Qual é uma das melhores bandas do momento na música pesada alternativa, e por que são os Brutus? Ontem à noite, tivemos a resposta.
Desde o lançamento do muito aplaudido «Unison Life», em Outubro de 2022, os BRUTUS fizeram digressões muito bem sucedidas, e com concertos maioritariamente esgotados, por toda a Europa. A primeira rota de promoção ao seu mais recente álbum de estúdio foi coroada com uma actuação estelar no Roadburn Festival, em Tilburg, a que se seguiu uma tour pelos Estados Unidos, incluindo participações em festivais como o Welcome To Rockville, o Sonic Temple Art & Music Fest e o Boston Calling, além de uma série de datas como “suporte” aos Converge.
Depois, o Verão de 2023 foi também muito movimentado para três os músicos, que tocaram em muitos dos maiores festivais de Verão da Europa. Não é, por isso, preciso fazer grandes contas para perceber que, neste regresso para duas datas em nome próprio, os BRUTUS aterraram em Portugal em estado de graça.
A banda, que tem recolhido rasgados elogios nas franjas mais alternativas da música pesada moderna desde que surgiu em cena com o álbum de estreia «Burst», de 2017, está cada vez mais presente no radar de grande parte dos fãs de metal e rock pesado; pelo menos de todos com um interesse, mesmo que passageiro, pelo lado “mais Roadburn” da coisa. Pois bem, apoiados na enorme força e entrega que dedicam aos seus temas, neste retorno a solo luso encantaram uma sala que, apesar de não estar 100% esgotada, apresentou uma plateia muito bem composta na estreia da banda na capital.
Convenhamos, o nosso dia a dia tem-se transformado progressivamente num drama sem fim aparente à vista. O mundo parece estar a desmoronar, há muitas coisas terríveis a acontecer a cada hora que passa. Cada vez mais, percebe-se que as pessoas estão em conflito permanente umas com as outras; talvez por isso, andamos todos cada vez mais à procura daquele momento em que, quase por magia, tudo isso se desvanece por uns instantes. Na busca por paz interior, damos por nós em sítios como o LAV – Lisboa Ao Vivo, numa noite de terça-feira, a antecipar a actuação de uma das propostas mais emocionantes de que há memória no espaço alternativo da música mais pesada dos últimos anos.
Ainda antes dos BRUTUS, subiram ao palco os conterrâneos THE CHRISTIAN CLUB, que, em formado de duo e sem baterista, trataram de embalar os presentes durante cerca de meia hora. Apenas com uma guitarra austera, encharcada de reverberação e dedilhada suavemente, apoiada num contrabaixo ameaçador e apimentada por linhas vocais cantaroladas num timbre que trouxe ocasionalmente à memória os The National, o grupo conseguiu criar uma teia de música sombria e flutuante.
Talvez por soarem um pouco deslocados neste cartaz, seriam certamente muito melhor recebidos como aquecimento a uma actuação de King Krule ou dos Thindersticks, os presentes assistiram, mas não propriamente em silêncio, o que acabou por manchar uma prestação com tanto de etérea como de misteriosa. Com murmúrios entre um misto de aprovação e reprovação, o público saiu da sala para apanhar ar fresco, já a antecipar o que se seguiria.
Convenhamos, o «Unison Life» é um álbum que parece incrivelmente à frente do seu tempo e que exala tudo o que é criativo, inovador e emocionante no espectro em que se mexe o trio dinâmico composto por Stijn Vanhoegaerden na guitarra, Peter Mulders no baixo e Stefanie Mannaerts, na bateria e na voz. Colisão de guitarras pesadas com influências shoegaze e ganchos pós-hardcore, reforçada pela potência vocal e rítmica de Mannaerts, a sonoridade explorada pelo trio passeia dentro das nuvens do pós-metal, com os temas a mostrarem o coração de um grupo de músicos que também têm uma sensibilidade pop muito bem formada.
Aqueles de nós que estavam ansiosos para ouvir o novo material ao vivo não tiveram de esperar muito para satisfazer a curiosidade, com o grupo a iniciar a prestação com «Liar» e o seu ritmo saltitante. À nossa volta, ali nas filas da frente, as cabeças começavam a balançar, os corpos começavam a mexer-se e as letras já eram gritadas em uníssono de volta para o palco. Soa a cliché? É porque é, mas também é sempre uma visão maravilhosa.
Feitos uma unidade incrivelmente coesa, que tanto é capaz de uma raiva de cortar a garganta como de enormes crescendos lentos, tensos e envolventes, mesmo nos momentos mais biliosos, os BRUTUS são daquelas, poucas, bandas que nunca perdem de vista a importância da escrita de canções no verdadeiro sentido da palavra – e, no que diz respeito à música pesada, não é fácil encontrar composições acessíveis e baseadas em ganchos tão fortes como as deles.
Mesmo estando numa linha que favorecia claramente o drum mix, a guitarra e o baixo continuavam a furar a mistura e a criar ambientes e crescendos de arrepiar, à medida que os músicos desfilavam uma sequência composta por «Chainlife», «War», «Storm» e «Justice De Julia II».
Descontraidamente sentada atrás do kit, de lado para a audiência, Stefanie conduzia os procedimentos com uma mestria inegável. Qual maestro que orienta a sua orquestra, mas, neste caso, fazendo-o com cada batida certeira (e sempre bem marcada) na tarola ou no bombo. Uma coisa é certa: é difícil não ficar impressionado com a forma dócil com que esta miúda se dirige à plateia entre temas, meros segundos após ter cantado e berrado linhas vocais que a levam ao limite das suas capacidades.
E sim, ao vivo, pelo menos nesta noite, a prestação vocal de Mannaerts revelou-se mais crua e selvagem, não tão polida como em estúdio, mas o que é que isso interessa, quando só vem adicionar ainda um pouco mais de “viscelaridade” à entrega de temas como «Miles Away», «Brave» ou «Love Won’t Hide The Ugliness»? Interessa pouco, ou nada, na verdade. Até porque, por alturas da enorme «What Have We Done», a voz já aqueceu, já está mais equilibrada, mas mesmo assim desvanecendo qualquer dúvida que restasse relativamente ao grau de emoção contida nestas canções.
Algo que também se torna notório ao ver os BRUTUS em palco é como refutam rótulos estanques. Às vezes, parecem uma banda de pós-hardcore, outras parecem os Explosions In The Sky e, na «Desert Rain», até mergulham num frenesim de tremolo picking que podia estar num qualquer disco dos Deafheaven. A verdade é que, qualquer que fosse o modo em que estivessem, tinham claramente o público nas palmas das mãos e soaram apenas iguais a si próprios, com a recta final do concerto, composta por «Space», pela belíssima «Sugar Dragon» e pela enérgica «Viktoria», a deixar a sala num transe completo.
No ar ficou claramente a sensação de que quase todos os presentes sentiram que aquele tinha sido o momento por que ansiavam desde o início da noite – até o pai que estava ali arrastado pela filha, emigrado no Reino Unido há mais de vinte anos, mas que dizia que “Portugal é o melhor país do mundo, se nos conseguirmos portar bem”. A banda, por seu lado, não poderia ter parecido mais grata em retorno. E sabem uma coisa? Nesta noite de terça-feira, por pouco mais de uma hora, tudo pareceu certo no mundo mais uma vez, simplesmente porque os BRUTUS deram tudo de si num palco.
Pois é, temos aqui um caso sério e o provável é que, para a próxima, toquem numa sala maior.
Fotos: JORGE BOTAS