LEMMY

AQUELA VERSÃO: «Heroes», LEMMY vs. DAVID BOWIE

LEMMY e BOWIE, duas estrelas com pouco em comum, mas com final próximo da data e na forma.

Quando Ian Fraser Kilmister, ou Lemmy, faleceu, aconteceu tudo muito rapidamente. Cerca de um ano e meio antes, surgiram as primeiras notícias de doenças ou cancelamentos de concertos. Na sua festa de aniversário, ao contrário do sucedido noutros anos, optou por assistir sentado. Mesmo assim, o período entre exames médicos, notícia destes e o óbito foi de uns escassos dias. A sua morte fechou um ciclo chamado MOTÖRHEAD, e o dia 28 de Dezembro de 2015 pode ser mesmo a data em que um certo rock fechou portas.

Seria interessante ver a reacção de Lemmy a toda a cancel culture que assolou o ocidente nos últimos anos. Ou como reagiria a não poder tocar, ou deslocar-se, ao Rainbow Bar & Grill nos anos da “grande” praga? Conhecendo-se a acidentada carreira do grupo, no que toca a acordos discográficos, era fácil antecipar o cortejo de edições póstumas que viriam, e virão, a acontecer. No entanto, os companheiros de estrada Phil Campbell e Mikkey Dee ainda tiveram oportunidade de editar um último disco, ou pelo menos, último até agora.

«Under Cöver», como o nome indica, tratava-se de uma colecção de versões feitas pelo grupo. Um derradeiro registo, em que se encontravam versões feitas no passado. Estão lá temas de Ted Nugent, RAINBOW, JUDAS PRIEST e até METALLICA. Apenas dois inéditos na realidade, «Rockaway Beach», dos RAMONES, e «Heroes», de DAVID BOWIE. Acontece que, se a morte de Lemmy apanhou todos de surpresa, a de Bowie ainda mais.

O cantor inglês morreria, também ele de cancro, praticamente duas semanas após o baixista/vocalista, e o mundo apenas teve notícia da doença no momento do óbito. Duas estrelas com pouco em comum, mas com um final próximo, na data e na forma. Isso já bastava para a versão ser digna de nota, mas é também uma das mais conseguidas do grupo. E também premonitória, We can beat them, just for one day / We can be heroes, just for one day. São muitos os versos neste poema, que poderiam figurar por baixo da cabeça de Snagletooth, ou Warpig, como lhe quiserem chamar.

Se o original de Bowie e Brian Eno já é hipnótico, a reinterpretação dos MOTÖRHEAD, pelo significado póstumo, pode ser arrepiante. O original, datado de 1977, é um dos temas de Bowie com mais versões. Inspirado pela estadia do músico em Berlin, é uma menção ao antigo muro que separava as duas Alemanhas, e que dividia a abertura do Ocidente do totalitarismo de Este.

Na versão dos britânicos torna-se um último adeus de Lemmy, uma última mensagem de um contador de histórias, de um personagem real, que atravessava um mundo de ficção. O vídeo, bem conseguido, consegue ser um misto de retrato da banda ao vivo, com fotos do próprio Lemmy, num último elogio fúnebre. São quase duas centenas de versões, iniciadas com Blondie, ainda nos anos 80.

Depois há algumas no campo do gótico, como as dos CLAN OF XYMOX ou LOVE LIKE BLOOD. Outras até, bem mais pesadas e perdendo o lado hipnótico, como no caso dos CELTIC FROST em «Vanity / Nemesis», ou do super grupo HOLLYWOOD VAMPIRES. Porém, nenhuma terá o sabor da versão saída dos lábios de Lemmy. O homem que deixou tantos ensinamentos, ainda teve fôlego para um último “we can beat them, for ever and ever.