E se a versão de um grupo servisse para homenagear outro? Os RAMMSTEIN conseguiram fazê-lo com uma classe enorme.
Estava-se em meados de 1998 e os RAMMSTEIN chegavam àquele momento em que se pode definir uma carreira e é necessário fazer a ponte para outro público. «Sehnsucht» ainda ecoava, mas o nicho era muito pequeno para a dimensão pretendida pelo grupo. Em Portugal, tinham esgotado o Hard Club e o Paradise Garage, com espectáculos até então pouco vistos por cá.
«Mutter» ainda estava longe, e seria o disco que viria a esgotar o Coliseu dos Recreios. Entre ambos, houve um álbum ao vivo e um single resultante da participação na colectânea «For The Masses», tributo colectivo aos DEPECHE MODE. O original do trio formado por Dave Gahan, Martin Gore e Andy Fletcher tinha sido editado em 1986, inserido em «Black Celebration», o disco em que o grupo se tornou mais sombrio.
Seria essa a fase que, posteriormente, viria a apelar a góticos e até mesmo a apreciadores de black metal. A escolha nem sequer recaía sobre uma pérola por descobrir; basta, de resto, olhar para os italianos NOVEMBRE que, em 1996, com o disco «Arte Novecento», já faziam uma versão doom do mesmo tema. Claro que a versão dos germânicos é muito mais poderosa e apelativa, sendo mesmo o momento que mais se destaca na tal colectânea.
A música já antes surgira em versões de «Sehnsucht» e, apesar da letra sugerir uma relação em que a outra pessoa surge despida de influências, “let me hear you make a decision without your television”, é natural que na imagética dos RAMMSTEIN, está também subjacente uma relação de dominação/submissão, em particular quando a letra original (“let me see you stripped down to the bone”) é amputada para “let me see you stripped”.
Porém, a polémica associada ao tema passa pelo vídeo-clip e pela escolha estática nele feita. Com realização de Phillip Stölzl e Sven Budelmann, tanto a capa do single como as imagens escolhidas para o vídeo pertencem ao filme ‘Olympia – Festival Of The Nations’, realizado durante os polémicos Jogos Olímpicos de 1936, na Alemanha Nazi.
A realização do filme original esteve a cargo de Leni Riefenstahl, realizadora sempre associada ao regime hitleriano. A banda, cujo nome remonta a uma importante base aérea norte-americana, em território germânico, rapidamente fez tudo para negar acusações relativas à ideologia mais extrema e referiu as habituais “razões artísticas” para a escolha.
Aqui surge, de forma mais encapotada, a verdadeira homenagem, neste caso a um nome que claramente inspirou o início de carreira do grupo — LAIBACH. A banda eslovena, provavelmente aquela com humor mais ácido na história da música europeia e que sempre caminhou na borda do nacionalismo (mais não fosse pelo nome escolhido), tinha já realizado o seu próprio ‘tributo’ a Leni Riefenstahl. O grupo, cujo símbolo era uma cruz de ferro estilizada, tal como os RAMMSTEIN usariam mais tarde, adaptaria muitas vezes a estética nacional-socialista alemã, e abordara trabalhos de Leni.
A propósito do álbum «Let It Be», de 1988, composto por versões dos THE BEATLES, o grupo escolheu uma fotografia associada a Leni Riefenstahl para a capa do single «Across The Universe» e, no vídeo-clip, recriou cenas de filmes da realizadora, além de usar footage directamente extraído dos seus filmes. Talvez fosse aqui que os críticos deveriam ter chegado para atingir os RAMMSTEIN e não ao imediatismo da escolha da fonte visual.
Nas entrelinhas, com o vídeo de «Stripped», os germânicos prestavam homenagem a um colectivo que sempre escolheu um trilho pessoal e separado das grandes massas. Talvez por isso este seja o grupo, que em 1985, a propósito do álbum «NATO», feito de canções antiguerra, resolveu nomear a digressão promocional como The Occupied Europe Tour.
Quanto a «Stripped», teve ainda outras versões e homenagens, mas a dos RAMMSTEIN foi sempre a definitiva. Além disso, muito outros temas dos DEPECHE MODE serviriam para outros artistas brilharem, mas isso serão outras versões.