Confesso ter chegado atrasado à festa e o preconceito relativo ao que se encontra debaixo do infame chapéu do nu-metal privou-me de muita coisa. A título de exemplo, apenas anos mais tarde recuperei «White Pony» e redescobri os DEFTONES, que tinha proscrito, e aos SLIPKNOT sempre reservei um certo desprezo, aquele que se dá a um circo juvenil que considerava passageiro. Mas de passageiro nada teve e têm sido a banda que mais fez por rejuvenescer a população ouvinte de metal e que serviu de introdução aos segmentos mais extremos. O miúdo que há uns anos começou a ouvir SLIPKNOT, mais tarde descobriria os MORBID ANGEL, DEICIDE, MAYHEM ou WATAIN, e isso é digno de registo. A vantagem desse atraso é que, livres do preconceito (esse sim, juvenil), temos uma perspectiva fresca e sem o factor sentimental a pesar na análise. O disco de estreia da banda de Des Moines marcou uma época e «Iowa» elevou a fasquia, com uma forte influência de death metal. O resto da carreira foi algo errática, com longas paragens interrompidas com álbuns menos conseguidos, pese embora sempre com canções que vieram a tornar-se parte do cânone do metal deste século. Abuso de substâncias, mudanças de formação, processos legais, morte de um membro fundador e de familiares próximos, parece que de tudo aconteceu aos SLIPKNOT nesta última década, e suspeitava-se que o novo disco seguisse a mesma linha dos dois anteriores: alguns temas fortes, que se tornariam singles, e outros que não passariam de fillers, tornando o álbum inconsistente. Porém, não é nada disso que acontece com «We Are Not Your Kind», que o fundador Shawn Craham considera a obra-prima do colectivo. Recuperado o atraso e feito o trabalho de casa, sou levado a concordar com o “Clown”.
A abrir (não propriamente, mas já lá iremos) temos logo «Unsainted», o single de avanço que é uma das canções da carreira dos SLIPKNOT. Começa com um coro, que faz lembrar «You Can’t Always Get What You Want» dos ROLLING STONES, e que faz temer o pior, pois coros e orquestras no metal raramente dão bom resultado, mas que depois apenas reforça um refrão gigante e saúda-se a decisão de o incluir. É uma canção bem trabalhada, que demonstra bem o nível de composição a que a banda chegou, e que tem em «Birth Of The Cruel» uma reacção. Ao ser mais contida, com uma linha vocal mais derivativa no primeiro verso, serve de contraponto a «Unsainted» mas no segundo verso surge um breakdown que não o chega a ser, e o ataque vocal de Corey Taylor leva o tema, e o álbum, numa direcção mais negra e visceral. «Nero Forte» e «Critical Darling» são outras composições fortíssimas, com uma fluidez orgânica e sentido de canção notáveis, que desaguam em «A Liar’s Funeral». O início acústico e linha vocal açucarada deixam antever uma balada, até meio de escuteiro à fogueira, mas que se transforma num colosso doom cheio de riffs memoráveis, que só peca por breve. “There’s still the part of me that’s dying in a dumpster”, canta Taylor em «Orphan», que foi deixado no lixo aos 15 anos, com o que se julgava ser uma overdose fatal. É um momento que o próprio destaca como exemplificativo da toada lírica deste álbum, muito negra como tem sido seu apanágio, mas com outra maturidade, de quem já consegue olhar para trás como um processo de aprendizagem. “I didn’t come this far to sink so low, I’m finally holding on to letting go”, é parte do refrão de «Unsainted» e também demonstra que os SLIPKNOT hoje trazem mais para a mesa que hinos de rebelião e raiva adolescente. O disco termina com «Solway Firth», outra canção que entra para o clube das essenciais, na qual exploram novas avenidas criativas e demonstram a ambição de não se encerrar numa fórmula. Além dos seus méritos por si só, encerrar o álbum com este tema pode querer demonstrar que o futuro não será mais do mesmo, e sabendo que das sessões de «We Are Not Your Kind» há material suficiente para outro álbum, a curiosidade fica aguçada.
Outro elemento importante em «We Are Not Your Kind» é a sua componente cinematográfica. Desde a primeira faixa, «Insert Coin», passando por outras como «Death Because Of Death» ou «What’s Next», encontramos breves composições de Craham que criam atmosfera e, em vez de descompressão como às vezes acontece com este tipo de interlúdios, temos um aumento de tensão. O melhor deles é «Spiders», uma canção por direito próprio, numa linha dark pop sinistra que marca a recta final do disco, menos expansiva e intensa, mas nem por isso menos boa. A cadência entre temas é particularmente bem conseguida e o disco ouve-se muito bem do início ao fim, sem interrupções. «We Are Not Your Kind» é, além de um grande álbum e de um ponto alto na carreira dos SLIPKNOT, um tónico importante numa cena que parece estagnada. Numa época em que todas as semanas se escrevem obituários ao rock, e em que o metal mais mainstream parece sem ideias e refém de fórmulas repetidas ad nauseam, o sucesso que tem obtido nos Estados Unidos e na Europa é algo que devemos celebrar. Até em Portugal atingiu o primeiro lugar no top de vendas e os SLIPKNOT, e o metal, voltaram a ter uma atenção que parecia inexistente até há muito pouco tempo. A isso também ajudou o regresso da banda a Portugal este Verão, mas é neste disco que parece estar o garante de continuidade de um processo de rejuvenescimento de que todos os movimentos precisam. Não reinventa a roda nem altera a identidade da banda, mantendo intactos todos os seus traços de personalidade artística mas, sabendo expandir a sua paleta de cores, explorando a fundo latitudes a que antes apenas se aproximavam com curiosidade, «We Are Not Your Kind» pode vir a tornar-se na maior ceifeira dos últimos anos a reclamar almas para o lado certo da Força. [9]