As lendas do thrash germânico KREATOR estão de regresso com o poderoso «Hate Über Alles», mais um disco que promete ficar em lugar de destaque numa lista dos melhores lançamentos da carreira da banda liderada por Mille Petrozza. Aproveitando a data de lançamento do álbum e o facto de que os músicos vão regressar finalmente a Portugal para uma actuação no primeiro dia do VOA – Heavy Rock Festival, estivemos à conversa com o sempre simpático Petrozza, vocalista, guitarrista e timoneiro de um dos colectivos mais lendários de todos os tempos no espectro da música extrema.
Como corre a vida na Alemanha?
Está tudo porreiro! O sol deu a cara. Não acho que esteja tão bom como em Portugal, mas para a Alemanha, o tempo até está bastante bom. [risos] Mas lá está, Portugal é o sítio certo para se estar.
Conseguiste escapar ao vírus ou também foste apanhado?
Apanhei-o muito recentemente. Estava prestes a fazer uma entrevista — acho que foi em Março –, fiz um teste e deu positivo. Mas os sintomas foram muito leves, a fazer lembrar uma constipação. Dito isto, tive alguma sorte.
Quando começaram a trabalhar neste novo disco? Foi ainda antes da pandemia?
Sim, começámos a trabalhar nas novas canções bem antes da pandemia ter começado. Fizemos as primeiras versões dos temas em 2018 e, depois, continuei a escrever mais e mais. Em Maio ou Junho de 2020 foi quando nos juntámos para ensaiar as novas canções e a nossa intenção era editarmos o disco no final de 2020. Entretanto houve o segundo confinamento e, nessa altura, decidimos que era melhor trabalharmos um pouco mais nos novos temas e deixarmos as coisas um pouco em “águas de bacalhau”. Queria ter a certeza que, quando o álbum fosse editado, poderíamos ir para a estrada promovê-lo.
Então a pandemia acabou por ser benéfica para vocês, de certa forma?
Dizer que foi benéfica é capaz de ser um pouco exagerado. Claro que não demos as boas-vindas à pandemia, mas aproveitámos o tempo para termos a certeza que podíamos aperfeiçoar os temas. Não foi uma altura agradável.
Com a palavra “benéfica” referia-me mesmo só a isso, ao facto de terem tido mais tempo para trabalhar nos temas. Acho que ninguém recebeu a pandemia de braços abertos. [risos]
Claro, claro… Nós até tínhamos tirado o ano de 2019 para descansar, para não termos que nos preocupar com sortes e azares, podermos reflectir e viver a vida um pouco, de forma a sentirmo-nos inspirarmos. Foi a altura errada para o fazer, porque no início de 2020 começaram os confinamentos e, em boa verdade, estivemos quase três anos sem fazer nada por causa disso. 2019 não foi, vendo agora, a melhor altura para termos tirado “férias”.
Ainda assim, em 2021 acabaram por tocar no Bloodstock. A gravação desse concerto até aparece como extra na edição especial do novo álbum. Como foi regressar ao palco nesse festival?
Foi fantástico. No Reino Unido, as restrições eram diferentes — em boa verdade, já não havia restrições nenhumas nessa altura. O festival estava totalmente esgotado. Foi um bom pontapé de saída e ficámos com a esperança de que não houvesse mais confinamentos, mas as coisas acabaram por não correr bem dessa maneira. Apesar de não haver muitas restrições, ainda não era exequível fazer digressões. Ficámos satisfeitos por, pelo menos, termos tido a chance de dar esse concerto, porque em 2020 não tínhamos tocado nada e, no ano passado, demos apenas sete concertos – tocámos em Espanha, na Hungria, na Áustria, tivemos o Bloodstock, e ainda fomos à Bélgica. Foram seis ou sete, que é melhor que nada.
Foi bom verem a cara dos fãs no meio do público?
Foi um alívio! Nem queiras saber. Havia tanta energia… Estar em casa sem ver os fãs é triste. Durante o confinamento foi uma tristeza, porque quando tens uma banda, o teu trabalho é tocar ao vivo para os fãs. E, como é óbvio, por razões de segurança, isso não foi possível durante os confinamentos. Eu aceitei isso, mas fiquei bastante frustrado. Voltar a tocar ao vivo tem sido uma libertação de energia indescritível.
E tudo o que viveste nessa altura dos confinamentos trouxe-te alguma inspiração especial? Tornou a tua escrita um pouco mais agressiva, por exemplo?
Sim, um pouco. Apesar de nada ser planeado ao ponto de decidirmos, por exemplo, que agora vamos escrever o nosso tema mais agressivo de sempre. Não fazemos isso. Não trabalhamos dessa forma. Tentamos escrever o melhor disco possível e queremos gostar de todas as canções. Desta vez, escrevi vinte temas, por isso pude escolher aquelas que considerei serem as dez melhores deste período de quatro ou cinco anos. No final de contas, o álbum tem momentos muito agressivos, certo? É definitivamente um pouco mais puro, menos orquestral, uma espécie de regresso às raízes.
É mais “in your face“!
Sim, sim! É isso mesmo!
Entretanto, editaram um vídeo-clip para o tema «Midnight Sun», que é bastante diferente daquilo que fazem habitualmente, até pela presença da voz da Sofia Portanet. Como surgiu essa ideia?
Basicamente, decidimos usar uma voz feminina porque se encaixava na letra e no conceito da canção. A música e o vídeo-clip são uma homenagem a um filme que saiu há uns anos, o ‘Midsommar’, do Ari Aster. O tema e a inspiração vêm do filme, em que a actriz principal tem a parte mais poderosa — acaba por sobreviver a todos no final. Achei interessante, porque nunca tínhamos feito nada do género, e essa ideia de usarmos uma voz feminina no tema acabou por encaixar na perfeição. Isto já tinha sido feito no passado por outras bandas, mas tentámos evitar que fosse algo ao estilo mais operático. Queríamos que fosse algo mais do género Jekyll e Hyde, a bela e o monstro; queríamos alguém que tivesse uma voz única e estranha… Tinha de ser feito desta maneira.
Quando a voz dela entra, o tema torna-se quase assombroso.
Sim, é definitivamente um daqueles momentos no disco onde questionas o que está a acontecer. Gosto muito disso. Quando ouço o resultado final agora, gosto do facto de não ficar aborrecido. Acho que cada música é única e podia ser potencialmente um vídeo ou single. Estou muito satisfeito.
É um disco muito fluído, quase não se dá pelo tempo a passar.
Quer dizer que gostaste. [risos]
Claro que gostei, senão não estava aqui a falar contigo.
[risos] Na verdade gravámos outro tema, mas o nosso produtor disse que, apesar de até ter potencial para single, não o devíamos colocar no álbum, porque senão ficava muito longo e ninguém queria isso. Não quero um álbum que se arraste. Já há por aí demasiados discos que, apesar de bons, são demasiado longos.
A «Conquer And Destroy» também é bastante invulgar; quando se chega ao refrão, o tema torna-se quase épico, algo que também não é muito comum nos Kreator.
Nada é planeado com antecedência. O que queríamos era surpreender as pessoas. Queríamos que o álbum fosse tão variado quanto possível sonicamente, que tivesse momentos dos quais ninguém está à espera. Essa parte épica soa inesperada e faz com que queiras ouvir o tema novamente. Ninguém pode dizer que já tinha ouvido isso antes num álbum dos Kreator, e acho que isso é exactamente que faz dele o que é. Temos aqueles temas directos, como o «Killer Of Jesus» ou o tema-título; depois temos a «Midnight Sun» e a «Pride Comes Before The Fall», que são um pouco mais épicas e estranhas, têm o seu quê de único. São canções que sobrevivem sozinhas e que são Kreator na mesma, mas mais inesperadas.
Outra canção que se destaca é a «Crush The Tyrant». Obivamente que, com a situação de guerra que estamos a viver, acaba por ter um significado ainda maior. Apesar de a teres escrito bem antes da invasão da Ucrânia por parte da Rússia é um tema que podia ser sobre o Putin…
É verdade! [risos] Acaba por fazer todo o sentido, não é? Infelizmente não queremos ser proféticos em relação a essa merda, e é claro que somos anti-guerra. É uma coisa horrivel e feia. No que toca a isso, dispensava bem a parte do ser profético, mas a «Crush The Tyrant» ganhou agora um novo significado.
Falaste há pouco em «Pride Comes Before The Fall», um tema que começa com spoken word – aí temos outra coisa que já não acontecia há algum tempo.
Decidi usar a minha voz estranha e gótica. Gosto de fazer estas coisas quando ninguém está à espera. Gosto de experimentar cenas diferentes, vários elementos da voz. Acho que é algo que encaixa também muito bem no tema.
Os Kreator já andam nestas andanças há quase 40 anos e, se calhar, pouca gente esperava que tivessem esta longevidade. Quando iniciaste a banda, alguma vez pensaste onde estarias passado 30 anos?
Quando és novo, não pensas dessa forma; vais na onda. Vais de uma digressão para outra, vais de um disco para outro e, de repente, já passaram 30 anos e continuas a fazer disto vida. Não é algo em que pense. Quando fiz as primeiras entrevistas para o «Endless Pain» ou para o «Pleasure To Kill», claro que já desejava ter uma longa carreira. Era esse o objectivo e a minha visão inicial. No entanto, as coisas podiam ter corrido mal. Tivemos muita sorte. Disco após disco, os fãs continuam interessados. É preciso ter uma mente aberta e capacidade de reinvenção de tempos a tempos. Eu adoro tocar e fazer música. Gosto muito de ouvir algumas das canções que eu próprio escrevo. Da perspectiva do fã, quero variedade e surpresas. Quero que as pessoas se mantenham interessadas na nossa música e, para isso, tenho que manter o interesse na música que faço. Sou o meu maior crítico, mas também sou muito apaixonado pela música que faço.
Lembras-te do momento em que te apercebeste que podias fazer disto vida?
Nunca duvidei. Claro que, como disse, tivemos muita sorte. Há muitas bandas talentosas que continuam a viver na cave e não conseguem ir a lado nenhum porque não têm essa sorte. Nesta indústria não basta só ter talento, é preciso estar no sítio certo, à hora certa. É preciso ter uma grande porção de sorte, senão as coisas podem não correr bem.
Claro que já deram muitos concertos ao longo destes anos em muitos festivais e, certamente, já tocaram em muitos locais merdosos também. Tens alguma ideia de qual terá sido o melhor e o pior concerto que deram?
Já houve muitos maus concertos, espectáculos em que, tecnicamente, as coisas correram mal. No entanto, às vezes esses concertos são aqueles de que os fãs mais se lembram. Lembro-me de ter tocado em Espanha há alguns anos, a electricidade foi abaixo a meio da actuação e fiquei muito irritado. Estava possuído! Mas as pessoas lembravam-se desse concerto e vinham dizer-me que, naquele dia, quando faltou a electricidade, tinha sido um espectáculo porque eu tinha ficado só a olhar para eles. [risos] É claro que também demos concertos que foram memoráveis. Eu aprecio principalmente quando o público está um pouco preguiçoso ao princípio e, depois, os conseguimos agarrar, mesmo que estejam cansados. É aí que acontece a magia.
Vão estar de regresso a Portugal no Verão, para uma actuação no VOA — HEAVY ROCK FESTIVAL. Já têm alguma ideia do alinhamento?
Devemos tocar mais ou menos uma hora, por isso, chegamos, destruímos e vamos embora! Vai ser um alinhamento estilo “best of“. É provável que incluamos um ou dois temas do novo disco.
Já tens alguns temas favoritos do «Hate Über Alles» ou temas que aches que vão encaixar bem em futuros alinhamentos?
Para já, destaco o tema-título e «Strongest Of The Strong». No entanto, ainda vamos ensaiar para os festivais, por isso devemos incluir dois temas para estes concertos no Verão e cinco para a digressão que vamos fazer depois.É sempre complicado ter que deixar alguns clássicos de fora e substitui-los por novos temas, mas vamos ver.