PRIMORDIAL

PRIMORDIAL @ VAGOS METAL FEST, Quinta do Ega, Vagos | 04.08.2024 [reportagem]

Apesar de curta, a actuação dos PRIMORDIAL no Vagos Metal Fest funcionou com uma proverbial celebração de tudo o que é brilhante na banda irlandesa.

É certo e sabido que, por esta altura, os PRIMORDIAL já não têm nada a provar. Durante os últimos trinta e dois anos, a banda oriunda de Dublin, na Irlanda, deixou claro que é uma força avassaladora pronta a colocar consistentemente tudo em jogo. Em Setembro de 2023, os metaleiros pagãos lançaram aquele que é o seu décimo álbum de estúdio, intitulado «How It Ends», através da Metal Blade Records, que os trouxe agora de volta ao nosso país.

O título é uma pergunta — é assim que termina? Como acontece isto tudo: a cultura, a língua, a história, a sociedade, a humanidade — quem sabe? Independentemente de quem és ou foste, tens uma hipótese em tudo isso“, dizia o vocalista A. A. Nemtheanga quando o disco foi lançado. Verdade seja dita, o sucessor de «Exile Among The Ruins», de 2018, mostrou os PRIMORDIAL a entregarem uma consistente dose da sua mistura seminal de melodias celtas e black metal, com uma urgência adicional, própria de quem está preparado para encarar o apocalipse.

Não é, por tudo isso estranho, que, neste regresso a Portugal para uma actuação única no derradeiro dia de Vagos Metal Fest, Nemtheanga e companhia se tenham apresentado com uma convicção inabalável… Convenhamos, os PRIMORDIAL estão num plano diferente da maioria dos seus pares quando se trata do palco, e claro, não vai ser agora, já com mais de três décadas de carreira aos ombros, que vão começar a dar espectáculos de qualidade inferior.

Apesar de estarem juntos há tanto tempo, isso não parece ter diminuído absolutamente nada o espírito ou entusiasmo dos músicos, e este concerto serviu, acima de tudo o resto, como uma lição sobre porque são tão venerados na comunidade do metal extremo. O seu black metal celta é cativante e não lhes falta um sentido de humor apurado, com comentários bem colocados entre os temas. Pelo meio, há também momentos de aparente preocupação em agradar à audiência e até umas quantas referências a resistir ao status quo, mas tão vagas que se tornam inócuas.

Felizmente, nesta noite fria de Vagos, nada parece capaz de lhes roubar o “trovão”. Os PRIMORDIAL são, manifestamente, extraordinários. Não se trata apenas do poder dos riffs, do brilho melódico das canções, ou da presença em palco. É a paixão e a tristeza avassaladora da sua música que agarram de uma forma irresistível, e que transportam completamente o público para o momento, fazendo com que tudo o que é periférico seja obliterado. Aliás, é nesse sentimento de unidade tão forte que criam entre palco e plateia, apesar de já estarem bem entrados na terceira década de existência, que mais acabam por brilhar.

Neste caso, apesar de demasiado curta, muito à semelhança do que se passou também com os BLIND GUARDIAN, a actuação da banda irlandesa na Quinta do Ega foi mais uma proverbial celebração de tudo o que é brilhante nestes irlandeses e nas suas contribuições para a música extrema ao longo dos anos. Com «How It Ends» a reafirmar o lugar dos PRIMORDIAL no mundo do metal contemporâneo após um «Exile Amongst The Ruins» que deixou muita gente a acusá-los de se estarem a repetir, os cinco músicos revelaram uma clarividência brilhante ao não caírem na tentação de tocarem demasiado material novo e serviram um alinhamento magro, mas muito escorreito.

Com as excelentes (e sempre muito celebradas) «As Rome Burns» e «No Grave Deep Enough» a assumirem as despesas da abertura, foi só no terceiro lugar do alinhamento de encaixaram o tema-título do novo álbum e, por essa altura, já a plateia estava rendida aos PRIMORDIAL. Carregando todo o drama que sempre caracterizou a banda, mas canalizando-o de forma ligeiramente diferente, o caminho fez-se por um percurso sinistro e gradual, com o refrão poderoso a colocar toda a gente em sentido.

Seguiu-se uma nova inflexão ao passado, desta vez com «To Hell Or The Hangman», mais um tema bem vibrante que, com os seus ritmos da música tradicional irlandesa filtrados por meio de um metal rasgado, só poderia ter sido criado pelos PRIMORDIAL, e que vai seguramente perdurar como ser um favorito ao vivo por muitos mais anos.

Com pouco tempo para tocar, a banda atirou-se ainda à épica «Victory Has 1000 Fathers, Defeat Is An Orphan», do álbum do ano passado, e terminou a actuação com as clássicas «The Coffin Ships» (que continua emocionalmente devastadora, a fazer com que os seus quase dez minutos de duração pareçam apenas três) e «Empire Falls» (que agitou a plateia à medida que aquele coro enorme ecoava na Quinta do Ega), numa sequência a que nenhum fã dos PRIMORDIAL pode apontar defeitos.