Prestes a completar 10 anos de estrada, o Noala soltou no último mês de setembro o segundo disco da sua carreira – e o primeiro em cinco anos. Autointitulado, o novo álbum sucede «Humo», que saiu em 2013, e traz o quinteto de São Paulo em seu melhor momento, soando mais coeso e denso do que nunca.
Ao longo de quase 40 minutos, desde a abertura com a intensa e pesada «Lava Agni» até o fechamento com a épica «The Rain Falls Burning», o ouvinte é levado por uma viagem com elementos variados do metal, do progressivo e da música experimental, altamente indicada para fãs de nomes como Neurosis, Isis, Cult Of Luna e Rosetta.
Na entrevista abaixo, os guitarristas e vocalistas Alessandro e Marcos falam sobre os desafios enfrentados no processo de gravação e produção do novo disco, as recentes mudanças na formação da banda, o que pode (e precisa) mudar na cena metal/punk do Brasil, e os planos para o futuro.
Vocês lançaram recentemente um disco novo, autointitulado, que é o primeiro trabalho em estúdio da banda desde 2013. Por que levou tanto tempo entre esses lançamentos? E como tem sido a recepção do disco?
Alessandro: Tivemos alguns contratempos com nossos amigos que tocaram conosco no passado, questões relacionadas aos empregos e estudos. Ainda assim demoramos a finalizar nosso álbum, pois somos uma banda de trabalhadores e assim sendo, há diversas outras responsabilidades a dar conta. Cada um de nós tem seus trabalhos e assim temos de dar conta destas demandas.
Marcos: Foi de fato um longo tempo passado entre um lançamento e outro. Neste espaço passamos por diversas mudanças que demandaram mais de nossa atenção individual, mudanças de casa, rupturas de muitas ordens a saída do baixista Sandrinho (a primeira grande crise) que criou a cara da banda por anos conosco; do Rodrigo que ocupava a bateria desde o começo da banda e ao qual estávamos muito identificados. Stê saiu do sintetizador e foi pro baixo, ficamos sem teclas. Enfim, uma banda periférica avariada pelo capitalismo, nos tirando do foco de criação para que de alguma forma garantíssemos sustento pelo trabalho…isso cega de forma diferente em cada mesmo, o que fazer dentro deste sistema também acontece de modo diverso entre nós. Vivenciamos uma busca bem longa por uma forma de criar sons apesar dos desfalques, a gravação se deu dentro deste contexto. Para além disso, somos periféricos e isso implica muitas coisas no que tange ao acesso aos recursos. Contamos com diversas pessoas que nos apoiaram nesta construção do novo álbum e até em função disso ficamos, em muitos momentos, sujeitos as possibilidades de tempo disponível destas pessoas que ajudaram a construir isso. No meio tempo nunca paramos de ensaiar, hora sem baixo, hora sem sintetizador. Por mais que chato que seja, a crise nos trouxe mais formas de observar, escutar e de querer nosso som. O álbum novo é a guinada e reação a uma crise, do modo de pensar interação com a música, entre músicos e com o público. Ainda não consigo mensurar a recepção do público, do pouco que acompanho acredito que a resposta seja boa, isso é uma faca perigosa, pois por um lado pode significar, dentro do contexto de crise que ainda existe, que estamos atendendo aos padrões de expectativa do público que habitualmente nos acompanha, que estamos certinhos demais, num quadro de abolição estética em que queremos nos desvencilhar de qualquer molde pré-estabelecido. A resposta é boa, mas de fato não sei dizer como cada ouvido tem entendido o que criamos. Num próximo álbum, nossos novos interesses serão mais explícitos.
Avançando um pouco no assunto. Como foi o processo de composição e produção do novo álbum? O disco foi gravado e mixado/masterizado em diversos locais, certo? Isso afetou de alguma maneira o resultado final?
Marcos: Quando iniciamos a gravação, as músicas estavam incompletas e não sabíamos quem eram estas entidades ainda, apenas registramos todas as ideias de bateria e guitarra para ir lapidando depois. Uma das músicas (“Dharma”) foi feita de última hora, sem que ninguém soubesse além de mim e do baterista. Como disse, o Sandro havia saído da banda e não sabíamos como resolver o baixo. Acabei assumindo durante as gravações. Desde o inicio pensamos que este deveria ser um álbum no qual o baixo seria a maior referência para quem o escutasse, o lugar do peso. Gravamos em diversos estúdios, também influídos por um tanto de precariedade. Gravamos as baterias pela Rubber Tracks, na faixa (golpe de sorte). Como não tínhamos grana para continuar tudo lá, fomos para o estúdio Mestre Felino, o que foi uma experiência ótima, lá tínhamos mais tempo disponível para mexer com as cordas e teclas, uma boa aparelhagem e gente de fora observando o potencial de cada riff e arranjo junto conosco. Helena Duarte, Gabo e Danilo foram ótimos conosco, mas isso não evitou um hiato de processo que nos bloqueou a finalização do trabalho por pelo menos mais de 1 ano. Chegamos a pensar que tudo estaria perdido, este grande gap também influiu de modo que fez com que, alguns entre nós, perdemos um pouco do fogo do interesse pelas músicas, então elas perderam um pouco de força, nossos interesses foram mudando e estávamos com um álbum inteiro empacado, a impressão que eu tinha era a de que ele nasceria morto. Então chegamos na Dissenso e Muriel Curi botou empenho na coisa, confiou nas músicas e arranjou o som tal como esperávamos que fosse desde o começo, talvez até superando nossas expectativas. Por fim, a Luana Moreno fez nossa master e conseguiu trazer pra frente algumas camadas marcantes de cada som. A mixagem foi um segundo processo de composição e foi ali que conseguimos conhecer nosso álbum. Cada pessoas que botou a mão nestas músicas colocou uma marca muito positiva sobre elas.
Aliás, o álbum mostra uma banda que parece mais confortável com o próprio som, no sentido de as músicas soam de forma mais natural, vamos dizer – as influências do metal, pós-metal e pós-rock, entre outras, estão lá, é claro, mas tudo soa mais coeso e único. Concordam com isso? E o que acharam do “produto final” como um todo?
Marcos: Esse álbum aconteceu meio que como um quebra-cabeças, muita gente se envolveu na produção dele, e diferente do que ocorreu no Humo, neste novo respeitamos as demandas de cada música, considerando a coerência e coesão, deixando de lado demandas da ordem individual autocentrada. Há momentos em que as músicas abrem, brilham e momentos em que fecham. A obra, no todo respira muito bem, tem flexibilidade, o resultamos do trabalho é o que procurávamos naquele contexto. O riffs tem muita abertura para modificações nos lives. Durante o período de composição fomos abandonando alguns aspectos mais característicos do metal, e isso também implica em deixar de lado preocupações estéticas que nos liguem a qualquer subgênero em específico. Embora já estivéssemos em algum momento mais ligado com tendências, hoje acreditamos que cada música guarda muitos referenciais em si, assim como cada um de nós temos referências amplas, preferimos abrir espaço para que cada ouvinte cave suas próprias conexões referenciais a partir de nossas músicas. O que sabíamos por certo é que não queríamos criar frequências deprimentes, mensagens deprimentes…assim como queremos nos ver movendo ações boas, gostaríamos que as pessoas ouvintes encontrassem no álbum um bom recurso para ganhar fôlego e viver a vida.
Alessandro: Ter um projeto musical a meu ver e desenvolver essa linguagem ao extremo e como nós somos bem tranquilos enquanto nosso tempo de realizar as coisas, foi natural a chegada nesse patamar. Desenvolver as músicas, ter apreço pelas mesmas e executá-las de formas diversas também. O resultado final é um ponto, mas seguimos ajustando nossas músicas ao que sentimos e tentamos realizar transformações num sentindo de dar uma nova cara sem que perca a identidade
Ainda nisso. Vocês passaram por algumas mudanças na formação nos últimos. Isso afetou a sonoridade da banda de alguma forma mais direta? Caso sim, como?
Marcos: Existe uma correspondência entre o que há de objetivo nos novos sons e a própria formação da banda quando compusemos tudo. A banda estava menor em 2015. Ter que resolver demandas que não dominávamos tão bem nos forçou a ser práticos. Este é um ponto. Agora estamos com o Caio na batera e com o Pedro nos eletrônicos, são entradas muito felizes para nós, pois são pessoas que sabem falar sobre mais coisas do que metal e cervejas, tudo o que conseguimos construir juntos é importante para as músicas. Caio vem do punk, mas fez bastante estudo de jazz. Pedro tem o mesmo interesse que eu por música eletrônica. O mais legal disso tudo é que agora todos nós queremos mais da música em si do que do metal ou de qualquer gênero em específico. Já estamos percebendo mudanças na textura e velocidade impressas nos sons, e tudo se encaminha para algo mais groovy acredito. Os ensaios continuarão e novas gravações surgirão, só depois disso poderemos mensurar o que está acontecendo com as nossas vontades.
No show de vocês com o Eyehategod, em São Paulo, o Marcos falou sobre a falta de representatividade e inclusão no metal, de forma geral. Acham que a situação melhorou nesses anos todos que a banda está na ativa? E pensam que, frente ao momento vivido pelo Brasil (e pelo mundo), com esse avanço conservador, passou a ser mais importante as bandas/artistas se posicionarem sobre questões políticas e sociais?
Marcos: Fiz uma fala no show do EHG, parecida com a que faço em todos os outros contextos em que piso e que são caracteristicamente brancos. Ela não vem no sentido de solicitar que abram as portas para outras minorias e sejam inclusivos, visto que muitas minorias sociais, como a população negra já criou referenciais estéticos, canais de transmissão de mensagens e estratégias de intervenção política mais eficazes do que as que estão disponíveis no punk ou no metal, dois contextos em que as pessoas não se dão conta de sua branquitude em termos de padrão de relacionamentos, comunicação e produção estética, nisso apenas reforçam privilégios sem se darem conta de que pendem para o lado que pesa em prol do reforço das desigualdades, acreditando serem progressistas, anarquistas etc. De modo geral, trouxe para o contexto da festa que pessoas brancas no punk e no metal, tem festejado psicodelicamente sem procurar diálogos mais amplos com outros grupos sociais, sem visitas a estes outros grupos, em outros contextos de criação e troca. Esta cena é predominantemente masculina, e lá não se fala sobre problemas da masculinidade, não criamos alternativas para lidar com nossos padrões mais nocivos. Ainda se fala sobre bombas e zumbis, ao passo que gays tem falado de fato sobre liberdade de corpo e de pensamento, que mulheres tem versado sobre terem opções de escolha e a negritude tem falado sobre descolonialismo. Em uma era de redes vejo pessoas brancas, no contexto da música pesada, extrema, marcadas pela infantilidade do consumo fetichista (discos, pedais, visu, games) ilhados longe do contato com grupos que podem emprestar bons insights para que a música pesada possa novamente ter alguma força que incomode as estruturas de opressão. A ideia da fala é alertar no sentido de que brancos ganhem consciência de raça, e dentro de um quadro de desigualdades estruturais reconheçam seus lugares privilegiados e ajam de modo anti racista, para o bem de si e de outrem. Do contrário, o grupo permanece reproduzindo o cosplay de colonizador sem ter consciência das opressões que se abatem sobre si.
Sempre faço essa. Por favor, me digam três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Marcos: Discos voadores, Freios de disco, Hérnia de Disco…zueira. Cara, nem curto tanto falar destes discos, porque são realmente muitos, e ainda assim, da minha adolescência para cá foram tantas, mas tantas músicas que não dá para fazer um recorte justo. Nirvana pesa morto para mim, e esta banda branca que tanto me influiu na adolescência, hoje o melhor momento da minha vida significa algo mais complexo, passível de muita critica. Então trago algumas influências relativamente recentes que me ajudam a pensar composição, textura, espacialização e mixagem. Gosto de música que evoca imagem e que abre o dia, a mente, que acolhe aos encontros. Então vão as dicas que me afetam muito atualmente. Nils Frahm – Spaces Mark Ernestus – Yermandade Rincon Sapiência – Galanga Livre
Alessandro: Olha, são tantos discos e memórias que me resgatam à adolescência inclusive…prefiro citar bandas e o Dead Kennedys foi muito importante em minha formação, assim como Black Sabbath, Neurosis, Sepultura, Cartola, Racionais Mc´s, Jorge Ben, Ratos de Porão e tantas outras bandas/artistas que me marcaram profundamente.
Para terminar, quais os próximos passos do Noala?
Alessandro: Tocar, conhecer pessoas…afinal o disco esta aí e quero mostrá-lo ao mundo.
Marcos: Queremos criar bons encontros com a nossa música, provocar conversas, trazer gente engajada na vida e na mediação das relações para tocar conosco, nos ver transitando para além dos espaços que são mais habituais para a banda.