Encabeçado pelos MOONSPELL e THERION, o primeiro dia de MILAGRE METALEIRO OPEN AIR não defraudou expectativas.
As expectativas estavam altíssimas para esta décima quarta edição do MILAGRE METALEIRO OPEN AIR. Primeiro, por ser a primeira vez num novo local dado o incremento de festivaleiros que o cartaz levou a Pindelo dos Milagres; segundo, por ser uma estreia absoluta para muitos dos festivaleiros que fizeram questão de não passar ao lado de um cartaz demolidor. Pesem algumas dores de crescimento, naturais em situações deste género,o espírito que sentiu ao entrar no recinto manteve-se intacto durante todo o fim de semana e as expectativas não só foram cumpridas como acabaram mesmo por ser superadas — algo de que falaremos posteriormente em maior detalhe.
Logo às 16:00, entraram em cena os VØIDWOMB, com a sua mistura blasfema de black e death metal que rapidamente concentrou a atenção do público que ainda entrava no recinto. Já sabíamos que a entrega seria poderosa e o som ajudou a que não fosse de outra forma. A actuação apoiou-se no EP de estreia «Altars Of Cosmic Devotion», mas ainda permitiu sentirmos um cheirinho daquilo que está por vir com um novo tema a ser tocado. Um começo já a fazer prever a qualidade do que viria ser este primeiro dia.
Os FRANTIC AMBER, banda sueca de death metal melódico que já nos tinha visitado anteriormente em 2018, no mítico Stairway Club, foram os primeiros a subir ao palco principal e se, inicialmente, o público estava contemplativo, não demorou muito a que começasse a abrir o primeiro de muitos circle pits, com o pó que se foi levantando a servir de indicativo de clientes satisfeitos com a música que se fazia ouvir. Além de temas dos dois álbuns que lançaram até ao momento, «Burning Insight» e «Bellatrix», tocaram também uma música nova a figurar no próximo longa-duração, «Angel Maker».
De volta ao palco secundário, até poderia achar-se que os espanhóis HADADANZA, eram desconhecidos de grande parte do público, não fosse o facto de estarem presentes muitos fãs compatriotas. Esta foi a primeira vez que a banda tocou fora do seu país e pode dizer-se que, apesar de alguns problemas iniciais com o som, a estreia não poderia ter corrido de forma melhor. Com uma apresentação de palco peculiar, foi efectivamente o som, um folk rock/metal que colocou todos a fazer a festa com temas com títulos tão sugestivos como «Bebe Con Nosotros», que conquistou a plateia e deixou vontade de os ver novamente.
ANGUS MCSIX era um dos nomes mais apetecidos deste primeiro dia. Embora só recentemente tenha lançado o seu álbum de estreia, o ex-vocalista de Gloryhammer (anteriormente conhecido como Angus Mcfife) era uma das escolhas obrigatórias para os fãs de power metal. Esses certamente não ficaram nem um bocadinho desiludidos com todo o aparato “cheesy” que faz parte do imaginário fantástico em que o grupo de insere. Apresentando-se em palco sem baixista e com algumas backing tracks, nem esse lado mais artificial da actuação atrapalhu mais um momento de boa diversão.
O número de bandas espanholas presentes no cartaz era de elevado número e isso serviu para ficarmos com a noção da enorme qualidade que nos chega do país vizinho. Os OPERA MAGNA foram um desses casos, com a banda de Valência a trazer na bagagem o mais recente trabalho, uma junção dos dois EPs «Del Amor Y Otros Demonios – Acto I» e «Acto II». Os temas em espanhol concentraram as atenções da plateia, a força do power metal sinfónico que os caracteriza e uma prestação memorável, sobretudo por parte do guitarrista F. Javier Nula, não só surpreenderam como conquistaram novos fãs.
Parece incrível, mas apesar dos seus quase trinta anos de carreira, esta foi apenas a segunda vez que os ORDEN OGAN se apresentaram perante o público português — mais um ponto para a coluna de serviço público por parte do MILAGRE METALEIRO OPEN AIR. O mais recente álbum «Final Days» esteve, claro, em destaque e foi impressionante perceber a quantidade de seguidores da banda teutónica presente na plateia, com muitos a cantarem as letras de temas como «F.E.V.E.R.» (a servir de mote a um crowdsurf por parte de Nuno Damas, responsável pela equipa de segurança) e «We Are Pirates». Resultado, uma estreia em solo nacional que ficará, certamente, na memória de todos.
Saindo da esfera do power metal, o palco secundário recebeu os nacionais BLAME ZEUS. Sem acusarem a pressão de serem uma proposta mais alternativa num contexto declaradamente metálico, a banda de Sandra Oliveira agarrou a actuação com garra desde o primeiro momento graças a temas muito fortes como «Slaughter House» e «No» — e também a um som que favoreceu totalmente a sua música. Não faltou também a oportunidade de testemunhar ao vivo a interpretação de novos temas como «Left For Dead» e «Lust», os primeiros singles de avanço para o novo álbum «Laudanum», que vai ser lançado em breve.
Outro dos nomes em destaque eram os THERION, a protagonizarem aqui um muito antecipado retorno a terras lusas. O colectivo sueco é um nome incontornável entre os fãs portugueses e, verdade seja dita, nem a ausência da vocalista Chiara Malvestiti, ficando só Thomas Vikström e Rosalía Sairem a cargo das vozes, comprometeram a entrega de autênticas obras de arte auditivas como «Birth of Venus Illegitima» ou «Ginnungagap». Com uma discografia tão rica, e num contexto de festival, não foi de espantar que as duas partes de «Leviathan» tivessem sido representadas por um tema de cada álbum e a banda acabou por dar ao público exactamente aquilo que se esperava — clássicos atrás de clássicos, num dos concertos maiores desta primeira noite.
O palco secundário continuou a apostar nas sonoridades nacionais e os SHUTTER DOWN tocaram logo de seguida. A banda de Viseu tem em «Awake», de 2017, o único álbum lançado na sua carreira e foi aí que foram buscar a maioria dos temas do alinhamento. Entraram cheios de energia e, andando entre o rock musculado e o hard rock, conseguiram cativar a atenção de todos os que já aguardavam pelo início da actuação dos MOONSPELL, provando também que intercalar sonoridades e trazer mais dinâmica a um cartaz pode dar bons resultados. «Falling In The Dark» e «Save Me» foram dois destaques de uma actuação sólida.
Os MOONSPELL aproveitaram a sua presença em Pindelo dos Milagres para encerrarem a sua digressão de Verão e, desde cedo, mostraram-se dispostos a transformar a actuação num momento de comunhão com os seus fãs. Vai daí, percorreram grande parte da sua carreira e passaram apenas ao lado de álbuns como «Sin/Pecado» e «Darkness And Hope». Os fãs mais acérrimos podem sempre queixar-se de que não tocaram a sua música favorita, mas este alinhamento trouxe de tudo um pouco para todos — e não houve quem ficasse desiludido com a prestação da banda liderada por Fernando Ribeiro. Em 2023, os MOONSPELL são músicos em paz com o seu percurso e não espanta que sejam sempre acarinhados em todos os sítios onde passam. Dúvidas restassem, o concerto que registou a maior enchente neste dia.
Apesar de uma boa parte do público ter abandonado o recinto após o final da actuação dos cabeças de cartaz, a plateia manteve-se bem composta frente ao palco secundário para testemunhar a estreia dos GRAVEWORM em Portugal e, verdade seja dita, as coisas não poderiam ter corrido de melhor forma. A banda italiana, que já conta com mais de três décadas de carreira, deu um concerto digno de encerrar em grande o primeiro dia da edição de 2023 do MILAGRE METALEIRO OPEN AIR. O foco poderá ter estado no excelente «Killing Innocence», lançado recentemente, mas não deixaram de passear um pouco por toda a sua discografia, alimentados pela imensa energia que vinha do público.
Fotos: Sónia Ferreira