No dia em que «Slipknot» fez 26 anos, os SLIPKNOT regressaram a Lisboa e assinaram um concerto devastador, marcado por surpresas no alinhamento e uma poderosa ligação ao público luso.
LISBOA, 29 de Junho de 2025 — Três dias de música pesada, muito calor suor e comunhão culminaram num momento singular: o regresso dos SLIPKNOT a Portugal para encerrarem a edição de 2025 do EVILLIVƎ FESTIVAL. O cenário era épico — o Estádio do Restelo em Lisboa, sob um céu quente e carregado, prestes a explodir com a energia acumulada por milhares de almas à espera do caos. Convenhamos, a relação da banda norte-americana com o público português é tudo menos efémera.
Desde a primeira actuação em solo nacional, no (ainda) Pavilhão Atlântico, em 2001, que Corey Taylor e companhia cimentaram uma base de fãs fervorosa no nosso país. Desde então, cada passagem por cá deixou cicatrizes e, em 2025, esse vínculo foi mais uma vez selado com fervor, numa noite que ficará certamente cravada na memória colectiva dos que ali estiveram. No EVILLIVƎ FESTIVAL 2025, esse elo não só se manteve intacto como ganhou novas camadas, graças a um espectáculo que honrou o passado e reafirmou a importância que Portugal ocupa no percurso dos mascarados do Iowa.
A data também não podia ser mais simbólica: 29 de Junho marcou exactamente 26 anos desde a edição do homónimo «Slipknot», o álbum que, em 1999, redefiniu os limites do nu-metal com uma descarga sónica e visual sem paralelo. Foi com esse espírito de confrontação e celebração que os músicos entraram em palco para uma invocação daquilo que representam, num exercício catártico, visceral e honesto até ao osso.
O início da actuação acabou por ser tão desconcertante quanto simbólico: em vez de abrirem com um tema explosivo, os SLIPKNOT escolheram começar com «742617000027», o enigmático sample que abre o álbum que marcou a estreia na Roadrunner. Uma escolha que funcionou como chamamento ritualístico — uma espécie de respiração funda antes da descarga. E a descarga veio. «(sic)» soou como um míssil de raiva, arrancando urros do público logo aos primeiros acordes. Sem deixar tempo para respirar, o grupo lançou-se a «People = Shit», um dos temas mais brutais e niilistas do seu repertório, empurrando a multidão para um frenesim imediato.











Logo no terceiro tema, chegou a primeira grande surpresa: «Gematria (The Killing Name)», interpretada pela primeira vez ao vivo em Portugal. Complexa, labiríntica, cheia de mudanças rítmicas e variações de tom, a faixa de «All Hope Is Gone» transformou o palco num campo de batalha sónico — um presente inesperado e inesquecível para os fãs de longa data. A sinergia entre os músicos — especialmente com Eloy Casagrande, já totalmente integrado no colectivo, a injectar uma dose extra de groove em alguns mimentos — manteve o som sólido, cortante e equilibrado.
Foi apenas antes do quarto tema, «Wait And Bleed», que Taylor falou pela primeira vez directamente com o público. A notícia era triste, mas já conhecida: Shawn “Clown” Crahan estave ausente desta tour europeia devido a uma emergência familiar. A resposta foi imediata: um aplauso sentido, gritos de apoio e o coro em uníssono que se seguiu durante a interpretação do primeiro grande êxito da banda.
A partir daí, o espectáculo avançou com ritmo e intensidade devastadora. «Nero Forte», de «We Are Not Your Kind», trouxe modernidade ao alinhamento, com a sua percussão tribal e um refrão explosivo. Em contraste, «Yen», do mais recente «The End, So Far», mergulhou a plateia numa atmosfera mais melódica e sombria, mostrando que mesmo no meio da agressividade, os SLIPKNOT sabem exactamente como se constrói tensão emocional.
No entanto, se houve um tema que fez o estádio tremer, foi «Psychosocial». Um verdadeiro hino da era moderna da banda, com groove implacável e refrão infeccioso, levou o público à loucura. Logo a seguir, uma pausa inesperada no alinhamento: uma versão remisturada e distorcida de «Tattered & Torn» — com Sid Wilson em destaque absoluto — funcionou como um interlúdio experimental, quase industrial, lembrando a faceta mais cerebral e desconcertante do grupo.
O bloco seguinte foi uma sequência de destruição calculada: «The Heretic Anthem», com o seu refrão gritado — “If you’re 555, then I’m 666” — soou como mantra blasfemo; «The Devil in I» trouxe peso emocional e lirismo negro; «Unsainted», um dos maiores sucessos recentes da banda, foi recebido com euforia total, com milhares de vozes a cantarem o refrão como se fosse um hino libertador. «Duality», talvez o momento de maior comunhão da noite, explodiu em apoteose — a frase “I push my fingers into my eyes…” gritada por milhares de gargantas, como um exorcismo colectivo e necessário.
E depois… silêncio. As luzes apagaram-se. O encore começou. «Spit It Out» foi o gatilho da revolta final e «Surfacing», o tema final do disco de 1999, trouxe tudo de volta à origem: rudeza, caos, libertação pura. Mas os SLIPKNOT ainda tinham uma última bala na câmara: «Scissors». Rara e experimenta, revelou-se uma escolha surpreendente e corajosa para encerrar o concerto, que terminou não com uma explosão, mas com um murmúrio inquietante, deixando no ar a sensação de que nem tudo foi resolvido — e que essa era, talvez, a intenção.
Uma coisa é certa: mesmo sem “Clown”, os SLIPKNOT mostraram que continuam a dominar o caos como ninguém. Porque por detrás das máscaras há mais do que rostos: há uma história de sobrevivência, dor, arte e, acima de tudo, ligação profunda com quem os escuta. E ali, no Estádio do Restelo, essa ligação brilhou com toda a sua força.