(Foto: Fernando Yokota)
Com quinze anos de estrada, o Labirinto é uma das bandas mais importantes e produtivas do underground brasileiro. Ao longo desse tempo, o grupo de São Paulo “passeou” por diferentes climas e estilos do metal e do rock alternativo em full-lengths, EPs e splits.
Desde o seu álbum anterior «Gehenna», de 2016, quando o gosto pela distorção e pelo peso de forma geral ficaram ainda mais evidentes, o sexteto parece ter encontrado o seu ponto definitivo. E o mais recente disco, «Divino Affiante Spiritu», lançado pela Pelagic Records, apenas melhora o que já tinha dado certo.
Desde a abertura, com a primeira música da banda com vocais («Agnus Dei»), em uma parceria intensa com Elaine Campos (Rastilho), até o fechamento épico, com a faixa-título, o Labirinto traz não apenas o seu melhor trabalho, mas um forte candidato a figurar nas listas de melhores de 2019.
Na entrevista abaixo, feita pouco antes da banda embarcar em uma mini-tour brasileira com os americanos do Rosetta, o guitarrista Erick Cruxen falou tudo sobre o novo disco, incluindo como foi trabalhar com Magnus Lindberg, do Cult of Luna, neste processo, e revela quando a banda volta à Europa.
LOUD!: Vocês acabam de lançar um disco novo, Divino Affiante Spiritu, o terceiro full da banda. Qual o significado por trás do nome? E há um tema principal que permeia o disco? Pergunto porque há faixas com títulos (aparentemente) em latim e outras em português, como Penitência e Vigília.
Erick: «Divino Afflante Spiritu» é mais um álbum conceitual do Labirinto; cada música é uma parte interligada desse contexto. Sempre buscamos compor nossas músicas alinhadas as nossas experiências cotidianas; nossa interação com a sociedade e a cultura em que estamos inseridos. Todas as composições surgiram, antes de tudo, de sentimentos e sensações.
O disco expõe a relação entre o sagrado e o profano que permeia a formação do pensamento ocidental, e a nossa organização social e cultural, através de um dos principais elementos do cristianismo; “o o corpo de cristo”. Através dessa relação, e da materialização do intangível, a sociedade procura justificativas para seus “defeitos” e mazelas, utilizando-a com mais uma forma de dominação e coerção. O disco também procura expressar o turbilhão de sentimentos que estávamos envoltos ao engendra-lo; principalmente a sensação de perda e impotência perante aos acontecimentos mundanos, como a morte. Os títulos das músicas refletem o conceito, e são oriundas do português, latim e hebraico.
Aliás, esse disco traz a primeira música com vocais da banda, em uma colaboração com a Elaine Campos (Rastilho). Como surgiu a ideia de fazer uma música com vocal agora, após tanto tempo? E como foi o processo de composição/encaixe dos vocais e das letras com ela (Elaine)?
Erick: Quando terminamos de compor a «Agnus Dei» imediatamente pensamos; “essa música ficaria muito boa com um vocal”, foi algo natural, e espontâneo. Pensamos na Elaine, pois além de admirarmos suas linhas de vocal gutural, o seu posicionamento político (anarquista e feminista) alinha -se com todos os membros do Labirinto.
Tivemos a facilidade de o Kiko já tocar com ela no Rastilho, onde ele também faz parte das letras. Ele a escreveu, e já imaginou a parte certa para inseri-la. Fizemos um ensaio, e já adoramos como ficou. Depois foi só gravar.
Ainda sobre essa faixa. O que acharam do resultado final? E pretendem repetir a experiência de gravar músicas com vocais no futuro?
Erick: Gostamos muito; foi uma experiência nova para gente. Acreditamos que a música ganhou força, e conseguimos transmitir os sentimentos que desejávamos.
Não estranhamos tanto, pois o processo de composição seguiu conforme todas as outras; não tivemos que construí-la ou limitá-la segundo os vocais. Mantivemos toda dinâmica e estrutura que costumamos fazer, e apenas encaixamos a voz. Futuramente, poderemos fazer mais músicas com vocais, desde que achemos apropriado.
Vocês assinaram com a Pelagic em 2016, sendo que eles relançaram o Gehenna, que tinha acabado de sair no Brasil, na Europa e outros mercados. Ou seja, o Divino é o primeiro disco que fizeram já como artistas da gravadora. Como foi fazer esse novo álbum por um selo de fora? Houve alguma diferença mais direta e/ou significativa no processo?
Erick: Certamente, o Divino teve um alcance muito maior e rápido que o Gehenna. Percebemos claramente, até pela maior repercussão, venda e streaming do novo disco; afinal, a distribuição da Pelagic é direcionada e voltada para diversos continentes.
Como você mencionou; já havíamos lançado o «Gehenna» quando assinamos com eles, mas não houve todo o planejamento e estratégia de divulgação (como singles, premieres, e clipes) como fizemos com o «Divino». Faz toda a diferença.
O álbum, que é de longe o mais pesado da banda, foi produzido pelo Magnus Lindberg, do Cult Of Luna, mas o processo aconteceu de maneira um pouco diferente, já que, ao contrário do Gehenna, quando o Billy Anderson veio para São Paulo, toda a comunicação com o Magnus foi feita pela Internet. Por isso, queria saber como foi essa experiência para vocês? Quais os principais desafios? E o que o Magnus trouxe para o disco e para o som do Labirinto, de forma geral, mesmo estando tão longe fisicamente?
Erick: Na verdade, o álbum foi produzido por nós mesmos. A Muriel ficou responsável pelas questões técnicas e contou com o auxílio dele à distância. Eles iam conversando desde o início das gravações, planejando as ideias para as sessões de captação. Isso foi bem bacana; poder estar sempre em contato com ele, desde o início das gravações, até a preparação das músicas pra mixagem.
No final, nós enviamos os áudios pela internet, e o Magnus mixou e masterizou no estúdio dele, em Estocolmo; este foi um momento do processo em que ele pôde contribuir muito. A mixagem mudou bastante a sonoridade das músicas, tornou tudo muito coeso e ainda mais pesado, mas mantendo a qualidade orgânica dos timbres, que é algo que tanto nós, quanto o Magnus, prezamos.
Vocês recentemente fizeram shows em que as vozes tiveram diferentes papéis. Em um deles, no lançamento do Divino, a Elaine participou da apresentação no Sesc Belenzinho, enquanto que em outra fizeram uma apresentação em conjunto com a poeta Maria Giulia Pinheiro. Como foram essas experiências um tanto diferentes do usual para vocês em termos de shows?
Erick: Foram experiências novas e surpreendentes. No caso da Maria Giulia, fomos convidados pelo SESC para participar desse projeto de música e poesia durante 2 dias. Adoramos fazer, pois os shows foram muito fortes e intensos, e mexeu com todos nós. Preparamos uma apresentação única e condizente com o teor denso da poesia dela. Tentamos sempre nos doar ao máximo nos shows do Labirinto, de forma que realmente transmita o que sentimos quando tocamos. As duas incursões dos vocais/poesia, permitiram-nos executar as músicas de uma forma diferente de como estávamos acostumados. Quando tocamos com a Elaine pela primeira vez ao vivo no SESC Belenzinho foi emocionante.
Após esses shows com o Rosetta pelo Brasil, quais os planos da banda para 2019? Alguma turnê planejada para a Europa em um futuro próximo? E, caso sim, há chances de voltarem à Portugal?
Erick: Sim, iremos para uma nova turnê pela Europa, entre meados de Maio e início de Junho. Ainda não fechamos todas as datas. Esperamos que toquemos em Portugal; todos os shows que fizemos por lá foram incríveis, onde fomos muito bem tratados, e fizemos grandes amigos.