No passado fim de semana, os membros sobreviventes dos SOUNDGARDEN subiram a palco e assinaram uma celebração carregada de emoção, que uniu gerações e reafirmou a alma roqueira de Seattle.
Três décadas após teren ajudado a moldar o som e a atitude do grunge, os SOUNDGARDEN subiram ao palco durante a cerimónia de indução no Rock & Roll Hall Of Fame com a força e a emoção que sempre definiram a sua música. Num momento de comunhão entre passado e presente, a banda regressou para uma actuação marcada pela ausência sentida de Chris Cornell, mas também pela presença simbólica das suas filhas, Lily e Toni Cornell, e de um grupo de convidados que espelhou a força duradoura da cena de Seattle.
A cerimónia começou com uma introdução surpreendente do actor Jim Carrey, cuja amizade com Cornell e com os SOUNDGARDEN remonta há várias décadas. Num tom simultaneamente cómico e terno, Carrey descreveu o vocalista como “um homem que gritou a dor do mundo e, de alguma forma, fez dela beleza”. Seguiu-se uma homenagem emocionada de Lily Cornell, a filha mais velha do músico, que falou sobre o impacto humano e artístico do pai, lembrando-o como “um poeta que nunca deixou de acreditar no poder da vulnerabilidade”.
A partir desse momento, o palco pertenceu aos membros sobreviventes dos SOUNDGARDEN — Kim Thayil, Ben Shepherd e Matt Cameron — e a um conjunto de convidados cuidadosamente escolhidos. A primeira canção da noite, «Rusty Cage», ganhou nova vida com a voz de Taylor Momsen, dos THE PRETTY RECKLESS, cuja entrega visceral evocou a fúria controlada que Cornell eternizou. Momsen já tinha partilhado o palco com os músicos remanescentes dos SOUNDGARGEN em 2022, durante o concerto de homenagem a Taylor Hawkins, e a familiaridade foi palpável.
Em seguida, Brandi Carlile, que também homenageara Cornell em 2019, assumiu o microfone para uma interpretação comovente de «Black Hole Sun». A sua leitura, assente em emoção pura e numa entrega quase espiritual, fez o público levantar-se em silêncio respeitoso antes da ovação. Carlile — natural de Seattle — simbolizou a continuidade entre o passado e o presente da cena que deu ao mundo bandas como os SOUNDGARDEN, PEARL JAM, ALICE IN CHAINS e NIRVANA.
O espírito dessa irmandade foi reforçado pela presença de dois dos pesos mais pesados do grunge: Mike McCready, guitarrista dos PEARL JAM, e Jerry Cantrell, dos ALICE IN CHAINS. A junção das três guitarras — Thayil, McCready e Cantrell — criou um muro de som intenso, relembrando o público de que o grunge sempre foi mais do que uma estética: foi uma linguagem emocional partilhada.
Durante os seus discursos de aceitação, os membros sobreviventes sublinharam o papel de Seattle como o epicentro da sua identidade artística.Kim Thayil, o guitarrista dos SOUNDGARDEN, foi bastante claro: “Ter os nossos amigos e colaboradores de Seattle connosco é essencial. Não somos apenas uma banda de rock; somos uma banda que ajudou a criar o som da nossa cidade. Essa geografia faz parte de quem somos.” A afirmação, carregada de orgulho e melancolia, soou como uma carta de amor à cidade que moldou toda uma geração.
Mas o momento mais tocante da noite chegou no encerramento, quando Jim Carrey regressou ao palco para apresentar Toni Cornell, a filha mais nova de Chris. Acompanhada por Nancy Wilson, das HEART, na guitarra acústica, Toni — agora com 21 anos — interpretou a colossal «Fell On Black Days» com uma vulnerabilidade que fez o tempo parecer suspenso. As câmaras mostraram lágrimas discretas entre os músicos e o público. A jovem cantora, que já tinha uma versão de «Nothing Compares 2 U», de Prince, gravada pelo pai antes da sua morte, mostrou que o legado Cornell e dos SOUNDGARDEN não é apenas musical, mas também humano e intergeracional.
Com Cantrell, McCready, Wilson e Carlile — todos com raízes profundas em Seattle — no palco, a cidade voltou a ser o coração pulsante da noite. A ausência de Cornell, embora omnipresente, foi transformada em celebração. O espírito do vocalista pairou sobre cada acorde, cada verso e cada olhar trocado entre os músicos.
Importa ainda recordar que, para muitos, a entrada dos SOUNDGARDEN no Rock & Roll Hall Of Fame representou o encerramento simbólico de um ciclo: com NIRVANA e PEARL JAM já consagrados, resta agora apenas os ALICE IN CHAINS para que se complete o panteão do grunge. No entanto, mais do que um marco histórico, a cerimónia de 2025 foi um tributo à resiliência da música nascida das ruas húmidas de Seattle, que transformou dor em arte e introspeção em catarse colectiva.
Antes de sair do palco, Thayil deixou no ar uma promessa há muito aguardada pelos fãs: o lançamento de um álbum póstumo dos SOUNDGARDEN com material inédito gravado com Chris Cornell. A noite, que começou como uma homenagem, terminou com a sensação de um renascimento — o som de uma banda que, mesmo sem o seu coração físico, continua a pulsar intensamente na alma do rock.















