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SWR 2024: Os clássicos nunca passam de moda [24-27.04.2024]

Numa edição em que se viram muitos concertos bons, bandas como CANCER, TERRORIZER, I AM MORBID, TANKARD e BLASPHEMY deram ao SWR – Barroselas Metalfest uma aura de nostalgia.

Há quem se refira a ele como o “Natal” do movimento underground nacional, mas por exagerada que a expressão possa parecer, acaba por fazer todo o sentido. Mais que uma maratona de concertos ou uma mostra de talento, este é o reencontro de muita gente que se vê só uma vez por ano, e só ali mesmo — no SWR – Barroselas Metalfest.

Nas estruturas, já familiares, montadas em espaço do Grupo Desportivo local, vive-se a proverbial festança há 24 edições. São 25 anos de calendário, 24 de festival porque assim a pandemia o decretou, desde que uns miúdos desta vila minhota resolveram juntar os seus contactos, conseguidos através da fanzine Metalúrgia, para celebrarem o 25 de Abril de 1998 com um concerto.

Na altura era “só” um daqueles festivais locais, para escassas dezenas de pessoas, com alguns nomes de peso no cartaz: AVULSED, AGONIZING TERROR, DEFAULTER, KAMIKAZES e CASABLANCA actuaram na primeira edição. Mal sonhariam, miúdos, bandas e público presente, que, logo no ano seguinte, já tivesse vindo gente de outros pontos do país e que estava ali a nascer um dos festivais mais acarinhados e bem-conceituados do metal nacional — e um exemplo que originaria outros festivais por todo o país. Um caso de sucesso que, todos os anos, leva fãs a agendar férias e a organizar viagens a partir de toda a Península Ibérica.

Um quarto século depois, na sequência do SWR Feast de 2022 a meio-gás (ainda assim, um rico gás) e do regresso à normalidade com alguns ajustes em 2023, eis-nos perante um SWR – Barroselas Metalfest de novo em velocidade de cruzeiro, sem grandes arestas a limar e apenas um cancelamento registado. E sim, este foi mais um daqueles Barroselas a sério, à moda antiga, num total de quatro dias de concertos, a começar às cinco da tarde e a acabar às horas… que Satanás bem lhe apetecer, para a maioria dos que estão ali.

Como já ninguém tem realmente paciência para relatos lineares, nem este festival se presta a convenções desse género só porque sim, damos a volta ao texto para trazer, acima de tudo, os sentimentos principais depois de mais uma experiência imersiva no solo sagrado do SWR.

OS CLÁSSICOS NUNCA PASSAM DE MODA

Num ano em que se viram muitos concertos bons, mais ainda do que já é habitual, não há como negar que, apesar de se perceber que anda por ali malta jovem e que o público se tem renovado, tornou-se bastante óbvio que há cada vez mais uma aura de nostalgia no ar. O que é familiar é bom? Sem dúvida que sim. No SWR 24 ficou muito bem vincada essa ideia de que a música que ouvimos na adolescência (ou por aí) parece-nos sempre mais apelativa que qualquer coisa que tenhamos escutado numa idade mais adulta.

Mais que uma falha de discernimento como crítico, mais que um fenómeno cultural, a nostalgia musical é um comando neurológico. Neste caso, o que a ciência nos diz ficou provado em cinco espectáculos que, espalhados de forma eficiente pela duração do evento, mantiveram satisfeita a facção que melhor aceita o saudosismo.

CANCER + TERRORIZER

Pois bem, a primeira viagem nostálgica do SWR 2024 aconteceu com a subida a palco dos CANCER, que, convenhamos, não causaram a melhor das impressões… A ideia não é estarmos aqui a “bater” na banda, que é hoje o líder John Walker e gente dos Wormed e Teething. Longe disso. São músicos competentes, que mostraram estar bem coesos, o grande problema é que os CANCER nunca foram propriamente uma das propostas mais consistentes (ou inspiradas) do death/thrash e isso notou-se no alinhamento.

Como tal, só os temas de «To The Gory End» e «Death Shall Rise» foram capazes de oferecer algo que se possa considerar um pouco acima da mediania. O resto, manteve a plateia entretida, sim, mas não passou disso.

Logo a seguir, numa aposta em dose de nostalgia back to back, os TERRORIZER tiveram bastante melhor sorte. O caminho até ao SWR não foi propriamennte fácil. Caso não de recordem, a banda tinha estado anunciada originalmente para a edição adiada pela pandemia e demorou quatro anos a chegar ao SWR. O mais curioso é que aterraram uma banda substancialmente diferente da que tinha sido contratada na altura.

Flashback informativo: durante sete meses algures entre 2020 e 2024, sem que se tivesse percebido bem porquê, Pete “Commando” Sandoval, o baterista e líder dos grindsters veteranos, decidiu “enterrar” os TERRORIZER de uma vez por todas. Pouco tempo depois, deu o dito por não dito, e reactivou a banda com dois companheiros dos I AM MORBID, David Vincent no baixo e Richie Brown na guitarra, e Brian Werner (ex-Monstrosity e Vital Remains), na voz.

Pese o facto deste último se ter esquecido que o clássico álbum de estreia dos TERRORIZER se chama «World Downfall» (“35 years ago, this band released an album called WORLD DOMINATION”, exclamou ele para estupefacção de grande parte da plateia) e de estar a dar o primeiro concerto com esta nova formação, o quarteto fez o que tinha de fazer, que foi debitar petardos de grindcore seminal, com o Sr. Sandoval a assinar uma prestação avassaladora. Não importa que, dentro e fora do palco, a energia já não seja a mesma. Também não importa o quão sofisticados os nossos gostos se possam ter tornado. No final, o cérebro continua obcecado por aquelas músicas que nos marcaram.

Os TERRORIZER, felizmente, têm muitas dessas e, apesar de terem tocado outras tantas do período pós-formação lendária, dispararam-nas como tiros certeiros dirigidos uma plateia que estava ali exactamente para levar uma sova sónica. Houve «After World Obliteration» a abrir o pit, «Storm Of Stress» e «Fear Of Napalm» a puxarem pela garganta do público e, umas atrás das outras, a «Human Prey», a «Corporation Pull-In» e a «Strategic Warheads». Mais adiante ainda houve tempo também para ouvir a «Enslaved By Propaganda» e mais umas quantas pérolas, mostrando que os músicos sabem exactamente onde está o baú do tesouro.

Para começar, e pelo meio, houve «Hordes Of Zombies», «Caustic Attack» e outras tantas que podem não ficar para a história, mas, mesmo assim, nos deram oportunidade de ouvir o Sr. Vincent a fazer boa figura a tocar temas que não gravou, naquela que foi a sua primeira aparição (de sempre!) com a banda. O único senão mais gritante? Podiam ter fechado logo com a «Dead Shall Rise» e, de volta ao «World Downfall», faziam um brilharete, mas decidiram que tinham mesmo de tocar mais uns temas recentes (e menos memoráveis) antes de saírem de cena.

I AM MORBID

Com a dupla Vincent/Sandoval a marcar uma forte presença no SWR, os I AM MORBID eram outra das grandes curiosidades da edição deste ano. Eram, de resto, uma das grandes atracções do Dia 2 e é inútil entrar por aqui em conversas do género “NO AZAGTHOTH = NO MORBID ANGEL”. É escusado, mesmo. Toda a gente sabe quão importante o homem é, toda a gente sabe da quota-parte que teve ao escrever alguns dos álbuns mais marcantes do boom do death metal dos 90s. Não há dúvidas relativamente a isso.

Por outro lado, também não há como negar que, mesmo sabendo que estes I AM MORBID têm 2/3 da formação clássica (enquanto actualmente os M.A. têm apenas 1/3), é difícil afastar o preconceito de que estamos perante uma banda de “tributo” glorificada. Pois bem, dúvidas restassem, essas desvaneceram-se quando os músicos abriram o espectáculo com um furacão chamado «Immortal Rites» e assinaram um concerto a roçar a perfeição.

Por esta altura ainda estávamos divididos… Seria boa ideia que tocassem o «Altars Of Madness» do início ao fim, para assinalarem o 35.º aniversário do álbum como vão fazer na edição deste ano do Milwaukee Metal Fest? Ou seria melhor ouvir um alinhamento com os temas mais icónicos? Ao atacarem a seguir a «Fall From Grace», do «Blessed Are The Sick», facilitaram-nos a vida desde logo e o que se seguiu foi um autêntico desfilar de clássicos.

Com a dupla de guitarristas formada por Richie Brown e Bill Hudson em grande forma, fora algumas intonações estranhas por parte de Vincent e o faux pas na «The Lion’s Den», em que entraram num loop durante uns minutos, à procura da saída, mantiveram-se estoicos, a debitar com classe os temas que toda a gente queria ouvir.

Como seria de esperar, o combo «Maze Of Torment» + «Dominate» fustigou pescoços num dos pontos mais altos da noite e, quiçá para poupar Pete Sandoval (que tem 59 anos e assinou duas actuações sem mácula no espaço de apenas 24 horas), os músicos reservaram três temas mais lentos para encerrar esta actuação. Os riffs ENORMES de «Where The Slime Live», «God Of Emptiness» e «World Of Shit (The Promised Land)» não deixaram pedra sobre pedra no solo sagrado de Barroselas.

TANKARD

Não menos importante (ou impactante) foi, no Dia 3, o espectáculo dos thrashers germânicos TANKARD, que retornaram a Portugal depois de oito anos de ausência e que, com a novidade «Pavlov’s Dawgs» além de inúmeros clássicos na bagagem, prometiam mais uma actuação bem regada de cerveja — e cheia de energia. Foi o que se passou, mas com poucos temas do novo disco e muitos clássicos, o que só veio intensificar ainda mais os tais níveis de nostalgia que já andávamos a cheirar há uns dias.

Estes alemães são, para todos os efeitos, um verdadeiro fenómeno à parte de qualquer outro. Lembram-se quando, ali na viragem do milénio, o Fenriz nos revelou que ter um emprego era o sucesso para a longevidade dos Darkthrone? Pois bem, menos misantropos, estes veteranos ainda fizeram umas quantas tours nos anos 80, mas chegaram à conclusão de que havia formas mais fáceis de pagar as contas do que estar em palco todas as noites. Actualmente, agem como um grupo de velhotes, que se juntam para jogar uma cartada ou ir à pesca… Só que, no caso dos TANKARD, a diversão é debitar thrash e tocar ao vivo.

Mais de quatro décadas depois e após um dos maiores períodos de inactividade de sempre, muito por causa de uma lesão que levou o vocalista Guerre a ser operado no início deste ano, os músicos voltaram por fim aos palcos no SWR – Barroselas Metalfest e mostraram uma vitalidade impressionante. Neste que foi o primeiro espectáculo que deram em 2024, os quatro veteranos comportaram-se como gente com metade da sua idade, e destilaram uma energia imparável sempre com um sorriso estampado no rosto.

O que, verdade seja dita, não deve ser assim tão complicado quando uma banda tem no repertório autênticos hinos do thrash festivo como são os casos de «The Morning After», «Chemical Invasion», «Zombie Attack» ou «(Empty) Tankard», tocados com uma habilidade tremenda e a serem recebidos em delírio por uma plateia que, até aquele momento, ainda não tinha estado tão apinhada de gente.

No final da actuação curta e concisa, o bom do Guerre, sempre com a barriga (de cerveja, claro) a espreitar por baixo da sua t-shirt, ainda pediu desculpa por não estar 100% recuperado, mas não é como se tivéssemos dado por isso enquanto estes foliões estiveram em palco.

BLASPHEMY

Tempos houve em que achámos piada a estar em Barroselas e comentar para o lado: “Ora aqui está uma banda que nunca conseguirias explicar à tua mãe”. Também continua a haver espaço para essas no SWR. São propostas para um nicho dentro de um pequeno nicho, mas que aqui estão. Coisas que, alguns, “estranhamente”, até acabam por apreciar, mesmo que não saibam explicar bem porquê.

A propósito desta estreia em Portugal, escrevemos: “BLASPHEMY!!! Alguém consegue pensar num nome mais adequado para encabeçar um evento com DNA mega brutal no corpo (e na alma) como é o SWR – Barroselas Metalfest? São uma daquelas bandas que começam a escassear, que têm “a cara” do evento chapada de alto a baixo e que, por razões que só o destino conhece, nunca tinham passado pela irredutível vila minhota ou sequer pelo nosso país.

Pois bem, a situação alterou-se no último fim-de-semana de Abril, com o porta-estandartes do culto macabro de Ross Bay a estrear-se, por fim, em solo luso no palco maior do SWR. Convenhamos, depois da festança que foi a actuação dos party thrashers TANKARD, a malvadez dos BLASPHEMY soou ainda mais contundente, como se de uma lavagem sónica espiritual se tratasse.

Já com muita gente a acusar três dias passados em pé a levar com brutalidade a rodos, aquilo que foi um bâlsamo para uns, revelou-se uma proverbial tortura cacofónica para outros tantos, que, hipnotizados, se deixaram ficar a levar com o furação de riffs monocórdicos, batidas acutilantes, guitarras desenfreadas e o berreiro marcial do Nocturnal Grave Desecrator And Black Winds.

Cuspindo uma mistura cáustica de black, death metal e grindcore, os músicos canadianos são, por estes dias, expoentes máximos da facção mais arcaica e abrutalhada da música extrema e, no SWR, não deixarem os seus créditos por mãos alheias. Artilhado até mais não, com as habituais pulseiras de cavilhas, as correntes de aço e os cintos de balas em excesso a invocarem o espírito das lendas Sarcófago, o quinteto apoiou-se no seu fundo do catálogo, onde constam apenas dois álbuns de originais, para fustigar os presentes com uma descarga decibélica de proporções Dantescas.

Ajuda, e muito, claro, que tanto o «Fallen Angel Of Doom» como o «Gods Of War» sejam vistos como clássicos, altamente influentes e indiscutíveis entre os indefectíveis do som mais triturador. Nesse sentido, a abertura com a «War Command», do segundo LP, colocou, como seria de esperar, toda a gente em sentido, e o que se seguiu foi uma descarga de decibéis sem precendentes no solo barroselense.

No centro do palco, o guitarrista Caller Of The Storms encarava a multidão por trás das lentes dos seus óculos e, na plateia, os fiéis uivavam em aprovação, à medida que petardos como «Blood Upon The Altar», «Desecration», «Emperor Of The Black Abyss» ou «Fallen Angel Of Doom» se sucediam, uns atrás dos outros, sem piedade ou clemência.

Sem espaço para conversas ou teatro, os BLASPHEMY preferiam deixar o seu trabalho falar por si e, verdade seja dita, para o melhor e para o pior (porque são uma daquelas bandas que se ama ou se odeia), não deixaram ninguém indiferente no SWR 2024.

A imagem do header da Rita Mota, cortesia do SWR – Barroselas Metalfest.