INQUISICION
«Black Leather From Hell»
[Miskatonic Music, 1998]
Depois de ter falado nesta banda que verdadeiramente adoro nos Reforços Metálicos pareceu-me mais que apropriado trazer aqui um álbum com o qual deliro há anos, até porque foi recentemente reeditado com muito material adicional. Trata-se do segundo LP dos chilenos Inquisicion, para mim uma referência do heavy metal mundial.
A resiliência metálica da banda do virtuoso guitarrista Manolo Schäfler é a toda a prova e muito de louvar. Desde o álbum de estreia «Steel Vengeance», de 1996, inclusive, que tudo o que os Inquisicion lançam é excelente, e fiel às suas raízes… invulnerável às modas comerciais! Verdadeiro heavy metal clássico, muito bem tocado e estruturado, com grande nível técnico transversal a toda a banda, todavia com destaque para a magnífica guitarra de Schäfler. A personalidade, a melodia e a força metálica transparecem em cada tema, com um trabalho instrumental impressionante acompanhado pela poderosa voz de Freddy Alexis (vocalista original entretanto regressado). São estes valiosos veículos para dar vida às criações musicais dos Inquisicion, arrancadas da fonte primeva do tempo em que o genuíno heavy metal era jovem. Também as vigorosas temáticas versando o fantástico, o anti-cristianismo e o heavy metal como estilo de vida são muito ao gosto deste Irreverendo que ora vos predica.
Mandei pois vir directamente da banda esta nova edição na versão especial em CD duplo. A primeira rodela traz, além do álbum remasterizado, dois temas bónus, «Unholy Rhyme» e «Hellracer», das sessões de gravação de «Black Leather From Hell», que tinham aparecido pela primeira vez como bónus do álbum ao vivo «Live Posthumous», de 2001. Tomam aqui o lugar de «Mensaje Oculto», que estava no CD original e que era uma nova versão (agora em espanhol) de «Message In Black», do primeiro álbum «Steel Vengeance». «Mensaje Oculto» está daqui ausente, com pena minha, pois é um tema fabuloso.
O segundo CD tem a versão Demo ’98 de «Black Leather from Hell», uma pré-produção gravada em quatro pistas, com algumas diferenças, inclusivamente nos títulos de músicas, bem como seis temas gravados ao vivo em 1998, tudo previamente inédito. Traz ainda uma slipcase cuja capa é o esboço original feito por Freddy Alexis, e um outro booklet com detalhes históricos.
Os Inquisicion são, na minha opinião, uma das melhores bandas de heavy metal que existem, mantendo-se, apesar disso, num espantoso limbo de desconhecimento fora do seu contexto geográfico. São um dos nomes maiores do firmamento do Chile, esse país cujo nível metálico nunca é de mais exaltar. E por aqui poderia terminar esta Missa de hoje… mas para sabermos um pouco mais sobre esta banda e o seu mundo, Manolo Schäfler acedeu a responder-me a algumas perguntas. Assim termino, deixando-vos aqui as suas palavras:
Conta-me sobre esta nova edição de «Black Leather From Hell». O que acham do resultado?
Olá, Rick, obrigado pela entrevista. A verdade é que ficámos muito satisfeitos com a dupla edição de luxo lançada pela Exhumed from the Grave Records, pois faltava na nossa discografia um CD duplo desta qualidade. Em cada reedição (esta é a terceira) gastámos muitas horas de trabalho em estúdio para atingir o som que queríamos e que não tínhamos conseguido originalmente. A ideia foi corrigir e melhorar alguns aspectos, mas tendo o cuidado de não matar a essência da versão que as pessoas conhecem. Além disso, as nossas edições originais acabaram por atingir um grande valor com preços elevados nos mercados informais, e por isso demos a estes trabalhos a importância que merecem. Na reedição do 20.º aniversário de «Black Leather From Hell» tivemos um triplo desafio, pois além do álbum original (que inclui duas faixas bónus), adicionámos uma demo nunca antes publicada e uma gravação ao vivo de 1998, ambas com um som que requeria muito trabalho.
No entanto o álbum continua sem edição em vinil, certo? Há planos para que venha a haver uma?
A Exhumed From The Grave contactou editoras europeias para uma edição em vinil, mas não há nada concreto até agora. Sem dúvida, seria uma parte fundamental da nossa discografia, já que a música de Inquisicion é feita para ser ouvida em vinil. Foi assim que conhecemos o heavy metal, é assim que o queremos mostrar.
Para mim, não apenas é «Black Leather From Hell» um clássico do heavy metal, como todos os vossos álbuns são muitíssimo bons. Certamente já ouviram muitas vezes o que vou dizer: Inquisicion deveria ser um nome de referência em todo o mundo metálico. Por que achas que continuam tão ocultados do panorama metálico fora da América do Sul?
Agradeço o elogio. Penso que a história do heavy metal está cheia de boas bandas que nunca tiveram a visibilidade que mereciam. Não cabe a mim dizer se os Inquisicion fazem parte dessa lista. Fazem parte do heavy metal tradicional. Assim é o jogo. Queremos ser recordados como os Riot da América do Sul!!! Haha.
Já tocaram muito fora do Chile? Alguma vez farão uma tournée pela Europa?
Tivemos a grande oportunidade no ano passado de tocar com os nossos ídolos Nasty Savage e Atrophy em Lima, Peru, no âmbito do Abbadon Fest 2, organizado por Rhino Colmena. No entanto ainda não tivemos a sorte de tocar na Europa. Espero que isso se possa concretizar em breve. Por enquanto, temos planos dentro da América do Sul.
O Chile tem uma forte cena metálica no contexto da América do Sul, talvez especialmente dentro do death metal, e creio que muita coisa evoluiu para melhor nas últimas duas décadas. O que podes dizer-me sobre isto?
O surgimento do thrash primeiro e depois do death metal no Chile tem muito a ver com a realidade histórica do que aqui foi vivido nos anos 80 e que levou às primeiras tentativas de autogestão, que fizeram do metal a primeira das chamadas tribos urbanas a ter visibilidade e destaque na cultura chilena. Isto abriu terreno a que milhares de jovens possam até hoje encontrar no metal um refúgio e um modo de vida com o peso da herança de várias gerações de músicos, revistas, lojas de música, t-shirts, etc. Hoje, no Chile, quase todas as bandas dizem que tocam metal, mesmo que não seja assim, já que isso lhes permite o acesso seguro a um público fiel e militante. E, claro, comparando com 10, 20 ou 30 anos atrás, as possibilidades são, sem dúvida, maiores.
Porquê o regresso de Freddy Alexis? O que aconteceu ao Paulo Domic? Vejo que o Freddy continua em grande forma vocal, e há como que um regresso aos primórdios dos Inquisicion…
Ambos são bons cantores. Porém, com o passar dos anos, o Domic começou a distanciar-se do heavy metal tradicional, optando por outros estilos que nos levaram a tomar caminhos diferentes. O Freddy Alexis permite-nos soar hoje como nos nossos primeiros álbuns, coisa que o público agradece, e além disso as nossas novas músicas têm uma aura à qual os nossos ouvintes estão habituados.
O que pensam sobre os problemas políticos na América do Sul e no mundo? O caos na Venezuela, a eleição de um presidente de extrema-direita no Brasil… Acham que a repressão da liberdade está em andamento? Qual é a vossa visão do ponto de vista de um país que conheceu uma evolução da mentalidade nas últimas décadas (como aliás Portugal)?
A verdade é que não estamos interessados em política, tudo é igual: “Baunilha ou Chocolate”. A única coisa relevante depois do heavy metal é erradicar os fuckin’ church preachers!!!
A esse propósito, as vossas letras são muito anti-cristãs … a sociedade no Chile continua a sentir o peso da moral da igreja?
No Chile, houve uma grande mudança nos últimos cinco anos. Em centenas de colégios católicos abusaram sexualmente de menores ao longo do tempo. Os números podem ser muito maiores do que pensamos, talvez tenhamos vários milhares de abusados no sul do Chile, que por sua vez, devido aos seus traumas, continuaram a abusar de outros, como uma epidemia. Embora a Igreja Católica tenha tido um peso social e político ao longo de toda a história, com a descoberta dos casos de pedofilia passou a haver muito pouca gente que baptize os seus filhos ou vá à igreja. Porém, a marca na cultura e na idiossincrasia do chileno manter-se-á por décadas. É incrível como a capa de «Preacher And Lust» abalou tantas consciências ao ponto de custar a saída a Ezzati, hahaha!!
Qual o álbum de Inquisicion de que mais gostas?
Estou indeciso entre «Preacher And Lust» e «Codex Gigas». No entanto, suspeito que o novo material em que estamos a trabalhar será o meu favorito.
O que trará o futuro para os Inquisicion?
Estamos a preparar um novo álbum para o qual já temos várias músicas em demo, ideias de capa e títulos sobre a mesa. Esperamos terminá-lo ainda este ano para ser editado no início de 2020. Na realidade, com o «Preacher», fizemos tudo o mais rápido possível para atingir a meta auto-imposta de um novo álbum a cada dois anos. Desta vez, estamos a levar um pouco mais de tempo com o qual esperamos estar à altura dos exigentes ouvidos dos Inquisibangers quanto a composição, execução e som. Gostaria de terminar a entrevista agradecendo o teu apoio, Rick, e desejando-vos que o heavy metal preencha as vossas vidas e os vossos cérebros.