THE DARKNESS

THE DARKNESS + DEA MATRONA @ LAV – Lisboa Ao Vivo | 24.10.2025 [reportagem]

Naquela que foi o seu primeiro concerto como cabeças de cartaz em Portugal, os THE DARKNESS incendiaram o LAV com falsetes, humor e puro rock britânico.

Ontem à noite, o público presente no LAV – Lisboa Ao Vivo foi transportado para uma autêntica festa de rock’n’roll, conduzida por uma das bandas mais carismáticas e inclassificáveis das últimas duas décadas: THE DARKNESS. Com Justin Hawkins, Dan Hawkins, Frankie Poullain e Rufus Taylor em plena forma, o concerto confirmou aquilo que todos esperavam — uma colisão perfeita entre virtuosismo, teatralidade e um humor britânico tão afiado quanto os riffs que ecoaram pela sala.

Antes da entrada triunfal dos britânicos, as DEA MATRONA aqueceram o ambiente com um concerto de trinta minutos que deixou o público em estado de encantamento. O quarteto irlandês —  liderado por Orláith Forsythe e Mollie McGinn — mostrou por que razão tem sido apontado como uma das grandes promessas do novo rock europeu. Com uma sonoridade que combina a força do hard rock clássico com harmonias vocais reminiscentes dos Fleetwood Mac, as DEA MATRONA conseguiram cativar a plateia logo desde o primeiro acorde. Canções como «Hate That I Care» ou «So Damn Dangerous» revelaram uma maturidade surpreendente, sustentada por guitarras cheias de alma e uma atitude descontraída, mas poderosa.

Mesmo perante uma sala que aguardava impaciente pela entrada em palco dos THE DARKNESS, as DEA MATRONA conseguiram conquistar a atenção de todos. Alternando entre momentos de pura energia e passagens mais introspectivas, mostraram uma presença de palco confiante e carismática, culminando com «Red Button», que arrancou aplausos efusivos e até alguns coros espontâneos. Foi um prelúdio perfeito para o que se seguiria: o delírio eléctrico dos britânicos, que entraram em cena com a elegância teatral que lhes é característica.

Vindos de uma digressão norte-americana em apoio ao novo LP «Dreams On Toast», lançado em Março, os THE DARKNESS trouxeram a Lisboa o mesmo espectáculo explosivo que tem conquistado plateias de Nova Iorque a Los Angeles. Já descritos como “um encontro entre o Cirque du Soleil e o Ringling Brothers Circus, alimentado por guitarras altas e hinos em falsete”, os músicos britânicos provaram que o rock pode continuar a ser um espectáculo total — tão provocador quanto divertido.

A actuação dos THE DARKNESS abriu com uma surpresa: «Arrival», o clássico dos ABBA numa versão orquestral, soou pelos altifalantes como introdução, estabelecendo o tom teatral e bem espirituoso que marcaria a noite. A seguir, os músicos entraram em cena com «Rock and Roll Party Cowboy», um dos temas do álbum mais recente, que fez o público vibrar imediatamente. A sequência foi demolidora — «Growing on Me», «Get Your Hands Off My Woman», «Mortal Dread» e «Motorheart» incendiaram o LAV com riffs eléctricos e refrões de catarse colectiva.

Foi precisamente a meio da delirantemente profana «Get Your Hands Off My Woman» que o Sr. Justin Hawkins mostrou por que continua a ser um dos frontman mais singulares da sua geração. Exigiu que a multidão batesse palmas em uníssono, antes de se equilibrar de cabeça para baixo no riser da bateria, batendo os calcanhares dos sapatos pontiagudos no ar, em ritmo perfeito. Entre solos incendiários e exibições acrobáticas, tudo estava “certo no mundo dos THE DARKNESS”.

A partir daí, o concerto avançou como uma celebração contínua. «Walking Through Fire», «Barbarian» e «Love Is Only A Feeling» revelaram o lado mais melódico e grandioso da banda, enquanto «Givin’ Up» e «My Only» trouxeram alguns momentos de verdadeira surpresa — nesta última, o baterista Rufus Taylor assumiu o microfone, trocando de lugar com Dan, que passou à bateria, naquilo que poderia facilmente ser interpretado como uma homenagem sentida ao malogrado Taylor Hawkins, que fazia algo igual nos Foo Fighters.

O tom de irreverência regressou com «Heart Explodes» e «The Longest Kiss», que mostraram o lado mais contemporâneo dos THE DARKNESS, equilibrando o humor habitual com arranjos de crescente sofisticação. Por esta altura, entre muita conversa (alguma dela desnecessária) e boa disposição a rodos, estávamos na recta final do espectáculo, que se revelou uma descarga total de energia: «Friday Night», «Black Shuck / Every Inch Of You» e «Japanese Prisoner Of Love» transformaram o LAV num autêntico baile de rock teatral e comunhão entre banda e público.

Mantendo vivo o espírito imprevisível que sempre os caracterizou, e invocando o espírito dos seus heróis dos 60s e 70s, os THE DARKNESS continuam a adaptar os alinhamentos ao ambiente de cada cidade. Em Lisboa, isso traduziu-se numa actuação que oscilou entre humor desbragado e emoção genuína, sempre com uma espontaneidade contagiante.

É certo que o som, sem o brilho ou a clareza que poderiam tê-lo elevado a um patamar superior , chegou a comprometer alguns momentos, esmagando muitas nuances melódicas que caracterizam a escrita da banda, mas essas pequenas imperfeições — o caos sonoro, a espontaneidade, o risco — são o que torna os espectáculos dos THE DARKNESS fascinantes. Quando tudo parece prestes a ruir, o quarteto encontra sempre uma forma de se reinventar, de rir do desastre e continuar a acelerar.

Actualmente, essa parece ser a sua verdadeira magia: a gloriosa imperfeição do rock feito por quem vive cada nota como se fosse a última. Sabe-se que Justin Hawkins está sóbrio há 19 anos, e isso confere-lhe uma lucidez rara em palco. Entre piadas e confidências, nunca perde o controlo do espectáculo — pelo contrário, transforma-o numa celebração da vida através do rock. Como tal, quando «I Believe in a Thing Called Love» ecoou finalmente das colunas, o LAV explodiu num coro em uníssono.

Previsivelmente, era o momento mais esperado da noite — e também o mais simbólico —, provando que o poder desse hino de 2003 continua intacto. Como epílogo, o encore trouxe «One Way Ticket» e «I Hate Myself», que encerrou o concerto com uma piscadela de olho à história do rock, incorporando um trecho de «The Power Of Love», o clássico de Jennifer Rush, eternizado por Céline Dion e um cheirinho do riff de «Heartbreaker», dos Led Zeppelin, num final que teve tanto de apoteótico e como de irónico.

Em entrevista com a LOUD! nas semanas que antecederam este espectáculo, o baixista Frankie Poullain explicou a leveza de espírito que define o grupo em 2025: “Só queremos fazer música honesta que nos divirta. É importante reconhecer o ridículo e amá-lo ainda mais por isso. Há humor em bandas como AC/DC ou Def Leppard — nós apenas o abraçamos por completo. O humor é como um tempero: uma pitada que transforma o prato. É o ingrediente secreto da nossa cozinha musical.

E sim, não há como negar que se divertem em palco, é notório que estão a divertir-se e a divertir os seus fãs, mas, apesar do ambiente festivo, este espectáculo de regresso a Lisboa revelou também uma faceta bem mais madura da banda. O tempo das malhas justas de spandex ficou definitivamente para trás, e deu lugar a uma encenação mais polida, mas igualmente vibrante. Quando as luzes se apagaram e o eco das últimas notas se dissipou, a sensação era clara: os THE DARKNESS continuam a dominar uma arte que poucos compreendem — a de transformar o absurdo em beleza e o exagero em autenticidade.