Este era, à partida, um cartaz que os mais trves definitivamente iriam fazer questão de perder, ou pelo menos essa seria a expectativa. Razão óbvia, o preconceito. Se o heavy metal (no geral) é uma coisa séria, como se poderia gostar de algo que brinca com isso? Sendo tudo uma questão de perspectiva, no lado oposto está o facto que nada deverá ser levado muito a sério, especialmente o que é mesmo sério. Este preconceito (ainda que subconsciente) foi atirado por terra quando chegámos ao RCA Club e demos de caras com uma multidão, com muitos estrangeiros à mistura, a aguardar para poder entrar e presenciar a estreia dos NANOWAR OF STEEL e dos TRAGEDY em Portugal. Portanto, um momento bem mais épico do que se poderia antever.
Os TRAGEDY, que subiram ao palco primeiro, começaram por ser uma banda de homenagem aos Bee Gees e, depois, ampliaram o foco a outros clássicos da disco e da post-disco (na década de 80), tendo a particularidade de adaptarem os ditos temas ao contexto heavy metal. E qualquer cepticismo relativamente a esta fórmula ficou desarmado com o desfilar de clássicos, começando pelo tema homónimo e passando para uma explosiva «I’m So Excited», das The Pointer Sisters, que colocou toda a gente a mexer e a dançar, algo que se iria repetir diversas vezes durante um espectáculo que nos pareceu, pasmem-se, terrivelmente curto. Ouviram-se «Sweet Caroline», «Grease», «Gimme, Gimme, Gimme!», «It’s Raining Men» (onde não faltou a intro e outro da «Raining Blood», claro está) e a incontornável «Stayin’ Alive». Pelo meio, uma boa onda de disposição, músicos com excelentes vozes — e todos cantaram, excepto o baterista — e muitas piadas nonsense. Para o encore, saíram do palco por cerca de 30 segundos e, para celebrar da melhor forma possível o último tema, chamaram todas as mulheres ao palco, o que resultou num épico «YMCA» que encerrou em grande a actuação desta banda nova-iorquina.
A fasquia estava inesperadamente alta, mas não havia nada a temer, os senhores que se seguiriam eram os NANOWAR OF STEEL, guerreiros do arame que apregoam o seu desprezo ao falso metal. Começando logo com uma «Sober» que meteu logo todos a mexerem ao melhor estilo folk metal. As gags eram intensas, voavam a torto e direito, assim como as referências musicais, como aconteceu na «Odino & Valhalla», que meteu no solo a melodia da «Lambada», da banda sonora de ‘O Bom, O Mau E O Vilão’ e da «Another Brick In The Wall Pt 2». No entanto, mais surpreendente do que ver como estes temas ainda resultam melhor em palco, foi ver como grande parte da multidão no RCA Club sabia as letras de grande parte dos temas, sendo os mais celebrados «… And Then I Noticed That She Was A Gargoyle» (que fala da triste história de amor de um dos membros com a Sharon Stone), «Norwegian Reggaeton», «Uranus» e, claro, aquele momento marcante em que a banda fez com que toda a sala protagonizasse uma wall of love. durante a «Careless Whisper», de George Michael. Para o final, ficou um encore demolidor com «Pasadena 1994» (ao melhor estilo Sabaton e a relembrar a derrota da Itália na final do Mundial de Futebol em 1994), uma muito festiva «Polenta Taragnarock» e a épica «Valhalleluja», ode ao poder dos deuses nórdicos do Ikea interpretada enquanto foi montada uma pequena mesa que, em apoteose, andou a fazer um crowdsurfing triunfal pela sala — provavelmente o primeiro de sempre no RCA Club protagonizado por uma mesa sueca. No final, os músicos foram aclamados por uma sala em êxtase, a mostrar que é possível, sim, brincar com coisas sérias, como os Spinal Tap já tinham provado no passado de forma brilhante.
Fotos: Sónia Ferreira