Segundo dia de festa no Jamor, e a Taça foi, como se esperava, para os MASTODON, que protagonizaram uma das suas melhores atuações de sempre em solo nacional. O dia começou cedo, com sol forte e os riffs simples mas eficazes dos neo-zelandeses ALIEN WEAPONRY, que arrancaram de forma algo morna, mas souberam conquistar a audiência, provocando as primeiras explosões de energia numa plateia composta. Os grooves nu-metal, os elementos tribais e o próprio dress code terão transportados alguns dos mais velhos para a década de 90 e para os tempos áureos da tendência. A verdade é que, mesmo sem fazerem nada de muito interessante, assinaram uma prestação competente, que ganhava personalidade sempre que cantando em Maori, respeitando a ancestralidade dos três elementos da banda. Quinze minutos antes do previsto, subiram ao palco os aclamados GAEREA e, desde logo, se deu pela falta de um dos elementos que compõe o quinteto, com um dos habituais guitarristas a assumir as vocalizações, após a saída de Ruben Freitas. Nem por isso a banda portuense deixou de assinar uma prestação intensa, prejudicada, no entanto, pelo som desequilibrado, com a bateria demasiado alta e as seis cordas algo indefinidas, sobretudo nas passagens mais rápidas. Prova disso foi «Salve», o promissor novo single do próximo álbum «Mirage», que mantendo-se poderoso, perdeu alguma da imponência que se vê e ouve no vídeo-clip lançado 48 horas antes. Um ambiente mais intimista, menos sol e duas guitarras em permanência (porque as houve por momentos e tudo soou imediatamente melhor) teriam ajudado os GAEREA a ter uma actuação ainda mais poderosa.
O dia foi de contrastes e o entusiamo quase adolescente dos CROSSFAITH não terá deixado ninguém indiferente. Com guitarras prevísiveis a marcar o ritmo, exacerbadas texturas EDM a lembrarem uma qualquer aula de spinning, e pedidos constantes de circle pits e walls of death, a banda japonesa reúne todos os clichés possíveis de um metalcore que só terá entusiasmado os mais devotos. Constante movimentação em palco, muita entrega e… pouco mais. O tributo aos Motörhead protagonizado por PHIL CAMPBELL e os seus BASTARD SONS foi, por isso, uma lufada de ar fresco, como se de repente o Jamor se tivesse transformado num pub gigante. O som por esta altura já estava bem mais estável e equilibrado e, sem grandes surpresas, a actuação colocou os metaleiros mais old school de punho em riste. Canções clássicas como «Iron Fist», «Going To Brazil», «Killed By Death» ou a incontornável «Ace Of Spades» foram interpretadas de forma irrepreensível, com Neil Starr, num registo bem distinto do lendário Lemmy, a mostrar-se um vocalista muito competente. Pelo meio houve ainda tempo para uma saborosa versão de «Silver Machine», dos Hawkwind. Ninguém vai dizer que foi um concerto inesquecível, mas serviu como tira-sabores para o que se seguiria.
E o que se seguiu foi uma atuação verdadeiramente demolidora dos MASTODON, que mesmo incidindo fortemente no mais recente «Hushed & Grim», foi capaz de convencer a esmagadora maioria da plateia, que pareceu rendida ao conjunto da Georgia desde o primeiro segundo de «Pain With An Anchor». Com um dos melhores sons que já lhes ouvimos ao vivo, foram alternando clássicos como «Crystal Skull», «Megalodon» ou «Black Tongue», que nunca soou tão pesada como ontem, com a atmosfera do disco mais recente, do qual tocaram oito temas. E a verdade é que malhas como a enleante «The Crux», a ultra-orelhuda «Teardrinker» – com o público a cantar em uníssono o refrão – ou a melancólica «Skeleton Of Splendor», funcionam ainda melhor ao vivo. Que todos os músicos dos MASTODON são extremamente talentosos já ninguém duvida, mas a solidez da banda é absolutamente fenomenal por estes dias, e até a questão das vocalizações, tantas vezes criticadas no passado, está completamente resolvida. Troy Sanders é um dos melhores e mais expressivos vocalistas da sua geração, Brann Dailor está cada vez mais consistente nos registos mais altos e Brent Hinds arrisca menos que no passado, mas quando o faz acompanha a rigor. Suportados por um cenário visual extremamente dinâmico e psicadélico, os MASTODON dispararam em quinze temas riffs e solos suficientes para a carreira inteira de três bandas. E não, não se trata de quantidade, mas sim de qualidade. Pensar que podiam facilmente escolher outros vinte ou trinta temas diferentes e dar um concerto igualmente fascinante, atesta bem da magnitude e genialidade destes senhores. E por isso, momentos tão díspares proporcionados por um épico como «The Czar», pelo peso monstro da velhinha mas nunca ultrapassada «Mother Puncher» ou pelos riffs gigantescos da obrigatória «Blood And Thunder», já a fechar, fazem sentindo juntos e agradam a gregos e troianos, mantendo um dinâmica que poucas bandas no espectro da musica pesada conseguem ter. A nível técnico irrepreensíveis, os MASTODON deram um concerto que roçou a perfeição.
A fasquia estava por isso muito elevada para os cabeças-de-cartaz BRING ME THE HORIZON, mas o público que ali estava para vê-los era, claramente, na sua maioria, outro. A onda de juventude que se dirigiu para a frente do palco mal os MASTODON se despediram, assim o atestou. E banda liderada por Oli Sykes está a anos luz do que era quando este escriba os viu no Coliseu dos Recreios a abrirem para os Machine Head, em 2011. Se nessa altura eram por certo uma banda de metal e bem mais pesado, hoje são uma banda muito mais competente e talhada para grandes voos. O contraste maior vê-se no frontman da banda inglesa, um homem aparentemente feliz e em grande forma a nível vocal, por oposição à decadência de há onze anos. E ainda bem! O exuberante set de luzes, palcos e videowalls dos BMTH ajuda ao espetáculo e logo no arranque, com «Can You Feel My Heart», fica a ideia de que estamos num concerto de pop e não num festival de metal. A verdade é que a energia é contagiante e «Happy Song» comprova ao vivo que os BMTH sabem como escrever um refrão catchy e ganchos capazes de por corpos a mexer. «Teardrops» traz o primeiro momento verdadeiramente pesado, com o público em delírio e Oli a anunciar que vai (tentar) falar em português durante todo o concerto (influências da sua mulher brasileira?). E assim o fez, embora em alguns momentos de forma um pouco awkward. Com os cenários constantemente a mudarem, o foco estava todo no carismático vocalista, ficando os restantes músicos em contra-luz, com movimentos ensaiados, dignos de uma qualquer boy band. O espectáculo é apelativo, os músicos competentes, as músicas contagiantes. Uma «Medicine» não será para toda a gente — parece mesmo Justin Bieber com distorção –-, mas cola no ouvido e, sempre que quer, a banda inglesa não tem de recuar muito no tempo para servir brutalidade com distinção. «Dear Diary», do mais recente EP, é a prova disso mesmo e atesta a excelente forma vocal de Oli Sykes, que canta e berra com a mesma pujança e vitalidade. Segue-se a inquietante «Parasite Eve» que mantém o público em loucura até que as luzes se apagam e os murais de vídeo deixam de dar sinal, cabendo à plateia iluminar o palco com os telemóveis. Oli anuncia “no luz, sem problema” e a banda segue em versão acústica com «Follow You», entoada em uníssono pelos fãs. Os problemas persistem, mas após cinco minutos de interrupção a banda de Sheffield regressa com a poderosíssima «Shadow Moses» e pedidos de moshpit, a que se segue «Kingslayer» com bailarinas à mistura. Na recta final, sempre em perfeita comunhão com o público que ali estava para os ver e com insistentes exclamações de “meu deus!” e “nossa senhora!” por parte do sempre comunicativo vocalista, os BMTH deixaram «Drown», «Obey» e «Throne», mostrando quem pudesse ter dúvidas, que são mesmo banda de estádio. Goste-se ou não do que fazem, fazem-no muito bem, e num registo totalmente diferente foram dignos sucessores da melhor banda do festival (até ao momento, vá!).