Estava-se em Março de 1976. Os DEEP PURPLE encerravam uma carreira que, naquele último par de anos, tinha sido – no mínimo! – atribulada. A saída de Ritchie Blackmore,menos de um ano antes, tinha deixado uma ferida mal curada com a entrada do malogrado Tommy Bolin. Antes dessa substituição, ainda em 1973, fora Ian Gillan a abandonar o barco, rompendo assim a célebre formação MK II. A sua saída, e a de Roger Glover, fora colmatada pela entrada de Glenn Hughes, acumulando baixo e voz, e do jovem David Coverdale, que era um perfeito desconhecido até esse momento, na voz. Mesmo sabendo-se que a fabulosa voz de Gillan seria substituída por duas vozes, era sobre Coverdale que recaíam todas as atenções. «Burn», de 1974, e em particular o tema-título do disco, trariam muitos argumentos favoráveis à escolha. Tudo isto, teria muito combustível para aquela matéria que enche egos, mas ainda era cedo para se perceber isso. A realidade era que, em menos de três anos, Coverdale tinha tocado o céu e, com o final dos DEEP PURPLE, tinha caído mais rápido que Ícaro. O cantor acabou por socorrer-se então de uma dupla de competentes bluesmen: Micky Moody e Bernie Marsden nas guitarras, e Neil Murray no baixo, que seria substituido pouco tempo depois por Mel Galley. Além disso, havia também alguns ex-colegas a ajudar, como o teclista Jon Lord e o baterista Ian Paice, mais tarde substituído por Cozy Powell.
Na maioria, como habitual à época, não seriam personagens capazes de ocupar fotos de revistas para o público feminino, mas todos eles tinham excelentes desempenhos como músicos. E os primeiros discos dos WHITESNAKE provaram-no, com uma veia de blues que ainda hoje justifica a sua audição. Infelizmente, a qualidade nem sempre vende discos e, a partir de 1982, David sentiu a necessidade de vender mais. Há mais umas mudanças de formação e o som aproxima-se dos populares AC/DC, mantendo a veia Purpleiana. Chega então «Saints & Sinners», que atinge o Top 10 britânico e faz o grupo ganhar outro reconhecimento e popularidade. A puxar o sucesso, um primeiro single: «Here I Go Again». O tema rapidamente ganhou o estatuto de favorito entre os fãs e tornou-se obrigatório nos concertos, incluindo na azarada primeira passagem da banda pelo nosso território. Porém, o Top 10 britânico também não era suficiente para Coverdale. Numa mudança de estratégia, termina com a banda após «Slide It In», álbum de 1984. Reformula o grupo, faz um polimento do som e acrescenta brilho à outrora banda bluesy, retirando-os da sombra e inserindo os WHITESNAKE num quadrante mais próximo da vaga glam, popular na época.
Estava-se em 1987 e, por incrível que possa parecer hoje em dia, a MTV ditava quais as bandas que mereciam pertencer à história da música. Coverdale lançava «Whitesnake», também conhecido por «1987» ou «Serpens Albus», e surpreendia tudo e todos com um single: «Here I Go Again». Na realidade, um single e um vídeo-clip. Nele, faria dupla com a modelo Tawny Kitaen, com quem casaria dois anos mais tarde. Kitaen, falecida em 2021, já tinha surgido em alguns filmes, bem como em trabalhos da banda RATT. Tendo sido contratada para o vídeo, o resultado seria de tal dimensão que apareceria ainda em dois outros, «Still Of The Night» e «Is This Love». A sua presença junto a Coverdale compõe assim uma trilogia icónica para a TV e os dois desenvolvem todo um romance que um dia ainda poderá ser contado. Para a nova versão de «Here I Go Again», o cantor reestrutura o tema, zanga-se com músicos, mas, nas suas palavras, a reinterpretação só surgiu no disco por imposição da Geffen, editora da época. John Sykes, que tinha chegado à banda já após «Slide It In» e acompanhara Coverdale na mudança de estilo, fica desagradado com a ideia e acaba a ser Adrian Vandenberg a gravar o solo. Começa aí o afastamento de Sykes e a aproximação a Adrian.
Por oposição ao original de 1982, entre outras classificações que tema e vídeo-clip têm vindo a conseguir desde a sua aparição, a “nova” canção foi considerada como uma das mil melhores de sempre pela revista Q e uma das 100 melhores dos 80s pelo canal VH1. A revista Rolling Stone colocou-a num Top 10 para The Best Hair Metal Songs of All Time. Não estranhamente, Micky Moody e Bernie Marsden viriam também a fazer a sua versão do tema, interpretando-o na vertente mais bluesy ao longo da carreira e nos COMPANY OF SNAKES. O aproveitamento chegaria ao ponto de, em 2001, inserirem o tema no álbum «Here They Go Again». Sim, o título é mesmo esse. Os britânicos ASKING ALEXANDRIA fariam a sua própria versão em 2012, num EP intitulado «Under The Influence», de 2012. No entanto, a cereja no topo do bolo é mesmo uma versão de 2019, que figura no álbum «Open Your Eyes». Na guitarra temos Tracii Guns e, na voz, o inenarrável David Hasselhoff. Talvez esta seja a forma oficial de institucionalizar um tema que, hoje em dia, assombra infinitas sessões de karaoke e concertos de bandas de covers. À segunda tentativa, David Coverdale conquistaria, afinal, a imortalidade. E Tawny Kitaen também recolheria a sua parte.