Entre guitarras afiadas, heranças tribais e o habitual caos eléctrico, Max Cavalera explica por que é que o «Chama» é o disco mais feroz dos SOULFLY em décadas.
O universo dos SOULFLY voltou a pegar fogo com «Chama», um álbum que marca não só o regresso a uma ferocidade há muito aguardada, mas também uma afirmação clara de vitalidade criativa. Longe de viver à sombra do passado, Max Cavalera reaparece aqui com a determinação de quem ainda sente que tem algo urgente a dizer — e, acima de tudo, de gritar ao mundo. Há uma energia crua, quase selvagem, que percorre todo o disco, revelando uns SOULFLY movidos por instinto, mas também por uma vontade profunda de renovação.
O título não surge por acaso: «Chama» é metáfora, identidade e manifesto. Representa a persistência de uma força interior que nunca se extinguiu, mesmo após décadas de estrada, uma série de mudanças de formação, reinvenções sonoras e um legado que atravessa vários momentos do metal moderno. É um fogo que não arde só para iluminar o caminho, mas que consome e transforma — e essa transformação está no centro da nova fase do projecto.
Nesta conversa com a LOUD! e o Metal Global, Max fala com a transparência que o caracteriza sobre a criação do álbum, sobre a intensidade visceral que procurou, sobre o impulso quase “perigoso” que guiou cada riff e cada grito. Explica também o papel absolutamente fundamental do filho Zyon, cuja abordagem à produção abriu novas portas sonoras e ajudou a moldar o carácter abrasivo do disco. E, no meio de tudo isto, regressa às raízes espirituais e tribais que sempre alimentaram a identidade dos SOULFLY, mas agora com um olhar renovado, mais maduro e mais focado no impacto emocional da música.
O resultado é um disco que tanto celebra a herança dos SOULFLY como assume sem hesitações o rumo para o futuro — um futuro que continua intenso, impetuoso e profundamente marcado pela visão única de Max Cavalera.
Estamos aqui para falar dos SOULFLY e do novo álbum ,«Chama». Podemos começar precisamente pelo título. “Chama”, para quem fala português, pode ter dois significados: fogo ou chamamento. Que “chama” é esta?
Bem, a ideia do nome veio, logicamente, do Alex Pereira, o lutador da UFC, que usa a «Itsári», do «Roots», para entrar no ‘octagon’. É algo muito porreiro, e ele usa sempre essa frase da “chama”. Para mim, relaciona-se mais com o fogo mesmo, com a paixão. Sinto que este disco dos Soulfly…
Não sei bem, parece que redescobrimos o amor que tenho pelas coisas tribais, indígenas, pelos grooves – muito daquilo que estava no início dos Soulfly, em termos de atitude. Só que o som está mesmo misturado com muita coisa nova, inclusive umas barulheiras electrónicas que o Zyon e o Arthur [Rizk] criaram. Mas, para mim, o nome significa fogo, sim — uma fogueira, o interior da chama, algo que está a arder de verdade. E acho que combina muito bem com a capa, com os guerreiros do Apathy Crow. Ficou muito fixe.
Senti uma crueza que me levou de volta à primeira vez que ouvi o «Show No Mercy» e o «Hell Awaits», dos Slayer. É bruto, tem uma energia difícil de explicar. Dei por mim com vontade de dar uns pontapés no ar.
Que bom!
Ainda assim, o álbum não vive só do groove e dos elementos tribais. Há muito mais ali. A energia que este LP transmite… Confesso que já não ouvia isto num álbum dos SPULFLY, ou até de outra banda qualquer, há muito tempo.
É muito bom ouvir isso. E também sinto o mesmo. Há coisas realmente brutas neste disco, como a «Ghenna» ou a «Black Hole Scum». A própria «Nihilist» é muito influenciada pelos Entombed — é praticamente uma mistura de «Left Hand Path» com «Wolverine Blues», e a música é dedicada ao L.G. [Petrov].
Além disso, a primeira faixa do disco, a intro «Indigenous Inquisition», é uma das coisas mais pesadas que fiz na minha carreira. O som da guitarra ali é mesmo pesadíssimo, com a bateria em cima e aqueles barulhos todos. Por isso concordo: é um disco mesmo brutal. Acho que, quando o ouves, ficas nervoso.
É isso, deixa-nos nervosos.
Era precisamente isso que eu queria — um disco que deixasse as pessoas à beira do caos, nervosas, com ansiedade.
Ainda bem que estava sozinho quando o ouvi, porque, se estivesse com amigos, provavelmente acabava tudo à chapada.
Também deve ser bom para conduzir. Dá para ir bem rápido.
Não vou experimentar isso ao volante, senão dá asneira!
[risos]
Achei a comparação ao «Show No Mercy» muito curiosa. Não, obviamente, musicalmente, mas aquela sensação cruel, crua, primitiva… Fez-me pensar nesse disco dos Slayer.
Eu ainda não tinha pensado nisso assim, mas tens razão. Neste disco dos SOULFLY recuperámos aquela crueldade sonora, aquela crueza primitiva do metal — guitarras afiadas, nervosas, brutais. Este disco tem muitas partes assim, muito pesadas e rápidas. a «Favela Dystopia», por exemplo, é uma música de que gosto muito — fala das favelas do Brasil, mas o som acabou a soar a Hatebreed misturado com Sepultura antigo e Napalm Death. São coisas que ouvimos muito.
E gostei dessa comparação com o «Show No Mercy». Agora que falaste nisso, consigo ver a ligação. Essa energia cruel e nervosa está lá.
Lembro-me que, quando ouvi o «Show No Mercy» pela primeira vez, parecia perigoso. Sentia que quem tocava aquilo era perigoso. Ao ouvir este disco dos Soulfly, sinto que ninguém está a salvo — especialmente ao vivo, no pit.
É isso! Mas no bom sentido. [risos]
A «Storm The Gates», por exemplo, parece saída do primeiro álbum dos SOULFLY.
Sem dúvida. Tem aquela vibração tribal do início, mas depois temos a «No Pain = No Power», que tem uma série de convidados — o Dino [Cazares], o Gabe [Franco], o Ben [Cook] dos Unto Others e dos No Warning. E ainda tem um coro melódico feito por cantores mesmo. Isso remete-me muito para o que fizemos no «Primitive», que era um disco cheio de convidados. Nesse álbum colaborei com o Corey Taylor, com o Tom Araya, com Sean Lennon…
Foi fixe trazer esse espírito de volta para o «Chama», mas desta vez com convidados que o pessoal não estava à espera. Acho que ninguém imaginava o Gabe ou o Ben num disco dos Soulfly. A letra também é fixe: a ideia de que, para chegares ao poder, tens de passar pela dor. Às vezes a dor é mais importante do que o próprio poder. E foi um tema que fizemos com o Dino, dos Fear Factory, o que foi brutal. Ele andou em digressão connosco algumas vezes.
Quando começou o processo de composição? Quando é que começaram a reunir ideias para aquilo que é agora o «Chama»?
Já passou bastante tempo desde o «Totem», por isso fomos trabalhando pouco a pouco. Para mim, tudo começa nos riffs. E fiz muitas jam sessions com o Zyon — vivemos a 10 minutos do local de ensaio, por isso conseguimos ir para lá quando quisermos. Passámos semanas lá fechados a tocar, o que foi muito produtivo. Estávamos sempre a ouvir música para ganhar inspiração. Desde Dying Fetus ou Obituary até Turnstile. Ouvíamos de tudo e isso alimentava os riffs.
Mas, depois, o disco ganhou carácter no estúdio, quando começámos a organizar as canções e a trazer convidados. O Todd Jones dos Nails canta na «Nihilist». O Michael Amott fez o solo em «Ghenna». Foi um processo lento, mas muito bom por causa disso mesmo — sem correrias. Cada música ganhou identidade própria. [pausa] Também queria destacar a «Always Will, Always Will Be». É quase instrumental, e canto-a em português. Há muita coisa pouco ortodoxa neste disco. Como a «Always Will, Always Will Be» flui para a instrumental «Soulfly XIII», e depois para a «Chama», que fecha o álbum… ficou muito interessante. A transição ficou brutal.
Confesso que, para mim, este nvo disco dos SOULFLY foi uma surpresa enorme — pela brutalidade inicial e por tudo o que já falámos: tribalismo, electrónica, barulho bem colocado… E o Zyon assume um papel muito importante ao ocupar o lugar de produtor. Deste-lhe as rédeas. Sentiste que estava preparado?
Acho que estava preparadíssimo, especialmente após ouvir o resultado. Para mim foi uma escolha muito curiosa, porque sempre trabalhei com grandes produtores: o Andy Wallace no «Chaos A.D.», Scott Burns no «Beneath The Remains» e «Arise», o Toby Wright no «Primitive». E sempre senti que o papel de um produtor é tirar o melhor de ti — aquilo que não consegues tirar sozinho.
Por isso, quando falei com o Zyon, disse-lhe: “Produz o disco, mas não aceites todas as minhas ideias. Desafia-me.” Ele fazia isso. Eu mostrava riffs e ele dizia: “É fixe, mas podemos fazer melhor.” Era sempre a puxar mais — mais trabalhado, mais agressivo, mais avançado. E depois vêm as ideias dos barulhos, das camadas sonoras… Com headphones, ouve-se tudo. Os dois — ele e o Arthur — pareciam cientistas malucos num laboratório. (risos)
E é bom experimentar coisas novas, porque o desafio faz evoluir.
100%! É isso mesmo. Foi brutal ter esta equipa reunida — eu, o Zyon e o Arthur — três cabeças a puxar em direcções diferentes, sem medo do que é novo. Também há músicos que têm medo da música, do desconhecido. Ficam paralisados. Eu não consigo ser assim. Gosto do desafio. Gosto dos pedais malucos, dos barulhos espalhados pelo disco — na «No Pain = No Power», no final, há loucuras sonoras; em «Chama», misturamos sons tribais com electrónica.
É quase um cruzamento entre os Soulfly e os Nailbomb. Essa mistura de percussão tribal com tecnologia é muito interessante para mim. E sim, parece caótico — mas é um caos com propósito. Não é barulho por barulho. Se tivesses visto as gravações, pensavas que estávamos todos malucos. Mas no disco faz sentido. E eu nunca tinha gravado um álbum assim, com tantas camadas.
Para primeiro disco como produtor, o Zyon, saiu-se muito bem. Achas que esta equipa pode voltar a repetir-se no próximo álbum?
Talvez. Cada disco é um disco, por isso logo veremos. Mas, para este, funcionou perfeitamente. Não mudaria nada. E já estamos muito animados para a digressão. Já temos datas nos Estados Unidos, já temos marcações em muitos festivais na Europa durante o próximo Verão… Espero que Portugal esteja incluído.
Falando nisso… No ano passado, tocaste em Vilar de Mouros com os SOULFLY. Como correu?
Muitobem. Gostei muito. Quero tocar mais em Portugal. Acho que os Soulfly são bastante populares aí, e adoro o país. É lindíssimo — arquitectura, paisagens, tudo. Espero tocar não só em Lisboa, mas também noutros sítios. Conhecer mais do país.
Sim, o pessoal do Porto está sempre a reclamar que os concertos são todos em Lisboa…
Pois, então temos mesmo de levar os Soulfly ao Porto! Faz todo o sentido.
E esta digressão que estás a fazer agora com os CAVALERA a tocarem o «Chaos A.D.» com os Fear Factory como co-headliners — como tem sido celebrar o álbum com o teu irmão?
Já estamos quase no fim da digressão — faltam apenas três concertos no Texas. Fizemos Los Angeles, Phoenix e Albuquerque. É muito fixe tocar o álbum inteiro, sem tirar nada. As pessoas ficam doidas. É um disco muito querido, revolucionário, quebrou barreiras e influenciou muita gente. Tocá-lo 30 anos depois com o Igor, e com a malta mais nova — o Igor Amadeus, o Travis — é muito especial.
E os Fear Factory estiveram connosco na digressão original do «Chaos A.D.», por isso tem um gosto ainda mais especial. Eles andam a tocar o «Demanufacture» inteiro, nós andamos a tocar o «Chaos A.D.». É uma celebração nostálgica. E sim, vamos continuar na Europa no próximo ano.
Então ficamos à espera dos CAVALERA com o «Chaos A.D.»… ou dos SOULFLY… ou dos dois juntos, quem sabe? Max, muito obrigado.
Valeu!











