KILLSWITCH ENGAGE

KILLSWITCH ENGAGE: “Portugal sempre esteve na nossa mente — regressar era só uma questão de tempo” [entrevista]

Na véspera do regresso a Lisboa, Jesse Leach, o vocalista dos KILLSWITCH ENGAGE, reflectiu sobre duas décadas de ausência e a ligação ao público português.

O regresso dos KILLSWITCH ENGAGE a Portugal, na última segunda-feira, dia 29 de Setembro, aconteceu num momento especial da carreira da banda. Após anos de ausência, o grupo voltou finalmente a Lisboa, naquela que foi apenas a sua segunda actuação em território nacional. O concerto, que aconteceu no LAV – Lisboa Ao Vivo (e já estava completamente esgotado), transportou consigo não só a energia acumulada de décadas de estrada, mas também a estreia do vocalista Jesse Leach perante o público português.

Em entrevista, Jesse Leach falou do entusiasmo em conhecer o nosso país, do gosto pela gastronomia portuguesa, do peso e das recompensas de uma vida em digressão, do equilíbrio entre clássicos e novidades no alinhamento, e ainda das mensagens de união e esperança que atravessam o novo álbum, «This Consequence». Numa conversa aberta, o simpático cantor refletiu também sobre a evolução dos KILLSWITCH ENGAGE, o impacto da tecnologia na vida de estrada e até os mal-entendidos em torno da capa do disco.

Olá, Jesse! Preparado para mais uma digressão europeia?
Sim, tenho apenas mais um dia em casa e, depois, apanho o avião. Decidi ir para a Europa uns dias mais cedo para explorar Portugal.

Na verdade, esta será a tua primeira vez cá, certo?
Sim, nunca estive em Portugal, nunca. E, pelo que já provei aqui nos Estados Unidos, adoro comida portuguesa, por isso estou mesmo entusiasmado para ir aí e comer imenso. Acho que vai ser muito, muito fixe.

Na verdade, é apenas a segunda vez que os KILLSWITCH ENGAGE tocam aqui, o que é meio estranho, não é?
É muito, muito estranho, de facto. No entanto, estou muito feliz por voltarmos. E, sabes, para mim também vai ser a primeira vez, e já passou tanto tempo, o que é uma pena, honestamente.

Quando tocaram cá pela primeira estavam em digressão de promoção ao álbum «Alive Or Just Breathing», mas tu tinhas acabado de sair da banda nessa altura.
Pois, saí. [pausa]

Entretanto voltaste — como tem sido essa jornada?
Sim, voltei em 2012… Portanto, já se passou bastante tempo. Para ser sincero, parece que passou uma vida desde que voltei. E tenho de dizer que foi, sem dúvida, a melhor decisão que alguma vez tomei na vida. Mudou tudo. Tenho aproveitado cada minuto e, na verdade, continuo a não dar nada como garantido. Por mais exausto que esteja por evezes, por mais frustrantes que certas coisas tenham sido aqui e ali, tem sido incrível. E estou grato, muito grato por ainda poder fazer isto.

As pessoas tendem a romantizar essa ideia de fazer parte de uma banda, andar em digressão e fazer tudo aquilo que vocês fazem. Mas também há lados negativos, certo?
Às vezes é complicado, sim. E, sabes, é bom falar disso de vez em quando, mas penso que a vasta maioria do que fazemos é tão incrível que quase parece errado sequer falar das dificuldades. Mas, olha, quando estás a viajar constantemente, claro que é cansativo. Quando estás longe de casa, perdes muitos momentos importantes. E tudo isso faz parte do pacote. Ou aprendes a lidar com isso e a sobreviver, ou não aprendes.

Acho que é por isso que a maioria dos músicos tendem a ser um bocado loucos ou acabam viciados em alguma coisa; por isso há que ter cuidado. Para mim, trata-se de encontrar moderação e equilíbrio e ter hábitos saudáveis. Por exemplo, o exercício físico tem sido uma enorme ajuda para a minha saúde mental. E também fazer FaceTime com a família — isso é algo enorme, ajuda imenso. E, claro. ter uma família que entende o estilo de vida que levas é crucial.

Fora isso, consegues viajar pelo mundo. Fazes o que amas. E, como disse no início desta chamada, uma das partes mais fixes de andar em digressão para mim é poder ver e explorar sítios novos. Quando posso, vou a determinados locais mais cedo, tipo a Lisboa, e tento passar lá algum tempo se conseguir. Ou então, no fim da digressão, fico mais uns dias para explorar. Porque quando estás na estrada, é quase sem parar. Mas ainda assim é incrível. É, mesmo, um trabalho do caraças.

Sei que, quando começaste a andar em digressão, ainda não havia FaceTime, nem GPS, nem tecnologia como há agora — eram cabines telefónicas e mapas. Como é que achas que a evolução tecnológica ajudou a lidar com a vida na estrada?
Naquela época era tudo muito mais difícil, mas não mudava nada. Aprendias a ser mais autónomo, mais corajoso. Por outro lado, adoro ter um mapa na palma da mão e poder explorar. Agora vou a sítios que, provavelmente, nunca teria descoberto sem a ajuda da tecnologia. Antigamente, não te afastavas muito do recinto, porque, Deus nos livre, se te perdesses podias falhar o concerto.

Agora, se quiser, posso perder-me de propósito, só por diversão. Abro um mapa, apanho um táxi e volto a tempo e horas. Gosto disso. A tecnologia tem-me proporcionado muitas, muitas aventuras, com planeamento prévio — arranjar um Airbnb ou um hotel semanas antes da digressão, por exemplo. E depois planear… Gosto muito de andar de bicicleta, por isso procuro sítios para pedalar nos dias de folga. Estou a tirar partido do lado positivo da tecnologia.

A tecnologia é o que tu fizeres dela, não é?
Exactamente. As pessoas deviam usá-la mais assim, mas nem todas o fazem — acabam por torná-la uma câmara de eco de discussão. Eu não quero isso para mim. [risos]

Vamos falar do concerto de segunda-feira em Lisboa. Sem spoilers, mas imagino que vão tocar um misto de músicas novas e antigas, certo?
Sim, vamos tocar temas de todos os nossos discos e também um bom punhado do nosso material mais recentes. Os concertos vão ser um com equilíbrio entre tocar o catálogo antigo — aqueles êxitos que o público quer ouvir — e manter as coisas frescas, trocando músicas do alinhamento. Na verdade, para mim, o mais excitante é mesmo tocar os temas novos.

Adoro tocar músicas novas tanto quanto possível. Há que encontrar um equilíbrio, no entanto. E também rodamos o material novo para ver que músicas funcionam melhor ao vivo e quais talvez não resultem assim tanto. É uma rotação constante para manter as coisas frescas.

Imagino que, actualmente, seja mais difícil montar o alinhamento, porque o catálogo vai ficando maior a cada álbum que lançam.
Sem dúvida, sim, mas o nosso baterista, o Justin, é muito bom a fazer isso. Acho que se pode dizer que fazemos um trabalho decente. [risos] Pessoalmente, queria tocar mais coisas novas, mas acabo por ceder porque sei que há músicas que as pessoas fazem questão de ouvir. No fundo, isso levou a que toquemos durante mais tempo.

Antes fazíamos 15, 16 músicas; agora já vamos para as 19, 20, 22. É só um alinhamento um pouco mais longo, garantindo que a energia se mantém alta. Isso é importante — não há nada pior do que ver uma banda cansada em palco. Nós gostamos de manter a energia elevada. Para mim, o ideal são concertos com cerca de uma hora e 15 minutos: damos o suficiente ao público sem perdermos intensidade.

Há temas que tocam sempre, sem excepção?
Sim, sim, há. Para o bem ou para o mal. [risos] São aqueles que as pessoas esperam ouvir e que temos mesmo de tocar. Felizmente, algumas das minhas músicas têm permanecido: a «My Last Serenade», por exemplo, que tem rodado muito. Também temos alternado entre a «Always», a «I Believe» e a «I’m Broken Too». E depois há as obrigatórias: «The End Of Heartache», «My Curse», «Rose Of Sharyn»… E a «Strength Of The Mind» também se tornou regular. Essas são, em geral, as que se mantêm no alinhamento.

É mais difícil para ti cantar temas que o Howard Jones gravou, talvez por serem letras que não escreveste?
Sim, isso foi algo com que lutei durante muito, muito tempo. Mais do que gostaria de admitir. Nos primeiros anos, tentava imitá-lo e acabava a cantar fora da minha tessitura nas músicas dele, o que era bastante desconfortável. Tive de aprender técnicas diferentes e perceber que tinha de cantar à minha maneira. Acho que agora já consigo fazer justiça a essas canções.

Quanto às letras dele — a maioria é bastante relacionável; não há nada de muito estranho. Demorou tempo, mas respeito o legado. Hoje em dia gosto tanto de algumas dessas músicas que até as canto com muito apreço. A «The Arms of Sorrow», por exemplo, é uma das minhas favoritas, mesmo não a tendo escrito.

Sobre o novo disco, o «This Consequence», como vês a digressão como um novo capítulo da história desse álbum? O que queres que a experiência ao vivo realce ou transforme nessas músicas?
A nível lírico, acho que falam de forma diferente; há mais paixão. Quero transmitir uma mensagem de união: manter a esperança, manter a fé e aguentar a tempestade que vivemos regularmente. Vivemos num mundo em que há caos, propaganda, desinformação, guerras, violência, ódio. Mas quero lembrar as pessoas: sim, reconheçam esses problemas, eles existem, mas não percam a fé.

A maior parte das pessoas, na minha experiência de viagens, é boa; a maioria quer as mesmas coisas que tu queres. As redes sociais e os meios de comunicação tentam fazer-te crer que o mundo é um lugar sombrio, mas a realidade é outra. Os que detêm o poder beneficiam de nos ver divididos. Por isso, a mensagem do novo disco é juntar as pessoas e usar a raiva de uma forma justa, para criar mudança. Não podes simplesmente ficar de braços cruzados e permitir que o mundo te pisoteie — recupera o teu poder. Parte disso é perceber que temos muito mais em comum do que diferenças. Essa é a mensagem que tento transmitir.

Então o disco fala das consequências das acções e também das consequências da inação; aborda temas como desconexão, divisão e a necessidade de reconectar com a humanidade. Como vês esses temas a ecoarem hoje e como esperas que os ouvintes os interiorizem?
Acho que, no geral, estamos a ir melhor enquanto raça humana do que pensamos. O algoritmo das redes sociais não beneficia da positividade; beneficia da negatividade, porque isso gera bastante mais engagement. Portanto, se fores ao teu feed numa qualquer rede social, vais ver discussões e comportamentos degenerativos porque o algoritmo alimenta isso.

Logo, é um combate ao que a tecnologia e os meios de comunicação amplificam. Não é só nas redes sociais — também é a forma como nos comportamos no dia a dia. Deixem de alimentar essa negatividade. Estamos a ir melhor do que pensamos. A negatividade e a divisão são usadas como armas para nos separar — por exemplo, a guerra de classes entre o povo trabalhador e os bilionários. Não é tanto a ideologia política; são os ricos contra os pobres, e os ricos têm jogos de poder sobre nós: possuem empresas mediáticas, corporações das quais consumimos os produtos. Temos de usar todo o nosso poder de forma consciente e perceber qual é o verdadeiro inimigo.

Por que achas que as pessoas têm essas tendência para se focarem no negativo? Vejo imensa gente a queixar-se de bandas ou de músicas que nem têm grande razão para o fazer; em vez de celebrarem aquilo de que gostam preferem apontar defeitos.
Infelizmente, não sei exactamente a resposta. Também me intriga. Sou grande fã de música e de bandas e gosto de apoiar as pessoas, quero vê-las a prosperar. Acredito que, em certa medida, isso vem das inseguranças de cada um; muita gente gostaria de ter o que essas bandas têm e faria diferente, e por isso há uma certa frustração.

Há muita dor e insegurança por trás dessa atitude — como o bully da escola que foi mal tratado em casa. Muitas dessas pessoas estão apenas tristes. Quando me deparo com trolls, tento lidar dempre com eles com cuidado e gentileza. Às vezes isso irrita-os ainda mais, mas por vezes ganhas alguém com bondade. Podes ser firme e compassivo ao mesmo tempo. Essas pessoas partem da dor e do medo; precisam de aceitação. Às vezes o que lhes faz falta é só um abraço. A minha filosofia é “mata-os com bondade”.

No novo álbum, senti que algumas canções como a «Broken Glass», por exemplo, não foram escritas num tom estritamente pessoal — parecem mais observacionais. É esse o caso?
Sim, há umas quantas assim no «This Consequence». Na «Broken Glass» há elementos pessoais, mas também adoptei pontos de vista e histórias que me foram contadas por outras pessoas. Essa canção fala de abuso — pode ser doméstico, conjugal ou relacionado com dependência.

Fala das dificuldades e de como superá-las. Vem de uma história que me contaram; ainda consigo ver essas imagens na cabeça: a cena do confronto, alguém ferido no canto, e o agressor aparentemente a escapar-se. A moral do tema é que não te safas — falo de karma: o que vai, volta. Prefiro contar histórias dessa forma porque permite que cada ouvinte coloque a sua própria narrativa dentro da canção.

Faz sentido. Para ti, como compositor, é fácil equilibrar experiência pessoal com essa abordagem mais narrativa?
Com a idade, tornou-se mais natural. Quando era mais jovem, os temas que abordava eram mais auto-reflectivos. Com o passar dos anos, a minha visão do mundo alargou-se e sinto um propósito maior do que só eu. Quero criar mudança, ajudar a curar o mundo, ainda que um pouco. Assim, incluir as histórias dos outros tornou-se importante — porque todos vemos imagens semelhantes do que acontece no mundo, e quero dar esperança, abraçar simbolicamente o mundo.

Este é, penso eu, o primeiro álbum em cinco ou seis anos, certo?
Cerca de cinco anos, sim.

Acho que é o intervalo mais longo entre discos dos KILLSWITCH ENGAGE, certo?
Sim — e claro, o mundo fechou durante dois anos com a pandemia, o que atrapalhou tudo. Nós tínhamos terminado a escrita de um álbum e, depois, com o encerramento mundial, não podíamos promovê-lo em digressão. Quando as coisas abriram, decidimos não escrever logo um disco novo — em vez disso, fizemos uma digressão com o «Atonement» durante dois anos para dar ao álbum o que ele não teve inicialmente. Depois voltámos a escrever. Por isso é que demorou tanto. Culpo a COVID, honestamente.

Sentes que essa pausa acabou por fortalecer o álbum?
Acho que ajudou. Mas também houve muita determinação da banda para lançar algo com paixão. No início do processo de composição, eu não estava no meu melhor; perdi um pouco a voz como artista porque passei muito tempo fora durante a pandemia, na natureza, e não escrevi muito — dei-me uma pausa longa que precisava.

Demorei a reencontrar aquele tipo de raiva justa e a inspiração. As primeiros maquetas que fiz não eram os melhores, mas, graças à persistência dos meus colegas de banda, fui levado para um estado mental em que comecei a escrever o que considero algum do melhor material que fiz em mais de uma década. Foi uma espécie de controlo de qualidade da banda.

Tendo em conta que normalmente parecem trabalhar de maneira semelhante, houve algo que tenham feito de forma diferente?
Na prática, desta vez reunimo-nos na mesma sala de ensaio e tocámos juntos — fizemos quatro sessões diferentes, todos na mesma sala, todos ligados. Isso não acontecia há quase vinte anos, por isso foi uma grande mudança no processo de escrita musical.

Surgiram ideias a partir de fontes inesperadas — tipo um riff, um demo, algo que o Adam ou outro elemento dos KILLSWITCH ENGAGE tenha trazido?
Sim. Chegámos a um ponto em que eu pedia ideias aos outros — “sobre o que devo escrever?” — e houve uma música que não entrou no disco, mas que vamos lançar mais tarde e que é uma das minhas favoritas. O Mike, o nosso baixista, disse-me para escrever sobre a sensação de voltar para casa e sentir-me como um fantasma na minha própria vida.

Essa parte da digressão que o público não vê: quando estás fora meses seguidos e regressas e tudo mudou, sentes-te transparente. Eu escrevi essa música num dia e foi bem recebida. Tem uma vibe tipo Danzig e pode vir a ser single; é uma das minhas preferidas, embora tenha ficado fora do alinhamento do disco por não se encaixar sonoramente.

Voltando à atitude das pessoas nas redes sociais agora que mencionaste o Mike: não houve uma história estranha de pessoas a acusarem-no de ter usado IA para criar a capa do álbum?
Sim — eu pus-me logo em modo protector. [risos] Ele ficou fodido porque é um artista a sério. Ele fotografa estruturas e trabalha diariamente no computador a compor a sua arte. Tudo aquilo é escultura real, fotografia real — não houve IA. Nós não somos uma banda que usa IA. E vou mais longe: também não somos uma banda que usa autotune, backing tracks ou metrónomo ao vivo. Somos a banda a tocar ao natural, e temos orgulho nisso.

Quanto ao registo em estúdio e à forma como planeiam que as músicas soem ao vivo — pensam nisso ao produzir?
Sim, claro. Há alguns embelezamentos em estúdio, a produção é sempre muito cuidada — o Adam é um perfeccionista. Ao vivo temos uma oportunidade única; por isso, é treinar e garantir conforto. No último disco, prestei atenção para não escrever notas que fossem exaustivas ao vivo. Quando andas na estrada durante semanas, aquele “si bem alto” do estúdio pode ser difícil de repetir noite após noite.

Portanto, às vezes, baixámos uma nota para ser mais confortável de cantar ao vivo. Neste disco houve essa preocupação: pensar em como as canções vão traduzir-se em palco. Tentámos manter as músicas despojadas o suficiente para que sejam executáveis sem teclista nem backing vocals extra, porque não somos esse tipo de banda.

Tendo de concordar contigo: a ideia de uma “KILLSWITCH big band” não faz grande sentido.
Não… Podem estar descansados, porque isso não vai acontecer.