A dura realidade de não termos nenhum dos membros da formação clássica dos MC5 entre nós.
Esta semana o RETROVISOR vai fundo, pega em três temas e não num. Tenta-se perceber onde o heavy rock começou e abrir a boca de pasmo no tanto que se perdeu desde os anos 70 até esta segunda década do séc. XXI, recheada de totalitarismos, politicamente correctos, polícias da mente e dos costumes, sejam eles de esquerda ou direita. Algo se perdeu nestes anos, e os MC5 talvez não tivessem espaço actualmente para cantarem “the more you suck it/the more it grows“.
Os MOTOR CITY 5 foram um quinteto de Detroit, e só aqui abrem um capítulo do rock, ainda com muito por contar: The Stooges, Amboy Dukes, Bob Seger, até Alice Cooper. Naquela segunda metade da década de 60 estava lá tudo, e por isso «Detroit Rock City», dos KISS, não é apenas sobre carros.
Brancos, de esquerda e apoiantes declarados dos Panteras Negras, braço armado do movimento negro, viviam em comunidade segundo os bons preceitos hippies, mas na sua música e atitude, sempre abraçaram a mesma espiral de violência e confrontação que se tornou bandeira do punk. Por tudo isso, anos mais tardE, levaram o selo de proto-punk.
A formação clássica está em cima do palco nas imagens que se vêem em baixo: Wayne Kramer, guitarra e voz, Fred “Sonic” Smith, guitarra e voz, Rob Tyner, voz, Michael Davis, baixo e Dennis Thompson, na bateria. Em três anos, de 69 a 71, lançaram três discos, sendo o primeiro um monumento ao rock. Alguns defendem que foram eles os verdadeiros fundadores do heavy metal, mas o período de 69/70 foi demasiado rico em sons pesados.
Mas vamos esquecer tudo isso, e perceber esta pérola. O grupo estava no pico da criatividade, tocava num espaço da faculdade que frequentavam, ao lado de uma auto-estrada movimentada. Reza a lenda que conseguiram abafar o ruído dos carros. Wayne Kramer, com a sua estranha dança em palco, é a estrela destes dez minutos avassaladores. Pega em Bo Diddley, James Brown e Chuck Berry e torna-se letal. Não toca apenas guitarra, dança com ela, usa-a como arma e rouba todo o palco, vejam todo aquele show aos dois minutos e trinta. Não é à toa que Fred “Sonic” apresenta Wayne Kramer Ramblin Rose, pois músico e tema fundem-se num só.
Quando Rob Tyner chega para o seu «Kick Out The Jams, motherfuckers!», já vem a correr atrás do prejuízo, pois Wayne tinha roubado o protagonismo, e é nesse tema que se percebe a solidez da secção rítmica. Chega «Looking At You» e Kramer demite-se da função de guitarrista, e quando pega na guitarra, aos sete minutos de vídeo, temos um exemplo de twin guitar a explodir que envergonharia os Scorpions ou os Priest.
Certamente “energizados” por umas doses de LSD e marijuana, drogas de que defendiam o uso, os MC5 revelam uma compreensível energia em palco, ao mesmo tempo que já não se entende a apatia da maioria dos assistentes, certamente desprevenidos face a tão poderosa descarga de rock.
Antes desta actuação, o colectivo tinha estado a gravar «Back In The USA», seu segundo disco, com Jon Landau, mais tarde conhecido pelo seu trabalho com Bruce Springsteen, mas que na época recebeu o rótulo de fascista, pela própria banda com quem ajudara a criar o disco mais estável da curta carreira. Curta, porque faltavam apenas dois anos para tudo implodir, décadas antes de ressurgirem numa versão zombie. Ficam aqui dez minutos de rock, sem gorduras, sem compromissos e sem preocupações em agradar a facções. A questão que fica é, haveria hoje espaço para uns novos MC5?