Não será exagero dizer que se viveu uma noite verdadeiramente histórica no RCA Club, que poderá até equiparar-se (muitos dos presentes diriam superar) aos outros eventos de um fim de semana bem recheado (sobre outros desses eventos podem ler mais aqui). E, mesmo sem querermos trocar a ordem natural das coisas, começamos pelo fim, uma vez que este não foi apenas mais um concerto de apresentação de um disco de uma banda portuguesa — factor que poderá servir de consolo a todos os que quereriam estar presentes e não puderam porque a sala estava esgotada há várias semanas. Falamos obviamente do concerto de apresentação do álbum de estreia dos SEVENTH STORM, de seu título «Maledictus», que contou com uma primeira parte sólida por parte dos ETHEREAL, banda que causou um bom impacto no underground nacional na primeira década do presente século e, que após um longo hiato, voltou agora à actividade encontrando-se a preparar o terceiro álbum.
Foi precisamente com eles que a noite começou e poderíamos até pensar tratar-se de um daqueles casos em que temos um público tão ansioso para ver a banda da noite que qualquer outra proposta poderia ser recebida de forma menos entusiasta — caso precisem de exemplos, a nossa memória faz-nos ir buscar, curiosamente, a apresentação do terceiro álbum dos Moonspell no Coliseu dos Recreios (quando a banda até recebeu o disco de prata das mãos de Zé Pedro dos Xutos & Pontapés), com os Lacuna Coil a serem recebidos na sua primeira visita ao nosso país de forma hostil pelos fãs da banda portuguesa. De todo, não foi o que pudemos presenciar. A banda de Hugo Soares (também nos Ibéria) e de Cristina Lopes regressou em grande e encontrou uma plateia receptiva à sua música. O metal de tons progressivos, e de orientação mais doom/gothic, enquadrou-se bem no espírito da noite e foi recebido de braços abertos, algo que não deixa de ser digno de nota tendo em conta que estamos a falar de temas longos — até mesmo os onze minutos de «Transcendence Envenomed», de «Towers Of Isolation», provocou uma boa reacção nos presentes. De destacar também a apresentação de um tema novo, intitulado «The Last Peaceful Journey Of Man», do álbum que a banda está a preparar, sendo também este o que apresentou por completo os ETHEREAL em versão 2022, ou seja, com Pedro Arsénio em palco, elevando a três o número de guitarristas.
Mudança de palco, oportunidade para ir abastecer ao bar e/ou ir comprar merch das bandas — e foi agradável verificar que muitos traziam as cores da noite, tanto com t-shirts dos SEVENTH STORM como dos ETHEREAL. Apesar de uma ansiedade palpável, o tempo voou até ao momento em que Mike Gaspar entrou finalmente em palco e a sala se acendeu de entusiasmo, que foi crescendo os restantes membros foram aparecendo em cena enquanto a intro de Hans Zimmer soava e foi quando Rez deu a cara que atingiu outro pico. Seria previsível que a banda apostasse no álbum todo e que isso pudesse reduzir o impacto do espectáculo, mas aconteceu precisamente o contrário. Aliás, temos a certeza de que este foi um dos raros exemplos em que, sendo o primeiro concerto de sempre da banda, a reacção foi em tudo semelhante à provocada por um qualquer nome aclamado e veterano. O facto de estarmos a falar da nova banda de em ex-Moonspell poderá ser uma razão fácil para justificar o que se passou, mas a verdade é que os louros deste sucesso recaem sobretudo na qualidade das músicas contidas em «Maledictus» que, transportadas para um outro estágio da sua existência (sendo que o primeiro é a sala de ensaios, o segundo o registo para consumo do público), evidenciam todo o seu poder.
E, verdade seja dita, não há nada mais impressionante para quem está a tocar do que sentir que o fruto do trabalho árduo se materializou da melhor forma, capaz de tocar e emocionar o seu público. Essa parte, a da emoção, foi mesmo a mais marcante, e vimos fãs emocionados a cantar músicas como «Haunted Sea» e «My Redemption», no que foram momentos de simbiose única com o público. E claro, «Saudade», o “tema faltava“, como Rez disse ao público quando os músicos boltaram ao palco após um curto intervalo antes do encore. Curiosamente, assinaram uma rendição dupla do mesmo tema, com a versão original (em inglês) sucedida pela versão em português , que começou acústica e, no climax, teve direito a toda a distorção devida. Segundo o frontman, a primeira, em inglês, tem como objectivo mostrar lá fora o que é sofrer em português, da dor tão nossa, tão lusitana, enquanto a segunda é a comunhão com o público nacional, com aquilo que nós, portugueses, somos na génese. Expectavelmente, foi um dos momentos mais altos da noite e acreditamos que esteja encontrado o primeiro grande hino da banda, que servirá certamente para encerrar os concertos daqui para a frente. Uma prestação sólida por parte de uma banda que confirma o hype à sua volta com sangue, suor e lágrimas, mas também com uma enorme dose de talento.
Fotos por Sónia Ferreira