TOXIKULL

TOXIKULL: “Dizem não ser possível viver da música, mas é mentira. É possível viver e morrer!” [entrevista]

Lex Thunder, o vocalista e guitarrista dos TOXIKULL, esteve à conversa com a LOUD! a propósito da novidade «Under The Southern Light» e da experiência acumulada na estrada durante os últimos anos.

Nascidos e criados sob a intensa luz do sul da Europa, os TOXIKULL deram os primeiros passos em 2016 e nunca mais pararam: um tumulto vindo do Atlântico, pronto para tomar o mundo de assalto. Com dois discos de longa-duração, um EP e uma coleçcão de singles repleta de incríveis colaborações, os atrevidos e destemidos jovens músicos conquistaram um lugar de destaque no underground, afirmando-se como uma certeza no panorama nacional.

Agora, depois do speed metal intenso de «Cursed And Punished», de 2019, mudam o seu rumo com «Under The Southern Light», um disco que apresenta uma versão mais madura, melódica, porém ainda mais áspera, de si mesmos e que, também graças à edição via Dying Victims Productions, pode bem ser a luz que iluminará muito mais gente, sobretudo fora de portas.

Em 2024 ainda se justifica gravar álbuns?
Sim, sem dúvida. Depende do género musical em que estás, mas na maioria dos géneros, compensa, mais não seja para depois lançares um vinil. Como o pessoal da indústria sabe, há vinil de grupos pop que estão a fazer as fábricas ficarem esgotadas de stock. Falando do nosso meio, o pessoal ainda compra muitos discos, vinil… Penso que estejas a perguntar isso pelos singles que lançámos.

Lançaste os temas espalhados no tempo, conseguindo uma visibilidade maior que o normal com um álbum, que muitas vezes morre ao fim de duas semanas.
Morre se só lançares o álbum. Tem sempre de haver um planeamento. Creio que isso é uma das razões do nosso “sucesso”. Fazemos um planeamento, não lançamos só os discos. Se vires as redes sociais e os PRs que temos enviado, vamos apresentar o álbum e, depois, estaremos o ano todo a promovê-lo.

Arrancamos logo com uma digressão europeia, em que vamos passar um mês e dez dias na estrada. Depois há festivais de Verão, alguns ainda por anunciar, em Portugal, em Espanha e na Alemanha. Este álbum é quase um momentum, um culminar dos singles. Talvez no futuro se lance um single e se façam tours só com ele. Concertos de cinco minutos. [risos] É preciso um álbum.

Vais tocar o que está para trás, o álbum… É o culminar de um momento. Se for bem planeado, justifica lançar, claro. Se não tens possibilidade de fazer uma digressão e de o promover ao longo de um período longo, mais vale lançar singles que te coloquem no mapa e depois sim, editar o álbum.

A nova editora, sendo alemã, abre mais mercado? Por exemplo, terem uma Metal Hammer a falar de vós?
Essa foi uma das razões por que quisemos ir para a Dying Victims. Na nossa opinião, é das editoras mais poderosas do momento no underground do heavy metal. Têm um poder de promoção muito bom e estão na Alemanha, o que nos abre um mercado muito grande. Vamos chegar aos clientes da editora e a pessoas fora dela a que conseguimos chegar no processo de promoção. Antes estávamos na Metal On Metal, italiana, e faz toda a diferença.

No entanto, muito disso tem também muito a ver com o trabalho de promoção, porque podíamos estar noutro selo alemão e, se trabalhassem menos a promoção, experiência que tivemos antes, ia dar ao mesmo [que estar numa italiana]. Espanha, para nós, é o segundo mercado europeu para o heavy metal tradicional. Há imensos festivais, as salas estão cheias!

Nesta digressão, íamos ficar sem um Sábado, que marcámos para Castelo Branco, porque havia promotores espanhóis interessados, mas não havia salas. Espanha, a par da Alemanha, é dos melhores mercados. Talvez uma editora espanhola fosse fixe, mas tem tudo a ver com a promoção.

Mais importante que estar numa editora grande, é procurar uma que se move bem no seu nicho?
É o que te dizia da promoção. Uma editora que aposta em nós, que nos envia e-mails frequentemente a ver se tudo está bem… Que consegue fazer a estreia do disco, como aconteceu neste caso em que aparecemos na Rock Hard. Essas editoras que realmente se interessam pelas suas bandas, valem muito mais que qualquer editora enorme.

Na altura abordámos um selo maior e até teria sido possível lá ficar, mas quando apareceu esta editora, decidimos ficar por ela e não dar um passo maior que a perna. Mais uma vez, tudo se resume ao planeamento. Procurar uma editora que está ao nosso nível e nos consegue dar algo, e com que seja mais fácil comunicar. Isto é como as namoradas e tudo na vida: interessa quem nos sabe dar valor.

Há muitas bandas jovens a aparecerem no vosso estilo. Os TOXIKULL não foram dos primeiros revivalistas do género, ficam um pouco a meio da ponte entre a primeira vaga e estes novos nomes. Como te vês no meio disso tudo?
Estão a aparecer muitas bandas jovens e dizem que somos uma influência, não só musical, mas na forma como trabalhamos. Sou professor de canto e muitos deles são meus alunos. Tenho uma equipa de malta jovem, mas estou a meio da ponte e não estou, porque tenho trinta anos e muitas dessas bandas que estão a aparecer são malta que é um pouquinho mais velha que eu.

Aparecemos há mais tempo, mas acabamos a apanhar malta que também quer fazer um pouco aquilo que fazemos. Sinto que damos o exemplo, já que estamos no pelotão da frente, pois muitos nomes anteriores a nós já terminaram, e vemos que há malta que nos vê como uma referência. É para seguir a dar esse exemplo, porque me sinto orgulhoso disso e até pelos meus alunos de voz, malta que começou depois na música e confiou em mim o trabalho de os pôr no meio.

Estavámos em 2019 e vi um concerto vosso num festival nacional… Falámos no fim, senti a pica toda do que vinha por diante, todo um crescendo. De repente, apareceu a pandemia e passaram cinco anos até este terceiro álbum que, na época, se previa mais imediato. Foi fácil, este período?
Já nem lembrava que passaram cinco anos. Não foi fácil. Olhar para trás é mais fácil que viveres os próprios momentos. Não foi fácil, mas curti à mesma, que é o mais importante disto. Houve momentos de muita dúvida, até porque a nível pessoal, passou-se muita coisa. Aliás, tenho uma filha com cinco anos.

Nesse fase estávamos com a pica toda, mas a digressão que tínhamos planeada foi cancelada. Depois vieram os singles, para não ficarmos malucos e nos mantermos activos durante a pandemia. Fomos à luta, fizemos a promoção digital, que era o pouco que podíamos fazer. Foram cinco anos de muita luta, nunca desistimos. Além disso, mantivemo-nos receptivos a ideias, por vezes um pouco loucas.

Recordo-me, por exemplo, a nossa tour com os S.D.I. em Espanha. Foi quando as coisas abriram um bocadinho. Íamos cancelar, porque estávamos com medo de apanhar COVID-19 e longe de casa. Tivemos uma reunião e foi o Antim, o nosso baixista, a dizer para arriscarmos. Com isso a nossa presença em Espanha começou a crescer e fomos chamados para tocar com os Exciter, os Angelus Apatrida… Arriscámos sempre.

Muitas editoras e agências de PR disseram que os singles não faziam sentido e nós “’bora, que se foda”. Esses cinco anos foram de muita luta, mas olho para trás e não foi difícil porque estávamos rodeados de pessoas que nos apoiaram, como o caso do Ivo Salgado, da Amazing Records; o caso da editora que lançou o nosso vinil; o caso da Hueso Produciones, que aceitou ser a nossa agência. Rodeámo-nos de pessoas que nos valorizam. Foi difícil, mas olho para trás e curti.

E nesse tempo, quando foi composto este álbum? Como músicos jovens, presumo que haja bastante trabalho de composição.
Antes de responder, quero pegar numa coisa que disseste. Somos músicos q.b., OK? Somos gestores das redes sociais, videografos, no caso do Miguel, produtores, uma data de coisas que hoje em dia temos de ser. É algo que sentimos bastante, para fazermos a gestão da banda sobra pouco para sermos músicos. Estar sempre a compor era bom, mas já quase nem tenho tempo para pegar numa guitarra.

Hoje passei o dia todo a tratar das coisas para o anúncio do álbum, redes sociais, responder a entrevistas. Isso não nos permitiu estar sempre a compor e chegar a um momento com o álbum pronto e partir para estúdio. Planeámos e, depois dos singles e da diressão europeia e dos concertos com os Angelus Apatrida, é que decidimos que era altura de lançar um álbum, pois já tínhamos feito tudo que era possível com os singles.

De Fevereiro a Abril, foi quando decidimos compor o álbum, Já havia ideias e riffs, mas nada estruturado. Foi entre esses três meses que foi composto e, logo aí, pensado para ser um álbum. Talvez por isso as músicas se liguem bem, pois tínhamos um conceito e ideia na cabeça.

Já várias vezes referiste a experiência da estrada. Ganharam com isso, como pessoas e como banda, com aquelas horas de estrada, com as salas mais estranhas, as refeições possíveis…
Ganhei como músico e como pessoa, já que ambas as vertentes se alimentam uma à outra. Há certos conceitos nas letras que têm a ver com essa estrada. Por exemplo, a «Under the Southern Light» tem a ver com a luz do Sul. Seres um pouco esquecido. Tens muita luz, mas estás nas sombras da Europa. O pessoal não quer saber de ti. Só descobrimos isso indo lá para fora. Geralmente quem fica cá, não tem a noção de como são as coisas.

Não quero meter muito drama, mas há quase um racismo ao pessoal da Europa do Sul. Já vi e-mails de editoras a responderem a bandas, em que dizem que a música é boa, mas que por serem do sul não vão vender nada. Nem há uma oportunidade sequer. Só começámos a perceber isso indo lá para fora. Também as dificuldades geográficas de estarmos em Portugal.

Vamos agora fazer uma tour e começamos em Lyon, arrancamos três dias antes, para ir com calma. São as dificuldades que começas a ver quando sais. Há bandas que fazem menos esforço, mas estão em todos os sítios. Uma banda que acabou de começar, na Alemanha, faz uma tour europeia no primeiro ano, a portuguesa não.

Quisemos transformar essas sensações em música. A «Going Back Home» é sobre o lado oposto da estrada que o pessoal fala sempre. Dizem que estar na estrada é muito fixe, rock’n’roll… há o reverso disso, em que só queres chegar a casa e estás farto daquilo, do ambiente, de ver asfalto. Resolvi falar disso numa música. É por isso que acho que este álbum está bastante sincero, quisemos dizer alguma coisa, não falar de fantasia, monstros, Satanás! Foi criar uma banda-sonora sobre o que sentimos.

É o vosso álbum mais introspectivo.
Sem dúvida. O «Black Sheep», que nem falámos muito nele, já era introspectivo, mas era o início e queríamos colocar algo no mundo. O «The Nightraiser» já entrava mais na fantasia, foi planeado para entrarmos no meio, e também era o género que andávamos mais a ouvir.

E hoje, o que ouves?
Falando só por mim, embora parte dos riffs tenha sido composto pelo Miguel, estou numa fase em que ouço de tudo, desde o rock mais soft ao mais pesado. Tudo que me chega à frente. O contacto com os meus alunos e produções que faço, também servem para ver o que andam a escutar. Estou muito aberto a ouvir tudo e depende dos moods. Há dias em que me dá para ouvir Rolling Stones. Adoro o grupo. Há tanta música para descobrir.

Danzig é o que ouço mais de momento, foi o meu artista mais tocado no Spotify no ano passado. O «Point of Entry» dos Judas Priest, o novo dos Primordial. Uma data de coisas diferentes. O tradicional está lá, mas não com tanta intensidade como antes. Também se nota neste álbum, com versos mais calmos. Sou um pouco esquisito com as bandas, confesso. Têm de me dizer mesmo algo.

Não sei bem qual o meu método de seleção, talvez a personalidade da voz. Por exemplo, uma banda com que vamos fazer a digressão, os Venator, são algo dentro do heavy metal tradicional, aquilo já foi feito, inventado, mas tem algo de especial. O geral das bandas, não consigo gostar, pois parecem estar a repetir-se umas às outras. É algo que tentamos fazer no álbum, foi fugir à fórmula. O que é difícil de entender é como essas bandas continuam a ter tantos de fãs. Lanças uma cena igual à que saiu ontem e aparecem as pessoas desse nicho a dizer que é brutal. “Man, é igual à outra banda!”.

Nesse vosso planeamento, o que vem aí nos próximos meses?
Estamos a pensar passo a passo. Desde Julho, Agosto, quando gravámos o disco, não existimos, por causa da preparação e dos nossos trabalhos. Para já, estamos a pensar até Maio e depois o Verão para os festivais. Faltam cinco semanas para arrancar a digresão. Depois talvez descansar, ou não, pois fala-se em fazer umas FNAC em acústico. Depois temos festivais de Verão, alguns por anunciar.

O planeamento está só até aí. Estão a surgir propostas e conversações sobre ir para novos sítios como a América Latina, do Norte, Austrália, Japão… Estamos a tentar ver isso, pois já houve alguns contactos. Estamos tão ocupados que até já tive dias com ataques de ansiedade por ter tanto trabalho. O pessoal diz que não é possível viver da música, mas é mentira. É possível viver e morrer!

Nos dias e 2 de Março, os TOXIKULL sobem ao palco do RCA Club e do Bourbon Room, em Lisboa e no Porto, respectivamente, para apresentar com toda a pompa e circunstância um proverbial manifesto de heavy metal puro e duro, assinado por um grupo de músicos que tem os seus pés bem assentes na tradição da música pesada feita durante os gloriosos 80s. Os bilhetes para estes espectáculos estão disponíveis através da Unkind.pt.