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VAGOS METAL FEST: Dia 1 | 03.08.2023 [reportagem]

Este ano, o VAGOS METAL FEST levou uma vez mais a música extrema de volta à Quinta do Ega para mais três dias de peregrinação à meca do peso em Portugal.

Depois de todas as polémicas e críticas apontadas ao cartaz do VAGOS METAL FEST, a primeira coisa a notar nesta edição de 2023 foi afluência bastante elevada de festivaleiros para aquilo que costuma ser habitual durante as actuações das primeiras bandas. Desde logo um início promissor para o que viria a ser uma maratona inesquecível com muitos momentos memoráveis, mas também alguns infortúnios. Antes dos concertos, o recinto foi recebido pelas crianças do projecto de ocupação de tempos livres Vagos Em Acção Júnior, projecto da Câmara Municipal de Vagos, em parceria com o Agrupamento de Escolas de Vagos.

Pouco antes das 16:00, o início do evento decorreu da melhor forma com os algarvios DRAGON’S KISS. A banda quebrou recentemente um longo jejum editorial com o EP «The Last Survivors», mas foi no álbum de estreia «Barbarians Of The Wasteland» que centrou a sua atenção. Temas como «Somewhere Up In The Mountain», «Ride Till We Die» e «Ride For Revenge» foram alguns dos destaques de uma actuação de heavy metal tradicional cheio de garra, que foi chamando progressivamente para a frente as pessoas que continuavam a chegar ao recinto. O poder do heavy metal pode ser subvalorizado por alguns, mas a verdade é que nunca falha.

Antes de se iniciar a habitual troca de palcos, continuámos no palco Hidromel Lucitanea para receber o hardcore metalizado e moderno, recheado de groove, dos franceses DAGARA. A avaliar pela reacção do público — que, por aquela altura, estava ávido de acção — a primeira visita da banda a Portugal terá sido valorosa e, com uma dose generosa de humildade e energia, os músicos conquistaram rapidamente o público que inaugurou a maratona de circle pits que se foram sucedendo ao longo das horas seguintes.

A inaugurar o palco principal, apelidado Sublimevilla, tivemos os espanhóis VENDETTA FM, de regresso ao evento após terem-se estreado por cá em 2019. Entre a mistura de hardcore e metal já se esperava muita energia, mas o grupo estava apostado em subir a fasquia, com o vocalista Jacob a fazer até um crowdsurfing. A actuação provocou a habitual animação nas hostes — o tipo de som é perfeito para isso –, mas ficou no ar a ideia de que ainda não são banda para tocar no palco principal de um evento desta envergadura. Todavia, não deixaram de provocar bons momentos, que seriam ainda melhores não fosse o som exageradamente alto.

Essa preparação para tocar num palco principal é coisa que não falta aos BESTA, aquela que é uma das nossas máquinas trituradoras de grind preferidas. O quarteto nasceu preparado para tocar em todo o lado e, como sempre, serviram aquela tareia que faz bem ao corpo e enaltece o espírito. Desde o início já habitual por parte de Paulo Rui (com um sempre ominoso “bem vindos ao ritual da Besta!”), às descargas que se iniciam invariavelmente com a batida de Paulo Lafaia, não há muito que enganar. O duplo ataque de guitarras por parte de Rick Chain e Ricardo Matias são a parede contra a qual não nos importamos de estar constantemente a ser cuspidos e, na véspera (literalmente) do lançamento da novidade «Terra Em Desapego», este talvez tenha sido o último concerto de uma era que findou.

A curiosidade para assistir à estreia dos BE’LAKOR em Portugal era imensa. O death melódico e épico dos australianos era uma das pérolas do cartaz deste primeiro dia e quem tinha expectativas altas em relação à sua performance, não ficou desiludido. Os temas longos hipnotizaram a multidão muito graças à fusão vencedora e muito inteligente de peso e melodia — e se, por um lado, esta fórmula nem sempre resulta no contexto de um festival, neste caso soou sublime. Ajudou também o som mais ajustado que aquele a que os VENDETTA FM tinham tido direito anteriormente naquele mesmo palco. Para quem acompanha o grupo, foi muito bom ouvir temas mais antigos como «Abayence» e, mesmo sabendo que as incursões europeias são complicadas para as bandas de um país como a Austrália, ficamos a aguardar pela próxima visita, desta vez num contexto em que tenham mais tempo de antena.

Por falar em curiosidade, obviamente que havia muita para ver pela primeira vez os DIETH, a nova aposta de David Ellefson no pós-MEGADETH. Apesar de não ser perfeito, o disco de estreia do grupo acaba por soar refrescante o suficiente para quem gosta de death/thrash e, ao vivo, verificou-se que esse impacto se manteve, com o trio base a contar ainda com os préstimos do guitarrista Hubert Więcek (ex-membro dos Decapitated, actualmente nos Banisher). Guilherme Miranda é um bom frontman (que se mostrou aliviado por poder falar em português) e a banda mostrou que tem muito por onde crescer, bem além do currículo impressionante dos seus elementos.

Depois, já todos sabíamos o que vinha aí. E nem era preciso olhar para o pato insuflável gigante a ocupar o palco quase por completo. Os ALESTORM são uma banda pensada para festivais, ou no limite, para tocar ao vivo. Mesmo quem não aprecia folk e power metal, provavelmente não consegue resistir ao seu humor nonsense e às suas melodias infecciosas. O que tanto pode servir para o bem como para o mal. Se por um lado não surpreendem, por outro já se sabe que a diversão estará garantida. O que também foi apelativo para encontrarmos muitos pais com os seus filhos aos ombros — esta edição foi, aliás, aquela em que se viram mais crianças no recinto, o que é positivo. Apoiados num catálogo extenso e com uma setlist que passou por grande parte dos seus lançamentos, «No Grave But The Sea», de 2017. foi o LP que mais representação teve no alinhamento, o que também ajuda a perceber que, apesar dos novos álbuns que vão lançando, a estrutura dos espectáculos se mantém previsivelmente a mesma. Ainda assim, foram garantia de muita diversão e muitos insufláveis pelo ar, assim como constantes crowdsurfs — e onde também não faltou a tradição dos seguranças se juntarem à plateia.

De volta ao palco Lucitanea subiu ao palco uma das mais históricas bandas de metal extremo nacional: os SACRED SIN. A banda José Costa e Tó Pica tem estado em ritmo elevado com concertos espalhados por todo o país e chegaram ao VAGOS METAL FEST em pico de forma. O material do álbum mais recente, de que são exemplos o tema-título «Storms Over The Dying World» e «Hell Is Here», estão cada vez mais entrosados no alinhamento e fluem bem ao lado de clássicos como «Eye M God» ou «Ghoul Plagued Darkness» (que é uma obra-prima do death metal). A sequência final com «Darkside» e «Seal Of Nine» continua a ser a forma perfeita para fechar uma actuação e, com a classe que se lhe conhece, esta banda que conquistou a pulso o seu lugar no underground nacional teve aqui (mais) uma prestação a roçar a perfeição.

Seja onde for, os SEPULTURA continuam a ser um dos nomes referência da música extrema, tanto pelos seus anos embrionários que tantos fãs conquistaram como também pela fase mais recente com Derrick Green, que tem desbravado novos caminhos, com os músicos a mostrarem sempre inconformados em relação ao que ainda podem fazer. Portanto, não foi surpresa nenhuma ver a enchente de público em frente ao palco. Tirando a guitarra de Andreas Kisser — que, a cada nova oportunidade, tem provado ser um músico assombroso, o som esteve ao melhor nível e, além da solidez nos ritmos de Paulo Júnior e do espectáculo (dentro do espectáculo) que é ver Eloy Casagrande a castigar a bateria, o que mais se notou foi mesmo o talento de Green para cantar verdadeiramente. Um verdadeiro monstro! Para a reportagem mais detalhada podes continuar a ler aqui.

Diz a tradição que, depois dos cabeças de cartaz tocarem no palco principal, é tempo de desmobilizar em direcção à tenda (ou qualquer outro local que sirva como quartel-general). No entanto, não foi bem isso que se passou aqui. Ainda bem, porque os lusos CORPUS CHRISTII deram um concerto verdadeiramente brutal, que impressionou aqueles que não estavam preparados para isso. Com um alinhamento focado muito no último álbum de originais — o que só atesta também à qualidade de «The Bitter End Of Old» –, mas que também fez questão de revisitar outros pontos obrigatórios da sua discografia, a banda não deu tréguas. O som foi um dos melhores de todo o dia, se não mesmo o melhor, com a banda liderada por Nocturnus Horrendus a fechar de forma perfeita — e até poética, quando o país estava mergulhado no frenesim da JMJ — o primeiro dia do VAGOS METAL FEST.

Fotos por Sónia Ferreira