Um ritual de peso, catarse e sensualidade ao cair da noite na Invicta, cortesia dos DEFTONES.
Ontem à noite, no Primavera Sound Porto, sob o céu escurecido do Parque da Cidade, os DEFTONES assinaram uma performance que oscilou entre o sublime e o brutal, conduzindo milhares de almas por um território emocional onde o metal se encontra com o sonho, o grito com a contemplação. Com Chino Moreno no seu habitual modo de sedutor xamã, a lendária banda de Sacramento, na Califórnia, mostrou que continua a ser uma entidade única no panorama do rock contemporâneo – uma que não tem medo de ferir para curar.
O concerto arrancou com a pulsação hipnótica de «Be Quiet And Drive (Far Away)», uma escolha que estabeleceu de imediato a atmosfera dual que marcaria todo o espectáculo: melancolia e agressividade de mãos dadas. Às primeiras palavras sussurradas por Chino, o público já estava rendido. E quando a distorção se impôs com «My Own Summer (Shove It)», a explosão foi inevitável. Um mar de corpos em movimento deu sinal de que a noite ia ser intensa.
Com o peso e o brilho característicos de «Diamond Eyes» e a densidade atmosférica de «Tempest», os DEFTONES revisitaram a era pós-«White Pony» com uma precisão quase cirúrgica. A guitarra, sempre grave e texturada, parecia esculpir o ar enquanto Abe Cunningham, na bateria, impunha uma cadência que oscilava entre o tribal e o mecânico.
A meio do alinhamento, momentos como «Feiticeira» e «Digital Bath» reacenderam o fantasma de «White Pony», o álbum-charneira da banda. O público, dividido entre os que viveram os tempos áureos do nu-metal e os que descobriram os DEFTONES pelas camadas mais etéreas da sua extensa discografia, respondeu em uníssono, criando um raro momento de comunhão intergeracional.
O concerto teve os seus picos emocionais em canções como «Sextape» e «Rosemary», onde a suavidade quase shoegaze do som contrastou com a violência latente da sua entrega. Chino Moreno, por vezes ajoelhado, por vezes à beira da plateia, cantava como se cada sílaba fosse uma confissão arrancada a ferros.
Num dos momentos mais viscerais da noite, «Headup» recordou o legado dos DEFTONES no universo do metal alternativo, com um crescendo que culminou numa descarga catártica de fúria e energia. Seguiram-se «Hole In The Earth» e o clássico absoluto «Change (In the House of Flies)», momento em que o público inteiro pareceu sussurrar as letras como um encantamento colectivo.
Na recta final, a escolha de «Genesis» e «Minerva» mostrou como os DEFTONES continuam a reinventar-se sem perderem o fio condutor emocional que os distingue. A despedida deu-se com a crueza explosiva de «7 Words», um murro no estômago que recordou os tempos iniciais do projecto e deixou a multidão num frenesim de aplausos, gritos e emoção à flor da pele.
Sem grandes palavras entre músicas, os DEFTONES deixaram que fosse a música a falar. E falou alto. A prestação da banda no Primavera Sound Porto foi, como é habitual em actuações desta gente, um pleno exercício de alquimia emocional, onde cada riff serviu tanto para levantar muros como para os derrubar. Entre luzes estroboscópicas, nevoeiro cenográfico e um som imaculado, Chino Moreno e os seus actuais companheiros provaram mais uma vez que são mestres na arte de transformar dor em beleza. Com quase três décadas de carreira, os californianos continuam a surpreender não pela inovação forçada, mas pela capacidade de tocar o intangível – e, ontem à noite, conseguiram isso com uma naturalidade desarmante.
ALINHAMENTO:
01. Be Quiet and Drive (Far Away) | 02. My Own Summer (Shove It) | 03. Diamond Eyes | 04. Tempest | 05. Swerve City | 06. Feiticeira | 07. Digital Bath | 08. Rocket Skates | 09. Sextape | 10. Headup | 11. Rosemary | 12. Hole in the Earth | 13. Change (In the House of Flies) | 14. Genesis | 15. Minerva | 16. 7 Words