneceu quaisquer dúvidas relativamente a um grupo que, pela amostra, já não sabe dar maus concertos. Com êxitos suficientes na bagagem para conseguirem construir um alinhamento em regime best of, os músicos não deixaram os seus créditos por mãos alheias e puseram a plateia, que acolheu a banda de forma triunfal, em alvoroso e a cantar a plenos pulmões tema após tema. Pelo meio de um alinhamento repleto de clássicos, os PAPA ROACH ainda tocaram algumas versões de alto impacto («Firestarter», dos The Prodigy; «Lullaby», dos The Cure, e ainda «Still D.R.E.», de Dr. Dre) e, com os ânimos em alta, fecharam a sua actuação de forma triunfal com uma sequência composta por «Between Angels And Insects», «Born For Greatness» e, como não poderia deixar de ser, «Last Resort».

último mês foi repleto de reviravoltas no maravilhoso mundo dos SLIPKNOT. Da ausência, regresso e ausência do percussionista “Clown” à saída repentina do membro de longa data Craig Jones, passando edição surpresa de um novo EP, tem sido difícil acompanhar todos os desenvolvimentos registados pelos lados de Des Moines. A 7 de Junho último, um dia vai ficar para sempre marcado como muito estranho no percurso do colectivo, M. Shawn Crahan anunciou que ia tirar uma licença indefinida dos concertos, para ficar em casa com a sua esposa, que está doente. Escassas horas depois, anunciaram nas suas redes sociais que o programador Craig Jones tinha saído do grupo. De seguida, apagaram essas publicações e postaram’ uma foto de um novo membro, que ainda ninguém sabe muito bem quem é. A intriga não parou por aí, no entanto. No dia seguinte, 8 de Junho, divulgaram um pequeno teaser no Instagram que antecipou a chegada surpresa, a 9 de Junho, de um novo EP de seis temas, intitulado «Adderall». Entretanto, os músicos já se tinham feito à estrada na Europa e dado início ao périplo que os trouxe hoje de regresso a Lisboa, para encabeçarem a apoteótica segunda noite do EVIL LIVE FESTIVAL.

Mesmo com dois membros de longa data ausentes, e com um indivíduo mascarado não identificado no lugar de Jones, the show must go on, os oito músicos que restam continuam na estrada e subiram ao palco da Altice Arena revelando um fulgor impressionante. Com muito mais público presente na sala do que na noite anterior, que nos trouxe de volta as lendas PANTERA, os SLIPKNOT subiram ao palco passavam escassos minutos das 23:15 e, já na sequência de actuações em crescendo de intensidade dos THE VOYNICH CODEBLIND CHANNELFEVER 333 e PAPA ROACH (de que vos falaremos de forma detalhada em breve), elevaram a tensão na sala a níveis ainda não registados até ali no evento que terminou já perto da 01:00 de sexta-feira. À saída, a acelerar o passo para conseguir apanhar o último Metro, é quase impossível não filosofar mentalmente sobre o que é hoje esta banda: uma máquina demolidora que não deixa pedra sobre pedra por onde passa.

Como que a contornar as probabilidades, dois anos após terem assinado um concerto arrebatador nesta mesma sala, na edição de 2019 do VOA – HEAVY ROCK FESTIVAL, foram um pouco ainda mais além nos níveis de intensidade e mostraram que, apesar de toda a turbulência, continuam inabaláveis. Para isso muito contribuiu, claro, um alinhamento épico de 16 canções, recheado de clássicos e com algumas surpresas mais rebuscadas para agradarem aos fãs mais devotos. Já após se ter ouvido a «Prelude 3.0», em versão pré-gravada a servir de intro, é precisamente com um desses deep cuts, seguido do single principal de «The End, So Far», que os oito músicos surgem em palco a correr das laterais, atacando uma inteligente dobradinha feita de «The Blister Exists» e «The Dying Song (Time to Sing)». Pois é, o bom do Corey Taylor ainda nem abriu a boca, não deu a sua opinião em relação a nada, e já tem a Altice Arena totalmente na mão. O ímpeto não diminui por um momento, ouvem-se a «Yen», que só estrearam ao vivo nestas datas europeias, a pegajosa «Psychosocial» e, para terminar a sequência, a «The Devil In I», do «.5: The Gray Chapter», de 2014.

É mais ou menos neste momento que se torna óbvio que qualquer pessoa que já tenha assistido a um concerto dos SLIPKNOT sabe exactamente o que esperar quando vai vê-los – aliás, nunca podemos esquecer que esta foi a banda que popularizou a manobra de sentar plateias inteiras para um salto sincronizado, que muitos outros músicos mais normie adoptaram também nos últimos anos. E sim, claro, também aconteceu esta noite, proporcionando um efeito visual, e catártico, que nunca perde a sua graça. De resto, é o caos visual a que já nos habituaram, com o Tortilla Man a bater no seu barril de aço, o Sid Wilson a fazer o que quer que seja que faz atrás dos decks quando não está a pular em todas as direcções pelo palco, o Alessandro Venturella muito sólido no baixo e, claro, a máscara com as cavilhas do Craig Jones ausente, substituída por mais uma figura sinistra, que foi disparando os samples de forma metódica durante toda a actuação.

É tudo fogo e frenesim enquanto a banda toca hinos massivos como «The Heretic Anthem», «Eyeless» e «Wait And Bleed» e temas menos rodados como «Unsainted», «Snuff» e «Purity», enquanto conseguem incitar alguns dos pits mais intensos do fim de semana. No centro do palco, numa plataforma elevada, está o portento que é o Jay Weinberg sentado atrás do kit de bateria, um verdadeiro espectáculo dentro do próprio espectáculo, mais não fosse pela força e intenção que emprega na tarola, tanto nos grooves como nos blastbeats cirúrgicos. Apoiados num som geral mais potente e equilibrado que no primeiro dia do festival, por esta altura os oito SLIPKNOT movem-se já como um rolo compressor. As guitarras de Mick Thompson e Jim Root soam monstruosas, trituradoras, e o destemido Corey Taylor dispara as suas letras de forma beligerante, mas com uma precisão genuinamente impressionante – tendo em conta que já anda a fazer isto há mais de duas décadas, não há como não dar-lhe kudos por isso.

Resultado, entre colunas de fogo e petardos, esta gente dificilmente está a jogar fora o livro de regras, mas nem essa familiaridade consegue diminuir o quão emocionante a banda é, a disparar em todos os cilindros no dia em que o LP homónimo fez 24 anos. E é também aqui que estes músicos brilham, mostrando que uma pessoa até pode saber o que está para vir, mas isso não tem necessariamente de significar que eles estejam “encostados” ou, pior, a mover-se ao sabor das tendências. Neste caso em particular, após digerida a sequência final feita de «People = Shit»,« Surfacing», «Duality» e «Spit It Out» (com direito a salto sincronizado), não é preciso fazer grandes contas de cabeça para saber que não é só o favoritismo, é a revelação de que, um quarto de século depois de se terem infiltrado no mainstream, os SLIPKNOT estão feitos iconoclastas intergeracionais da música pesada.

As fotos da galeria são do JORGE BOTAS.