PARKWAY DRIVE

PARKWAY DRIVE @ Campo Pequeno, Lisboa | 30.10.2025 [reportagem]

Muito bem acompanhados pelos THE AMITY AFFLICTION e THY ART IS MURDER, os PARKWAY DRIVE transformaram o Campo Pequeno num anfiteatro de fogo e comunhão numa noite que celebrou duas décadas de superação.

Há concertos que são celebrações, e há concertos que são declarações de poder. O dos PARKWAY DRIVE, ontem, 30 de Outubro, em Lisboa, foi as duas coisas ao mesmo tempo. No SAGRES Campo Pequeno, com a plateia esgotada, o grupo de Byron Bay assinou mais concerto da sua mais recente digressão europeia de 20.º aniversário com uma actuação que confirmou plenamente o estatuto que conquistaram durante as duas últimas décadas: o de maior banda de metal pesado alguma vez saída da Austrália.

Ao longo de de duas horas, o grupo liderado por Winston McCall construiu um espectáculo de ritmo, de chama e de comunhão, que serviu tanto de retrospectiva de uma carreira brilhante como de reafirmação da sua força criativa. Curiosamente, esta digressão não serve para apresentar um novo álbum. Desde que lançaram «Darker Still», em 2022, os músicos australianos atravessaram a Europa várias vezes sem terem passado por Portugal , e, talvez por isso, regressam com público e energia redobrados.

Em vez de correrem desesperadamente para o futuro, os PARKWAY DRIVE decidiram parar, olhar para o espelho retrovisor e medir a distância já percorrida — vinte anos de estrada, de crescimento e reinvenção, reflectidos num espectáculo que aliou teatralidade, precisão e emoção crua. No entanto, foram os THE AMITY AFFLICTION que abriram a noite com a intensidade emocional que lhes é bastante característica, enfrentando o desafio de actuar num palco quase engolido pela estrutura monumental preparada para os PARKWAY DRIVE.

Verdade seja dita, ccompensaram com uma entrega que transbordou para a plateia. Foi também uma oportunidade de ver Jonny Reeves — novo vocalista limpo e baixista — a assumir um papel decisivo, ajudando a amplificar a presença da banda e a reforçar o equilíbrio entre melodia e agressividade.“Três bandas australianas a percorrer todo o hemisfério norte — isto é uma loucura,” confessou Joel Birch, num momento de gratidão que sintetizou o espírito de camaradagem que unia o cartaz.

E a verdade é que, em palco, a sua voz — rasgada e carregada de emoção — rivalizou em consistência e energia com a de Winston McCall, dos PARKWAY DRIVE. O ponto alto do concerto surgiu com a colossal «Drag The Lake», cujos sintetizadores de grande escala ecoaram pelo Campo Pequeno como uma parede sonora luminosa, contrastando com a dureza rítmica do resto do alinhamento. Já «Soak Me In Bleach» encerrou o set de forma quase cerimonial — as últimas notas a desvanecerem-se enquanto os músicos contemplavam o público, consciente de que estava a partilhar algo maior do que apenas uma digressão: um pedaço da história do metal moderno da Austrália.

A seguir, o ambiente mudou radicalmente. Antes mesmo de subirem ao palco, os THY ART IS MURDER decidiram oferecer ao público um momento de puro humor: dos altifalantes ecoou «We Like To Party! (The Vengabus)», o êxito bubblegum dos Vengaboys, arrancando gargalhadas de um público que sabia bem o que estava prestes a acontecer — uma descarga brutal de deathcore 100% australiano. Quando o quinteto de Sydney finalmente entrou em cena, a sala tremeu.

Tyler Miller, o novo vocalista, foi o primeiro a reconhecer a singularidade da noite: “Têm aqui um belo sanduíche de death metal entre duas fatias de metal australiano,” gracejou, antes de avisar, com um sorriso quase cínico, que “este não é um concerto para ficarem parados a olhar.” A provocação foi aceite de imediato — o público lançou-se num turbilhão de mosh e energia, à altura da brutalidade que se seguiria. E, como se esperava, o alinhamento dos THY ART IS MURDER foi um desfile de intensidade e precisão.

«Holy War», com o seu riff inicial carregado de tensão e muito peso, estabeleceu o tom de destruição controlada que domina o seu repertório. Já «Fur And Claw», com subtis traços melódicos, demonstrou uma versatilidade rara dentro do género, preparando o terreno para o “megamix” que os PARKWAY DRIVE apresentariam mais tarde. Mesmo para quem acompanha a banda há anos, houve algo distinto nesta actuação: uma energia refinada, mas feroz; uma confiança renovada, sem arrogância.

Já o relógio passava das 21:15 quando os PARKWAY DRIVE irromperam por fim pelo meio da multidão, acompanhados por duas enormes bandeiras. Avançaram até à boca do palco e, iluminados apenas por um foco branco, deram início à actuação com a solenidade de uma procissão, atacando de imediato as duas primeiras canções de um alinhamento de quase vinte.

«Carrion» e «Prey» foram recebidas de imediato com todo o fervor esperado — braços ao alto, vozes em uníssono. No entanto, foi só ao terceiro tema, apropriadamente intitulado «Glitch», e após o estrondo de um petardo ensurdecedor, que o pano caiu para revelar o palco em todo o seu esplendor: à esquerda, a enorme estrutura de ferro que suportava a bateria; à direita, duas enormes colunas metálicas erguiam-se como torres industriais; e, mesmo ao centro, Winston McCall, ladeado por labaredas e quatro bailarinos, comandava o espectáculo com a postura de um centurião romano.

Verdade seja dita, a banda tinha prometido uma produção à escala de arena — e bastaram três temas para perceber que o nível estava muito acima do que é habitualmente expectável visto de uma banda desta dimensão. Em pouco mais de dez minutos, os PARKWAY DRIVE transformaram o Campo Pequeno num verdadeiro coliseu de fogo, luz e movimento. Impressionante.

A comparação com os BRING ME THE HORIZON é quase inevitável. Tal como os britânicos, os PARKWAY DRIVE também investem numa produção de escala quase teatral, mas estão num outro nível. O concerto que vimos em Lisboa foi uma escalada em todos os sentidos: Winston McCall, inicialmente vestido com um fato branco, cantou a «Sacred» sobre uma estrutura que parecia um proverbial forno em chamas; o palco ergueu-se em múltiplos níveis; colunas de fogo explodiram em sincronia; e a iluminação construiu uma narrativa visual que amplificou cada compasso.

Ainda assim, o que distinguiu este concerto não foi apenas a magnitude da produção. Foi a forma como o grupo equilibrou a nostalgia com a vitalidade contemporânea. O alinhamento percorreu as diferentes fases da carreira do grupo — de «Sleepwalker» e «Killing With A Smile» até «Darker Still» —, com atenção especial ao material que cimentou a identidade da banda, como é o caso de «Boneyards», que deve ter feito o gáudio dos fãs de longa data.

«Idols And Anchors», por exemplo, reavivou memórias de 2007, com o vocalista dos PARKWAY DRIVE a surgir numa pequena plataforma a meio do público. Entre alguns high fives e muito mosh frenético, o Sr. McCall cantou o tema sem perder uma nota, acabando por ser levado em crowdsurfing até à barreira de segurança. O Campo Pequeno tremeu, literalmente, sob o peso do público. E sim, é verdade que o fogo acaba por dominar visualmente, há também poesia nos detalhes: a chuva artificial que cai sobre o palco durante «Wishing Wells», ou o trio de cordas que acompanhou a banda em «Chronos» e «Darker Still».

Estranhamente foi durante a «Darker Still» que Winston protagonizou um dos raros deslizes da noite, desafinando notoriamente — “como gente grande”, dir-se-ia com algum humor —, mas sem nunca chegar a quebrar a intensidade emocional do momento. Já depois da colossal «Bottom Feeder», o encore foi puro virtuosismo cénico e físico. Começou com um solo de bateria acompanhado por dois bailarinos, enquanto Ben Gordon foi elevado e rodopiado até ficar de cabeça para baixo — sem nunca parar de tocar.

O público assistiu incrédulo e, a aumentar ainda mais os níveis de intensidade, a seguir o palco é envolto em chamas: fogo nas laterais, fogo na frente, fogo no ar. Seguiu-se mais um tema, «Crushed», no meio desse frenesim de pirotecnia e movimento antes do espetáculo abrandar, com a banda a tirar um breve momento para agradecer ao público e pedir aplausos para quem estava nos bastidores a garantir que tudo corria de feição. Depois, tal como no início da noite, os PARKWAY DRIVE voltaram à boca do palco, sem truques, para tocar a «Wild Eyes». Foi a calma após a tempestade — um fecho simbólico e solene, que encerrou o círculo iniciado duas horas antes.

ALINHAMENTO:

01. Carrion | 02. Prey | 03. Glitch | 04. Sacred | 05. Vice Grip | 06. Boneyards | 07. Sleepwalker | 08. Cemetery Bloom | 09. The Void | 10. Wishing Wells | 11. Dark Days | 12. Idols and Anchors | 13. Chronos | 14. Darker Still | 15. Bottom Feeder | Encore: 16. Drum Solo | 17. Crushed | 18. Wild Eyes