AVATAR

Trent Reznor e os seus NINE INCH NAILS trouxeram ao NOS Alive a fúria de «The Downward Spiral» e a transcendência de «Hurt», numa noite em que o caos foi arte e o silêncio, redenção.

Na madrugada do último dia do NOS Alive 2025, com o cansaço dos dias anteriores já a pesar no corpo e a noite a prometer descanso breve, os NINE INCH NAILS transformaram o Palco NOS num campo de batalha emocional. A banda liderada pelo inimitável Trent Reznor, hoje com 60 anos, subiu ao palco com a autoridade de quem sabe que não precisa de palavras para ter impacto. Bastam a música, a luz e a sombra.

A digressão Peel It Back marca a primeira passagem da banda norte-americana pela Europa em vários anos, e tem-se destacado pela fluidez das setlists: nunca iguais, sempre moldadas à noite e ao contexto. Em Algés, a estrutura foi clara, mas nunca previsível, e o alinhamento percorreu diferentes fases da longa carreira do grupo, com particular destaque para o seminal «The Downward Spiral», disco que continua a definir a estética e o peso emocional dos NINE INCH NAILS mais de três décadas após o seu lançamento.

O concerto começou de forma atmosférica, com a gravação de «Acid, Bitter and Sad», tema etéreo dos THIS MORTAL COIL, a envolver o recinto num tom fúnebre e muito melancólico. A entrada dos NINE INCH NAILS em palco, envoltos em fumo e vestidos de preto, antecipava o impacto da primeira descarga sonora. Para surpresa geral, «Somewhat Damaged» revelou-se uma escolha rara para dar início ao concerto com uma descarga de violência contida, antes do caos explodir com a agressividade de «Wish» e a intensidade bem opressiva de «Mr. Self Destruct». Em pouco mais de dez minutos, já estávamos mergulhados num universo de dor, raiva e libertação.

Seguiu-se «March Of The Pigs», disparada com urgência punk, que levou o público a uma resposta física imediata — saltos, punhos no ar, corpos em movimento. Depois, «Piggy» trouxe uma pausa tensa, como se o concerto respirasse fundo por instantes, antes de mergulhar na sensualidade doentia de «The Lovers» e na escuridão reptiliana de «Reptile», um dos momentos mais viscerais da noite, com Reznor a gritar como se exorcizasse demónios antigos.

A transgressão lírica de «Heresy» (“God is dead / And no one cares”) marcou um dos picos da noite em termos de peso ideológico e intensidade instrumental, enquanto «Less Than», de 2017, recordou que os NINE INCH NAILS nunca se esgotaram nos 90s. O regresso ao passado fez-se com «Closer», carregada de luxúria e desespero, aqui enriquecida por uma interpolação de «The Only Time», outro tema retirado do primeiro disco da banda. Seguiu-se «Copy Of A», num crescendo hipnótico e frio, antes do explosivo reencontro com «The Perfect Drug» — um dos momentos mais celebrados do concerto, rara de ouvir ao vivo e executada com um rigor quase matemático.

A meio da devastação industrial, surgiu «I’m Afraid Of Americans», versão do tema de David Bowie com letra revista por Reznor, agora mais actual que nunca. O impacto político não passou despercebido ao público, que respondeu com entusiasmo e alguma comoção. O bloco final foi um desfiar de hinos do desespero: «Every Day Is Exactly the Same» trouxe a repetição alienante da vida urbana, enquanto «Burn» reacendeu o caos com pirotecnia sonora, em contraste com a ecletricidade orgânica de «The Hand That Feeds».

Em «Head Like a Hole», os braços erguidos na multidão marcaram a rendição final ao poder do industrial rock. Era impossível ficar indiferente. E então, o silêncio. Ou melhor, o silêncio ritual que antecede «Hurt». Quando os primeiros acordes soaram, o recinto transformou-se numa catedral improvisada. Todos os que ali estavam sabiam que aquele era o fim, e todos sabiam o que significava. A canção, eternizada por Johnny Cash numa versão arrepiante em 2002, continua a pertencer tanto ao público como aos NINE INCH NAILS.

A comunhão entre os NINE INCH NAILS e plateia fez-se em murmúrios, em lágrimas contidas, em mãos no peito. Uma despedida solene para um espectáculo que nunca foi apenas um espectáculo: foi um testemunho, um confronto com as feridas antigas que todos carregamos. Em palco, Reznor não precisou de discursos nem de grandes gestos. Cantou de olhos semicerrados, como quem fala para só dentro, e fez da sua presença física uma extensão da música.

Como podes conferir nos vídeos em baixo, mais que uma actuação nostálgica, o concerto dos NINE INCH NAILS no NOS Alive 2025 provou que, mesmo depois de décadas, há feridas que continuam abertas. E há artistas que ainda sabem como transformá-las em arte.