No concerto esgotado de regresso a Lisboa, Cristina Scabbia, Andrea Ferro e Maki mostraram o espírito resiliente dos LACUNA COIL e a ligação profunda com o público português. A digressão de promoção ao álbum «Sleepless Empire» trouxe a Lisboa um espetáculo sólido, marcado por temas do novo álbum e, claro, uns quantos clássicos intocáveis também.
Lisboa voltou a receber os LACUNA COIL esta sexta-feira, 17 de Outubro, para uma noite que confirmou a solidez de uma relação construída ao longo de duas décadas. A Sala 1 do LAV – Lisboa Ao Vivo encheu-se para ver a banda italiana apresentar o novo álbum «Sleepless Empire», editado em Fevereiro último, e o reencontro não desiludiu. Aquilo que vimos foi um concerto equilibrado, intenso e emocional, com o peso certo, o som certo (em determinados sítios da sala, mas já lá iremos) e um público rendido ao charme de Cristina Scabbia e companhia.
Nos dias que antecederam esta série de datas, Andrea Ferro, o outro vocalista dos LACUNA COIL, esteve à conversa com a LOUD!, e disse que, nos dias que correm, a banda encara cada concerto com uma mistura de gratidão e instinto. “O que te mantém não é o sucesso, são as pessoas. As relações, a amizade, o respeito. É isso que te faz levantar quando tudo à tua volta muda“, disse-nos ele. Essa ideia de ligação humana e persistência esteve presente em toda a actuação lisboeta — numa noite em que a banda pareceu celebrar tanto a continuidade como a reinvenção.
A abrir o espetáculo estiveram os norte-americanos NONPOINT, que cumpriram com eficiência o papel de preparar o ambiente para o que se seguiria. Liderados por Elias Soriano, os veteranos do nu-metal apresentaram um alinhamento curto, mas arrancaram uma óptima reacção à plateia com temas como «Chaos And Earthquakes», «Ruthless», «What A Day» e uma versão de «In The Air Tonight», do Phil Collins, a servirem de cartão de visita.
O som esteve coeso, mas já a fazer antever uma supremacia da sessão rítmica sobre as guitarras, como aconteceu no concerto recente dos KILLSWITCH ENGAGE. A energia foi genuína (a brincadeira com os KORN teve piada) e o público respondeu com um entusiasmo que deixou os músicos impressionados, transformando a primeira parte num aquecimento eficaz para a subida a palco dos LACUNA COIL.











Pouco antes das 22:00, as luzes apagaram-se e a sala mergulhou numa escuridão expectante. O sons da introdução ecoaram pela sala e, de forma faseada, a banda apareceu em palco. Primeiro o baterista Rick Meiz, depois Maki no baixo e o novo guitarrista Daniele Salomone. Por fim, Scabbia e Ferro, aplaudidos com afinco. O arranque com «Layers Of Time» e «Reckless» foi forte e imediato. A resposta também foi instantânea: braços erguidos, vozes em coro e uma energia que se manteve até ao final. A química entre os dois vocalistas continua a ser o centro gravitacional dos LACUNA COIL, e é notável como, mesmo depois de quase trinta anos, essa dualidade vocal soa tão natural.
Sem grandes pausas, seguiu-se o single «Hosting The Shadow», «Kill The Light» e «Die & Rise», todas executadas com a intensidade e clareza que marcam o actual momento dos LACUNA COIL, que estão em forma como só estão as bandas que passam a vida na estrada. Em palco, Scabbia mostrou a sua habitual garra, a mover-se entre as luzes com uma presença firme e controlada, a agradecer constantemente ao público e a apregoar a sua paixão pelo nosso país (e pelos Pastéis de Nata). “Lisboa, é sempre um prazer regressar,” disse ela logo na primeira parte da actuação.
O concerto ganhou então mais densidade com uma sequência que passou por «Spellbound», «In The Mean Time», «Intoxicated», pela versão XX da já “velhinha” «Heaven’s A Lie» e terminou em «Downfall». Já na segunda metade do concerto, Scabbia benzeu figurativamente a plateia antes de se atirarem às «In Nomine Patris», «The House Of Shame» e «Blood, Tears And Dust», sempre com o público a responder ordeiramente à energia que provinha do palco, marcada por um contraste entre o peso das guitarras e as melodias vocais que definem a identidade do grupo.
Ainda antes de «Nothing Stands in Our Way» encerrar o corpo principal do alinhamento, ouviram-se a «Gravity» e a «Oxygen», duas das faixas mais acessíveis do novo álbum. O vocalista dos LACUNA COIL tinha-nos descrito o «Sleepless Empire» como um álbum que “nasceu em tempo de confusão. Chamámo-lo assim porque o mundo parece um império sem sono — todos acordados, todos exaustos, mas ainda com vontade de continuar.” Ao vivo, essa ideia fez sentido.
Em Lisboa percebeu-se que o novo material soa mais pesado, mas também mais directo ao vivo, com refrões fortes e uma produção que ganha outra dimensão em palco. Apesar da novidade, havia quem estivesse mesmo ali ao lado a cantar as letras para si (ou a berrá-las na direcção do palco), um sinal de que o «Sleepless Empire» já encontrou o seu espaço nas discografias dos fãs e nos alinhamentos do grupo. Felizmente, entre os novos temas, a banda introduziu momentos familiares, como a já mencionada «Heaven’s A Lie XX», que foi recebida em coro por toda a sala.
A nova versão do clássico mantém o impacto do original e confirma que, mesmo após duas décadas, as canções mais marcantes dos LACUNA COIL continuam a unir gerações. Miúdos e graúdos rendem-se ao charme dos italianos. Ferro tinha-nos dito que a banda aprendeu a lidar com o tempo de outra forma na sequência da pandemia: “Mudamos de pele, mas o coração continua a bater.” Pois bem, essa afirmação também ganhou forma no palco: a nova formação soa coesa e muito equilibrada, com Diego Cavallotti em destaque na guitarra e Richard Meiz a manter uma pulsação constante e precisa na bateria.
Após uma breve pausa, o encore começou com «The Siege», logo seguida de «I Wish You Were Dead», «Swamped XX» e «Never Dawn», numa sequência em crescendo que levou ao final. A «Swamped XX», revisitação de um dos temas mais emblemáticos do «Comalies», mostrou o equilíbrio que define hoje os LACUNA COIL: respeito pelo passado, mas sem apego à nostalgia. A «I Wish You Were Dead» e a «Never Dawn», do novo álbum, sintetizaram esse espírito, unindo peso e melodia com naturalidade.
No final, ficou a ideia de um concerto que pode não ter sido o mais espectacular da carreira dos LACUNA COIL, a guitarra só se ouvia claramente em alguns pontos estratégicos da sala e a voz do Sr. Ferro podia estar mais potente, mas foi certamente um dos mais sólidos e significativos. Mostrou ao público luso uma banda confortável com o seu próprio percurso, consciente das suas limitações e das suas virtudes, capaz de manter a intensidade sem recorrer à nostalgia. Lisboa assistiu a um retrato fiel do presente dos LACUNA COIL: menos sobre a necessidade de provar, mais sobre a vontade de continuar. E, três décadas depois, isso é, muito provavelmente, o maior sinal de força que nos podiam ter dado.





















