UNDER THE DOOM

UNDER THE DOOM: 10 coisas que aprendemos na edição de 2025 [reportagem]

A edição de 2025 do festival UNDER THE DOOM confirmou a sua importância no calendário europeu do metal sombrio, reunindo nomes consagrados, surpresas inesperadas e regressos emocionantes. Estas foram as 10 lições que trouxemos do festival.

Em 2025, o UNDER THE DOOM voltou a erguer-se como um refúgio onde a música é tanto catarse como contemplação. O festival, já consolidado como um dos principais encontros dedicados ao doom e às sonoridades mais densas e melancólicas em solo nacional, reuniu uma programação que soube equilibrar tradição e descoberta.

Durante dois dias, o público percorreu um arco que foi da introspeçção silenciosa à celebração explosiva, passando por concertos que deixaram marcas profundas. Entre nomes históricos, regressos inesperados e bandas emergentes, a edição deste ano mostrou porque razão o UNDER THE DOOM é mais do que um evento musical, afirmando-se como um ritual colectivo, onde cada actuação funciona como um capítulo de uma narrativa maior.

01. EARTH DRIVE e ETHEREAL caminham por dois caminhos distintos nas adjacentes do doom

Tanto na sexta-feira como no Sábado, O UNDER THE DOOM abriu as suas portas com uma mensagem clara: o metal português continua a reinventar-se a partir de raízes partilhadas, mas sem medo de seguir trilhos diferentes. Os EARTH DRIVE tiveram a enorme honra de dar o tiro de partida para o evento e inauguraram a noite de concertos com a sua habitual força cósmica, com o quarteto a construir as suas paisagens sonoras psicadélicas onde riffs densos se entrelaçavam com melodias etéreas.

O que fazem não se pode descrever como doom na forma mais ortodoxa, mas é a esse género que vai beber a sua introspeção e o peso, expandindo-os numa viagem sideral que prende a atenção e conduz a audiência como quem percorre uma estrada infinita em direcção ao desconhecido.

Logo no dia seguinte, coube aos ETHEREAL inaugurarem as actividades na Music Station e monstrarem outra forma de aproximação a esse mesmo espírito. Veteranos da cena undeground, formados em 1997 pelo vocalista Hugo Soares, regressaram ao activo após mais de uma década de silêncio, apresentando-se agora renovados e com novo álbum, «Downfall», aclamado pela crítica. O som, com raízes profundas no metal progressivo mas marcado por uma melancolia latente, trouxe ao festival um equilíbrio entre peso e reflexão, revelando maturidade artística e um sentido narrativo apurado.

Como é lógico, e porque a nostalgia fala sempre alto em eventos deste género, a história dos ETHEREAL, interrompida em 2008 após dois discos de estúdio e renascida apenas em 2021 com a formação original, conferiu à actuação um sabor especial, confirmando que o seu regresso é real para o panorama nacional.
Feitas todas as contas, EARTH DRIVE e ETHEREAL mostraram que o doom pode ser tanto uma forma de expansão como recolhimento, tanto viagem cósmica como mergulho interior.

02. Pouca gente sabe, mas os TODOMAL são uma revelação daquelas

Os TODOMAL foram, para todos os efeitos, uma enorme surpresa. É certo que muitos estavam na sala sem grandes expectativas, mas, pouca mais de meia-hora depois, quando a banda espanhola saiu do palco sob aplausos unânimes, a ideia de que tínhamos acabado de assistir a uma revelação tornou-se inegável. O grupo, que conta com músicos com currículo na cena underground de nuestros hermanos na formação (e que são, originalmente, um duo, aqui com formação expandida), apresentou-se com um som tipicamente doom, apostando claramente no que são as raízes mais ortodoxas da tendência.

A cenografia mínima, quase austera à excepção das projecções, serviu de contraste à riqueza sonora que emergia dos instrumentos. Houve momentos em que a música parecia um sussurro colectivo, apenas para explodir numa parede de som que fazia vibrar o corpo. O público, inicialmente curioso, acabou totalmente rendido. Os aplausos e a aprovação foram crescendo à medida que os temas se sucediam; e, no final, já se sentia um entusiasmo raro relativamente a uma banda tão pouco conhecida. Pelo meio, ficou claro que o UNDER THE DOOM não vive apenas de nomes consagrados: é também um festival de descobertas, e em 2025 os TODOMAL foram essa revelação.

03. A melancolia dos ANTIMATTER continua a falar mais alto que qualquer palavra

Quando Mick Moss subiu ao palco, a Music Station mergulhou num silêncio expectante e, talvez por isso, o concerto dos ANTIMATTER afirmou-se mais como uma espécie de experiência de recolhimento do que como outra coisa qualquer. O alinhamento interpretado percorreu as diversas fases da carreira do grupo, e temas como «Another Face In A Window», «Monochrome», «Leaving Eden» ou «Paranova» surgiram à laia de capítulos de uma narrativa marcada pela melancolia e por laivos Floydescos. A força estava, no entanto, naquilo que é essencial — a voz e as melodias, que enchiam a sala sem necessidade de adornos.

A plateia, dividida entre o imóvel e o ondulante, escutava com a angústia de quem lê uma confissão em voz alta. Houve, ali ao nosso lado, quem fechasse os olhos e, no geral, o ambiente foi de uma comunhão profunda e silenciosa, interrompida apenas pelos aplausos entre temas, algo muito raro de encontrar em festivais. Pelo meio, os ANTIMATTER acabaram por provar que, às vezes, a maior força de um espectáculo ao vivo está na fragilidade. E que a melancolia, quando bem expressa, dispensa quaisquer artefactos.

04. Os SATURNUS são mestres absolutos do palco

Se houve consenso no primeiro dia, foi este: os SATURNUS assinaram a melhor actuação deste primeiro dia de UNDER THE DOOM Apoiada num som potente e cristalino, a banda dinamarquesa apresentou-se em plena forma e dominiy o palco com a naturalidade (às vezes até demasiado festiva para um porta-estandarte do doom) de quem sabe exactamente o que o público veio procura. A ajudar, o alinhamento foi de luxo, com «The Storm Within», «Empty Handed», «A Father’s Providence», «Breathe New Life» e a apoteose com «Christ Goodbye».

Cada tema foi recebido com enorme entusiasmo, os músicos estavam visivelmente agradados com a sua prestação e com a recepção do púlico, sendo que, a espaços, a sala se transformou num enorme coro, as vozes dos fãs a acompanharem os refrões arrastados e as guitarras melancólicas. O jogo de luzes, que foi alternando entre brancos intensos, axuis e vermelhos profundos, ampliou o dramatismo da actuação. O público, claro, oscilou entre a contemplação e a catarse, deixando-se levar por cada nota.

No final, não restaram grandes dúvidas: assitimos a uma banda no auge da sua forma, com os músicos a afirmarem-se como senhores absolutos da noite. Dúvidas restassem, os SATURNUS mostraram porque continuam a ser uma das bandas mais impactantes do doom melódico.

05. Até as bandas de primeira divisão, como os SWALLOW THE SUN, podem ser vítimas de uma mistura de som pouco equilibrada

O concerto dos SWALLOW THE SUN era, obviamente, um dos mais aguardados do primeiro dia, mas ficou manchado por problemas técnicos. Desde cedo percebeu-se que algo não estava bem: guitarras abafadas, teclados soterrados na mistura e uma voz que nunca encontrou o espaço certo. Algo que, até ao momento em que subiram a palco, ainda não se tinha sentido na Music Station (aliás, o facto de terem trazido a sua própria mesa de som e um técnico parece tê-los prejudicado mais que ajudado).

Mesmo com um alinhamento irrepreensível, que inclui clássicos como «Descending Winters», «New Moon», «Cathedral Walls», «November Dust» e «These Woods Breathe Evil», os finlandeses nunca conseguiram brilhar como seria expectável. E sim, houve momentos em que a intensidade conseguiu ultrapassar as falhas e o óbvio cansaço dos músicos (que tinham regressao do Japão à Finlândia, viajando de imediato para Portugal) — como aconteceu em «Stone Wings», que arrancou aplausos sentidos á plateia —, mas a sensação geral foi de uma enorme frustração.

Ainda assim, o público reagiu com respeito, consciente de que o problema não vinha exclusivamente da entrega da banda, mas muitos dos presentes ficaram com a ideia de que se perdeu ali a oportunidade de assistir a um concerto memorável como outros que já deram cá no burgo. E claro, mesmo grupos com a qualidade de uns SWALLOW THE SUN estão à mercê de algo tão prosaico como acústica e técnica. Neste caso, foram esses “pormenores” que alteraram profundamente a percepção do espectáculo.

06. INVERNOIR e FORGOTTEN TOMB mostram que os italianos sabem como fazer bom doom,

Pois é, se há coisa que o UNDER THE DOOM também fez foi mostrar-nos que, de forma algo silenciosa, Itália ainda continua a ser terreno fértil para diferentes abordagens ao doom. Os INVERNOIR chegaram com a elegância sombria do seu doom gótico, evocando a decadência dos anos 90 através de guitarras arrastadas e vozes carregadas de melancolia. O concerto foi uma viagem lenta e envolvente, em que cada acorde parecia ecoar como uma memória distante, transformando a sala num espaço de contemplação.

O concerto, embora cedo no horário, foi recebido com atenção e aplausos bem calorosos. Havia uma intensidade genuína no palco, com cada músico entregue ao peso das composições. O público parecia reconhecer que estava perante uma proposta que ainda tem muito para crescer, mas já com identidade vincada, que confirmou a vitalidade da cena italiana e mostrou que o futuro do doom mais nostálgico continua a ser escrito com novos protagonistas.

Horas depois, a atmosfera mudou radicalmente com os muito mais rodados FORGOTTEN TOMB. Se os INVERNOIR tinham levado o público ao silêncio reflexivo, os veteranos italianos trouxeram o lado mais corrosivo e abrasivo do género. Com temas como «Love’s Burial Ground», «Active Shooter» ou o medley final, com «Disheartenment» / «Alone» / «Steal My Corpse», mergulharam a audiência numa escuridão mais densa, sem concessões.

Não foi o espectáculo duro que os fãs de longa data poderiam esperar, mas há muito que esta banda já se distanciou do rótulo DSBM que lhes colaram no início. Entre estroboscópicas violentas e uma descarga de som que dividiu a plateia entre os rendidos à brutalidade e os esmagados pela violência, provaram ali que o doom italiano se apresenta em extremos complementares como nos 90s: de um lado, a melancolia introspectiva; do outro, a devastação sem filtros. Em Lisboa, ambas as faces mostraram peso quanto nos bastou.

07. Após anos de silêncio, os WHY ANGELS FALL voltaram mais emotivos que nunca

O regresso dos WHY ANGELS FALL foi um dos momentos mais sentidos do festival e estiveram em palco como se o tempo tivesse finalmente alinhado as circunstâncias para lhes dar este espaço que mereciam. Durante anos, pairava no ar a ideia de que a banda era um nome esquecido, uma promessa interrompida; no UNDER THE DOOM, essa perceção ganhou outra forma. aquilo que vimos foi concerto carregado de emoção. Cada acorde parecia trazer consigo o peso dos silêncios prolongados, das ausências e da espera.

O Nero, vocalista, guitarrista e um dos timoneiros do grupo, atravessou recentemente uma fase pessoal difícil, e esse peso reflectiu-se em cada detalhe da sua presença. A voz vacilou nas primeiras notas, os olhos mantiveram-se muitas vezes fixos na platiea entre canções, e houve instantes em que precisou de respirar fundo antes de se lançar numa nova investida vocal — como se cada gesto fosse também um confronto íntimo. E sim, estava visivelmente emocionado, mas foi precisamente dessa fragilidade que nasceu a força do concerto.

Sempre ao seu lado, Paulo Basílio voltou a confirmar aquilo que alguns já sabiam há muito: é um dos músicos mais subvalorizados da cena nacional, dono de uma mestria essencial para a identidade da banda. O restante colectivo, reforçado por um novo elemento mais jovem — mas já surpreendentemente à altura do legado — mostrou-se bastante coeso e sólido, como se o tempo de ausência tivesse apenas consolidado a ligação entre todos.

Optando por um alinhamento que funcionou como uma espécie de viagem condensada pela primeira etapa criativa, os WHY ANGELS FALL revisitaram alguns dos temas mais marcantes do EP de estreia e do épico «The Unveiling». A actuação oscilou entre a lentidão densa e contemplativa que sempre marcou a sua estética e momentos mais luminosos e expansivos, criando um contraste que muito ajudou a este eencontro. A voz e os instrumentos entrelaçavam-se, firmes, como quem transforma fragilidade em força.

Para quem acompanha a banda desde o início, foi como rever um velho amigo que regressa mudado, mas reconhecível. E para quem estava em palco, cada nota pareceu afirmar que este regresso não era circunstancial, mas inevitável — uma necessidade partilhada entre músicos e público. Para muitos, foi a confirmação de que os WHY ANGELS FALL continuam a ser uma peça importante do mosaico doom nacional.

08. CLOUDS e HYUBRIS são provas irrefutáveis da universalidade das emoções

Quando subiram ao palco, os CLOUDS provaram porque são uma das formações mais singulares na cena do doom atmosférico — e uma das mais aguardadas do alinhamento de Sábado. O colectivo, marcado por colaborações internacionais e por uma sonoridade profundamente marcada pela melancolia, trouxe ao UNDER THE DOOM uma demonstração de contemplação. Parecendo beber da mesma fonte que os pioneiros Paradise Lost e quejandos, entre os quais se encontram também os cabeças de cartaz desta noite, deixaram claro que o laneto, quando transposto em música, funciona de uma forma muito sui generis.

Os HYUBRIS, em contrapartida, apresentaram-se com a energia e a convicção de quem carrega o peso de representar o heavy metal nacional. Com raízes profundas na tradição do género, mostraram-se seguros no palco a fechar a noite, munidos de riffs festivos e de um carisma que puxou pelo público desde o primeiro minuto. O contraste com os CLOUDS (e com quase tudo o que se passou durante todo o dia) não podia ter sido maior: onde uns ofereciam introspeção e silêncio, os HYUBRIS entregavam fogo e movimento.

É precisamente nessa diferença que se encontra a lição comum. Independentemente se serem mais ou menos doom, mais festivas ou menos introspectivas, todas as bandas demonstraram que a música só cumpre realmente o seu propósito quando consegue traduzir emoções. Foi essa universalidade — ora pela catarse da tristeza, ora pela celebração da força — que fez com que os concertos com os dos CLOUDS e dos HYUBRIS ficassem ligados na memória como duas faces distintas da mesma verdade.

09. Os MY DYING BRIDE mantêm o peso da lenda

Entre os nomes mais aguardados na edição deste ano do UNDER THE DOOM estava, sem surpresa, o dos MY DYING BRIDE. Após uma prolongada ausência de solo nacional, o colectivo britânico subiu ao palco da Music Station com a responsabilidade de honrar décadas de carreira, mas também com o desafio de enfrentar a sua primeira digressão sem Aaron Stainthorpe, a sua voz de sempre. O lugar do carismático frontman, cuja posição na banda ainda ninguém percebeu muito bem como está, foi assumido por Mikko Kotamäki, vocalista dos SWALLOW THE SUN, que imprimiu relativa dedicação e respeito à tarefa.

O alinhamento trouxe, como se esperava, alguns dos pilares do repertório, como «The Cry Of Mankind» e «She Is The Dark», mas também momentos mais recentes, entre os quais «Your Broken Shore» e «To Shiver In Empty Halls». O público recebeu cada tema com entrega e entusiasmo, deixando-se arrastar pelo peso atmosférico que continua a ser a marca registada da banda — e. sobretudo, deixou-se guiar pelo peso da nostalgia.

Ainda assim, a ausência do Sr. Stainthorpe fez-se sentir de forma profunda. A sua presença teatral e a intensidade quase litúrgica com que carregava cada palavra não podem ser replicadas. Kotamäki foi competente, mas ofereceu uma leitura diferente — menos dramática, mais contida. Para alguns, essa mudança pode ter aberto uma nova perspectiva sobre os temas; para outros, parece ter sido impossível não sentir que parte da alma dos MY DYING BRIDE ficou para trás com este acerto de formação para os concertos..

Infelizmente, a essa sensação de que faltava ali um elemento-chave juntaram-se mais problemas técnicos, e recorrentes, com irritantes falhas constantes no PA que prejudicaram a imersão do concerto. Para além disso, houve momentos em que a voz parecia soterrada e passagens em que o impacto das guitarras se dissipava no ar, forçando o público a um esforço extra para se manter ligado. Ainda assim, a reacção foi sempre calorosa, mostrando respeito pela história da banda, num misto de celebração e constatação: a celebração da longevidade de uma banda que ainda emociona, e a constatação de que, neste momento, a sua essência já não é a mesma.

Uma coisa é certa: o legado permanece, e o futuro será sempre comparado à sombra de uma ausência que pesa — e, neste caso, também de um som que não esteve à altura. Em suma, mesmo feridos, os gigantes não caem. Apesar das dificuldades, os MY DYING BRIDE continuam a carregar o peso do doom gótico como poucos.

10. O doom continua bem vivo (e recomenda-se!)

Em jeito de balanço final, a edição de 2025 do UNDER THE DOOM não deixou margem para dúvidas. O festival permanece como um espaço de celebração, onde o doom se manifesta nas suas vertentes — da contemplação etérea à violência abrasiva, da melancolia gótica à vitalidade inesperada. Entre certezas como os SATURNUS, surpresas como os TODOMAL, regressos emotivos como os WHY ANGELS FALL e revelações como os INVERNOIR, a edição deste ano provou que o género está longe de esgotar a sua força criativa.

A música tomou conta da sala, e juntaram-se ali várias gerações de ouvintes, desde os que acompanham o festival desde a sua criação até aos mais jovens que nele encontram uma primeira porta de entrada para este universo. Entre os riffs hipnóticos dos EARTH DRIVE, a intensidade progressiva dos ETHEREAL, o dramatismo gótico dos CLOUDS, a morosidade dos MY DYING BRIDE e SWALLOW THE SUN ou a raiva existencial dos FORGOTTEN TOMB, ficou claro que o doom não cabe numa única definição, mas antes num mosaico de sonoridades e sentimentos.