Herdeiros de uma certa cultura thrashy, violadores assumidos do sistema, vítimas de si próprios, os WHITE ZOMBIE varreram os Estados Unidos durante a década de 90, preparando caminho para a chegada do messias Manson e revendo as escrituras de velhos profetas como Alice Cooper e KISS… No fim, ofereceram a sua própria cabeça como S. João Baptista.
A loucura explodiu na massa intracraniana de um certo Rob Cummings [mais tarde Rob Straker, depois Rob Zombie] em virtude de demasiada exposição a raios cósmicos transmitidos através de um certo aparelho de TV situado algures em Haverhill, no Massachusetts, Estados Unidos da América. Ao longo de incontáveis noites de insónia, o pequeno Rob foi bombardeado por toda uma produção de série B, que incluía desde velhos filmes a preto e branco até desenhos animados como os “Jetsons” ou “Scooby Doo”. A banda-sonora era composta por uma estranha trilogia: ELTON JOHN, ALICE COOPER e KISS.
A toda essa normal anormalidade, havia ainda de se juntar a tradicional irresponsabilidade paterna: os pais do pequeno e inocente Rob trabalhavam nos chamados freakshows, circos itinerantes onde se expõem anormalidades; nos intervalos, arrastavam-no para lutas de wrestling e intermináveis sessões de filmes de terror. Por alguma estranha razão, Rob convenceu-se de que poderia estudar arte e, dessa forma, teleportou-se para Nova Iorque com apenas dezoito anos, aterrando na escola de arte onde acabou por descobrir que, afinal, era frequentada apenas por seres humanos. Rapidamente se auto-evacuou do edifício passando a habitar simplesmente a cidade.
Em plena década de 80 (e, de certa forma, na seguinte) uma das principais atracções turísticas da Grande Maçã era, além da Estátua da Liberdade, o velhinho CBGB’s, um clube mal frequentado e responsável por muita da desordem que, nos anos seguintes, se desenvolveu em muitos palcos à volta do mundo. Numa tarde de 1985, assistindo a um dos muitos concertos que rolavam nos palcos do pequeno clube nova-iorquino, Rob encontrou uma alma quase tão deformada com a dele: Shauna Reynolds [que mais tarde se transfiguraria em Sean Yseult], uma baixista com alguns gostos em comum.
BLACK FLAG, THE DOORS e BLACK SABBATH; ao amor de Sean pelos THE CRAMPS, Rob respondia com a sua paixão pelos MISFITS. Pois bem, não só passaram a formar um par como resolveram fundar um grupo, a que chamaram WHITE ZOMBIE devido ao filme de 1933 com o mesmo nome e onde o famoso actor Bela Lugosi desempenha o papel principal. Na formação inicial do quarteto estavam ainda Tom Guay na guitarra e Ivan de Prume na bateria. O resto do palco e espaços circundantes — bem como a posição frente ao microfone — eram ocupados por Rob. Tom viria a ser substituído por John Ricci e, já em 1989, este acabou por ser eliminado em favor de Jay Noel Yuenger, [rapidamente catalogado somente como J. Yuenger].
No entanto, de 1985 a 1989 o grupo não esteve parado, embarcando numa velha carrinha que antes pertencera aos CORROSION OF CONFORMITY (outros velhos habitantes do bar do CBGB’s]. A partir daí, fizeram-se à estrada e foram conquistando primeiro cada beco de Nova Iorque e, mais tarde, todas as “lixeiras” da América. Em cada paragem recolhiam mais lixo e adicionavam mais uma inutilidade ao palco.
As suas actuações acabavam por ser uma solene homenagem aos espectáculos que, na década de 70, os KISS e ALICE COOPER tinham oferecido à América, mas que nos anos 80 repousavam nas arrecadações das clinicas de desintoxicação. Velhos faróis, bidões, lixo em geral, tudo servia para convencer qualquer um de que o espectáculo estava marcado para uma lixeira.
Pelo meio surgiu a necessidade de gravarem e o resultado foram edições em vinil hoje raras e a aguardarem a devida reedição em formato digital. Entre 1986 e 1989 os registos falam em «Psycho-Head Blowout», um EP de 86, «SoulCrusher», de 87, «Make Them Die Slowly», editado em 89, e ainda «God Of Thunder», do mesmo ano. Estes últimos foram já editados através da independente Caroline e acabaram por servir de cartão de visita para o quarteto invadir as inocentes instalações da multinacional Geffen e, a partir de lá, tentar dominar o planeta.
Fartos de Nova Iorque, percorreram a célebre Route 66 e mudaram-se para Los Angeles. Em Março de 1992, o mundo era surpreendido por «La Sexorcisto: Devil Music Vol. 1». O visual do disco e do grupo eram trashy q.b., mas a editora resolveu usar Andy Wallace na produção e despachou os quatro para uma digressão europeia com DANZIG. Imaginem uma dupla sessão de cinema: na primeira parte um qualquer episodio de «Sexta-Feira 13 » e a seguir um telefilme convencido de que mete medo.
Lentamente, o vírus foi-se instalando nos ouvidos dos norte-americanos… Fruto de contaminação oral e auditiva (para lá de outras formas menos próprias), a fama de Rob e colegas vai aumentando quase tanto como o show que apresentam. Pelo caminho, Sean deixa de ser a mocinha do filme de Rob, mas permanece no meio do pesadelo, enquanto Ivan é despachado para o espaço e substituído por Phil Beurstatte, que ocuparia o banco da bateria por menos de um ano, sendo substituído por John Tempesta, ex-EXODUS e TESTAMENT.
No fundo tudo isto foram reflexos da estrada, a mesma estrada que durante dois anos e meio suportou as solas das botas destes cowboys do inferno e a borracha dos pneus das suas carrinhas funerárias. Dois anos e meio em que, por mais de 350 vezes, Rob transportou as suas audiências para um perfeito cenário de terror do qual até Godzilla fugiria. Entre os muitos fãs convencidos pela loucura do quarteto estavam Beavis e Butthead, os personagens animados tornados célebres na MTV.
Também o pessoal responsável pelos Grammy’s deve ter encontrado alguma piada em tudo isto, já que em 1993 lhes entregava o prémio para Best Hard Rock Performance. Claro que havia o outro lado da medalha e alguns conservadores em risco de perderem emprego iam conseguindo que alguns dos concertos fossem proibidos. O sucesso de temas como «Black Sunshine», «Soul Crusher» e muito especialmente «Thunder Kiss’65» tinha de ser perpetuado e a editora deu ordens para isso.
O resultado foi uma total reclusão de sete meses, terminando no parto prematuro que foi «Astro Creep 2000: Songs Of Love, Destruction And Other Synthetic Delusions Of The Electric Head». Com a ajuda de Terry Date, o produtor de grupos como DREAM THEATER, SOUNDGARDEN ou PANTERA, entre outros, o álbum entraria directamente para a sexta posição da tabela de vendas norte-americana.
O sucesso comercial leva a uma maior intensificação das digressões, o que acaba inevitavelmente por reflectir-se no seio do colectivo, com Rob a ocupar um camarim só para si (decorado como se tratasse de uma extensão do palco), enquanto os restantes elementos ocupavam uma segunda sala. O single «More Human Than Human» é frequentemente rodado nas pistas dos clubes de rock bem como «Super-Charger Heaven», enquanto o álbum conquista várias vezes o galardão platina. Embora na década de 90, o grupo enfrenta o mesmo problema de nomes do passado como KISS, ALICE COOPER ou até IRON MAIDEN.
Os palcos europeus são demasiado pequenos para a produção do espectáculo tal como é oferecido nos Estados Unidos e, por isso, o quarteto só regressa à Europa que tinha visitado em 1992 três anos depois. Esse regresso deve-se principalmente à participação em dois festivais: Reading e Donington. O facto até nem teria nada de especial, não fosse o facto de se terem realizado ambos no mesmo fim-de-semana, com o grupo a actuar em Donington no Sábado e em Reading no Domingo.
Como que para desvanecer do stress causado pelas maratonas intensivas de concertos, os vários elementos dos WHITE ZOMBIE começam a dividir-se em diversos projectos. Jay cria os seus ZOMBIE ALL-STAR, juntamente com Sean, Dave Navarro (na altura nos RED HOT CHILI PEPPERS) e Keith Morris (dos CIRCLE JERKS, ex-BLACK FLAG], que gravaram o tema «Land Of Treason» para um “tributo” aos GERMS. Além desta aventura, J. socorreu-se ainda de Navarro para criar os BRAIN TACO.
Rob, por seu lado, dedicava-se ao cinema, tentando levar para a frente o projecto para o terceiro episódio do filme «The Crow», além de criar a sua própria editora. Além disso, disso o grupo contribui ainda com vários temas para diversos discos, entre eles as bandas-sonoras de “The Crow ll” e “Beavis & Butthead Do America”. Em 1996, fazem então o regresso à Europa, mas de certa forma a centelha inicial estava perdida. Mesmo assim, partem para uma super-digressão norte-americana denominada War Of The Gargantuans, que incluía também os DEFTONES, os EYEHATEGOD e os PANTERA.
Foi precisamente nesta digressão que, a 13 de Julho, depois do fim de mais um concerto, Phil Anselmo seguia de urgência para um hospital com paragem cardíaca devido a uma overdose de heroína. Ainda a digressão corria quando foi editado «Supersexy Swingin’ Sounds», um disco de remisturas de temas do álbum anterior com produção de diversos nomes de peso, entre eles Charlie Clouser (teclista dos NINE INCH NAILS). As remisturas foram realizadas em seis estúdios diferentes e acabaria por ser o último trabalho dos quatro elementos enquanto grupo.
Sob o pseudónimo Devil Doll, Sean formou as FAMOUS MONSTERS, um trio que contava também com She-Zilla e Vampire Girl, sendo que todas envergavam roupas associadas aos personagens que assumiam. J. Yuenger partia para a produção de discos — é dele o trabalho desenvolvido em «The Action Is Go», dos FU MANCHU — e o Sr. Rob Zombie formava a sua própria editora, assinando e editando nomes como THE BOMBORAS e THE GHASTLY ONES. Na altura da apresentação do selo, o músico afirmava desconhecer o paradeiro de J. e Sean, um sinal mais que evidente da separação dos WHITE ZOMBIE.
Já em 1998, ROB ZOMBIE regressava a solo com «Hellbilly Deluxe» — que mais tarde também seria transformado num álbum de remisturas e um trabalho que soava a WHITE ZOMBIE, com o baterista John Tempesta a permanecer ao seu lado. O grupo nunca anunciou oficialmente o fim, Rob mantém a imagem que sempre o caracterizou. Por tudo isso, podemos afirmar que mais que uma morte, os WHITE ZOMBIE prolongam a sua existência naquele que sempre foi o zombie-mor: Rob Cummings. Como naqueles velhos filmes de terror, que ocasionalmente revivem através de remakes.
Texto originalmente publicado na LOUD! #7, de Fevereiro de 2001