Serrabulho

OESTE UNDERGROUND FEST V @ Pavilhão Multiusos, Malveira | 05.11.22 [reportagem]

Durante este ano que se aproxima agora do fim, tivemos vários regressos à normalidade muito desejada, assim como confirmações desse desejo com a realização de eventos que foram sendo adiados para melhores dias, numa altura em que nem se tinha bem noção se esses melhores dias se iriam de facto concretizar ou não. A 5.ª edição do festival Oeste Underground, prevista inicialmente para 2020, aconteceu finalmente no passado fim de semana, mantendo o mesmo cartaz — algo que, convenhamos, é bastante incomum. Vai daí, tivemos agora oportunidade de testemunhar um lote de bandas nacionais de variados géneros, que garantiu um nível de qualidade bem elevado, sem esquecer o propósito primordial da recolha de fundos que revertem a favor dos Bombeiros Voluntários da Malveira. Os RAGEFUL deram início ao certame com aquela dose de death metal bruto que tão bem imortalizou no álbum de estreia «Ineptitude» e que tem vindo a espalhar em cima dos palcos com uma eficácia crescente, algo que as interpretações de temas como «Feed The Pigs» e «Whispering Rage» (o primeiro tema que escreveram) deixam bem patente. Não só tivemos essa dose esperada de brutalidade como também ainda tivemos um cheirinho de coisas vindouras através do tema «Pay To Breathe», que deverá estar presente no próximo EP. Apesar da qualidade da prestação (amolgada apenas por um volume exagerado, um malefício que foi-se verificando ao longo da noite), o público ainda estava em número reduzido e algo apático por esta altura.

Foram, de resto, essas as condições que se prolongaram durante o concerto dos WRATH SINS, o que fez com que o vocalista Mike Silva concentrasse esforços para o público se chegar à frente, tendo demonstrado um pouco mais de garra, mais próxima daquela que a banda de Vila Nova de Gaia demonstrou em «The Sun Wields Mercy» e «Contempt Over The Stormfall» — o tema-título da estreia que acabou por ser o único retirado desse trabalho. Também houve a oportunidade de ouvir uma canção nova, intitulada «Originis», que promete a continuidade da qualidade no próximo lançamento. Pena foi que, devido ao volume, se tenham perdido alguns dos pormenores de guitarra, mas no geral a apreciação foi positiva. Por esta altura, os DOWNFALL OF MANKIND também são já garantia de qualidade e muita energia, e foram a primeira banda a conseguir trazer um maior entusiasmo para a frente do palco, com Lucas Bishop incansável nos pedidos para o pessoal se aproximar. A certa altura foi ele próprio que saltou para o pit, para depois a banda espalhar o charme do seu deathcore num grande circle pit. Som bem demolidor e energia a condizer, numa actuação que pareceu ter sido encurtada para efeitos de cumprimento de horários.

Os DERRAME — que são a “banda da casa”, já que o seu guitarrista, Luís “Nigel” Teixeira faz parte da organização do evento — subiram ao palco a seguir com a uma sonoridade que se baseia nos valores mais tradicionais e mais directos do death metal, com destaque para os temas «War Inception»  e «Chaos In Earth», sendo o primeiro destes o mais antigo da banda, segundo Marco Nogueira, o vocalista que é dono de um gutural impressionante, e o segundo, um dos melhores, se não o melhor mesmo, do alinhamento. Os ANIFERNYEN são outro caso representativo de um grande álbum de estreia lançado recentemente e que, devido à pandemia, não teve oportunidade de ser devidamente tocado ao vivo. Uma pena, convenhamos, sobretudo tendo em conta a forma como o death/black que praticam consegue ser tão devastador em cima do palco como é em disco. Começaram inicialmente (e literalmente) na escuridão, mas foram aos poucos caminhando para a luz, conquistando o público que ficou rendido ao material de «Augur». “E agora algo totalmente diferente” — deve ter sido isso que os menos preparados pensaram assim que o punk desconcertante dos ACROMANÍACOS se começou a fazer ouvir. Felizmente, não houve tempo para grandes dissertações mentais já que a festa não esperava por ninguém. Clássicos como «Chop-Suey De Cão» e «Judas, Cão De Deus» impediram que fosse de outra maneira, e também facilitaram os stage dives — alguns que até tiveram um efeito disruptivo e inesperado na actuação — durante uma prestação que colocou tudo em festa e acabou de forma épica com «O Homem-Merda».

De seguida, assistimos a mais uma viragem estilística com o concerto de uma banda que levou muita gente ao festival, os ATTICK DEMONS, um exemplo de classe no heavy metal tradicional nacional. Com as restrições de tempo a ditarem um alinhamento mais curto, foi um conjunto de temas sólido que colocou todos em festa, com «The Contract», «The City Of The Golden Gates», «O Condestável (Ode a D. Nuno Álvares Pereira)» (já um dos seus “hinos” maiores) e a épica «Atlantis» a mostrarem que são sempre recebidos de braços abertos pelos os muitos fãs que os vão seguindo, bem como por aqueles que tomam contacto com eles pela primeira vez. Os HUMANART fizeram-nos regressar ao som mais extremo, e com eles voltaram também as trevas que engolfaram o Pavilhão Multiusos da Malveira. A proposta de black metal da banda do norte é bastante musculada e dinâmica, embora nesta actuação as dinâmicas esperadas não tenham estado muito evidentes, mas ainda assim temas como «Underground Slut» e «Iron Cross» não deixaram de ter um impacto positivo sobre a assistência.  A penúltima banda a subir a palco dispensa quaisquer apresentações: EQUALEFT. Como já foi dito inúmeras vezes, nestas páginas e fora delas, a banda de Miguel Inglês poderá ter apenas dois álbuns, mas já é (há muito tempo) garantia de qualidade com o seu metal moderno e cheio groove. Sendo uma das bandas de topo de cartaz, tiveram direito a mais tempo de antena, que foi aproveitado da melhor forma graças ao poder do peso de temas como «We Defy» e «Maniac», que beneficiou também de um dos melhores sons da noite. De resto, o MIguel Inglês não se cansou de puxar pelo público, como já é seu hábito, e fez inúmeras incursões pelo pit.

Por esta altura, podíamos pensar que o evento esta na recta final — e estava, de facto –, mas na verdade acabámos foi por entrar numa outra dimensão. Tudo começou com o Capitão Adega a servir de MC e a dar duas notícias, uma boa e outra má: a boa era que os SERRABULHO tinham cancelado o concerto, e a má era que íamos ter em palco uma banda de homenagem aos grinders transmontanos chamada Gwydion. E foi assim o início desta saga, com uma brincadeira e a novidade de, em vez de termos Paulo Ventura na guitarra, estar João Ferraz, dos Voyance, nessa posição (como já tinha acontecido há cerca de um mês atrás num outro evento) por impossibilidade de Paulo estar presenta. A verdade é que esta mudança não impediu que tivéssemos os balões, os circle pits (e foram tantos, quase sempre liderados por Carlos Guerra), os comboios (com tendências exploratórias das paisagens locais), almofadas desfeitas, muito público em palco, Ricardo Santos e a sua gaita-de-foles e, claro, os clássicos como «Pentilhoni nu Culhoni» e «Caguei na Betoneira», entre muitos outros. O final épico para uma maratona de bandas no regresso de um dos eventos mais interessantes do nosso underground, onde fãs da música pesada conseguem conciliar essa paixão com a vontade de meter mãos à obra e ajudar quem nos ajuda sempre.

FOTOS: Sónia Ferreira