KATATONIA: “Um dos nossos objectivos é o ecletismo. Lidamos com todo o tipo de extremos.” [entrevista exclusiva]

Todos reagimos de forma diferente à pandemia. No caso do Jonas Renkse, por exemplo, o frontman dos históricos KATATONIA, a reacção para manter a sanidade mental foi a de desatar a escrever música enquanto esteve fechado em casa. Desse invulgar processo composicional, pelo menos para o habitual dos suecos, nasceu o novo álbum, «Sky Void Of Stars», o primeiro pela Napalm Records depois de muitos anos de permanência na Peaceville, e que representa, ao mesmo tempo, uma continuação natural do percurso da banda, e também um novo passo. Conversámos com o sempre simpático Jonas para saber mais.

Tantos álbuns, tantos anos disto já. É difícil evitar que este ritmo se torne numa rotina?
Jonas: Por acaso tenho pensado sobre isso ultimamente. Quando é que vai começar a parecer isso… para já, posso dizer que ainda não é rotina. Claro que não é a mesma coisa que era quando lançámos os primeiros álbuns, não vale a pena mentir sobre isso. Mas lançar um disco novo ainda dá uma sensação que até é difícil de definir. É muito bom. Cada álbum envolve muito trabalho duro, e uma vez editado, é uma espécie de recompensa por esse trabalho. Claro que já estamos habituados, que é algo que acontece nas nossas vidas regularmente, e nesse sentido é uma espécie de rotina, mas é uma boa rotina. Há que dizer que ainda adoro o formato de álbum, que tem caído um bocado em desuso ultimamente. Ainda acho que é a forma definitiva de apresentar a tua música – um conjunto de canções, com algum tema unificador a correr através delas.

Como é a tua percepção do «Sky Void Of Stars» neste momento?
Jonas: Acho que representa os Katatonia de hoje. Tem um pouco de tudo. Eu sei que digo sempre isto, mas cada álbum é um bocadinho diferente dos outros, e este representa-nos de forma perfeita, aquilo que temos andado a fazer nos últimos quinze anos.

Parece uma continuação muito natural do «City Burials», pelo menos assim à primeira audição.
Jonas: É uma continuação, mas também um pouco uma reacção. Quando penso no «City Burials» agora, vejo um álbum muito “fílmico”, muito atmosférico, enquanto este, tendo nascido durante toda a temporada pandémica, acho que é produto de eu subconscientemente querer voltar aos palcos enquanto escrevia as canções. Têm essa energia muito particular. É música que nasceu de uma mentalidade semelhante à do «City Burials», mas mais energética, e gosto disso assim.

Falando na origem da composição, desta vez foste só tu a tratar dessa tarefa. Foi uma decisão prévia?
Jonas: Nem foi bem uma decisão. [risos] Só aconteceu que continuei a escrever música. Assim que percebemos que de forma alguma íamos conseguir ir para a estrada com o «City Burials», que nada ia acontecer, e que não sabíamos se isso ia durar dois meses ou dois anos… Bem, para manter a minha sanidade, basicamente, forcei-me a entrar em modo criativo. Pensei que era o que podia fazer para me manter em controlo da situação, de alguma forma. Foi um álbum criado sem prazos, sem reais objectivos, só para manter a chama criativa acesa e para me divertir um bocado. Espero que isso seja aparente na música… Há muito detalhe, porque nunca trabalhei tanto nas canções como desta vez. Nunca tinha tido tanto tempo para me debruçar sobre elas desta maneira, para mandar coisas fora e recomeçar se for preciso. Espero que isso se note!

Vai ser perverso quando escreverem o próximo álbum e já não tiveres essa liberdade criativa… Ter saudades dos dias dourados da pandemia! [risos]
Jonas: [risos] Pois, acho que isso vai acontecer! Quando tivermos outro álbum para fazer já com prazos de entrega, vou provavelmente olhar para os dias do Covid como o ambiente criativo perfeito! Mas agora a sério, acho que ainda conseguimos escrever música na boa sem ser preciso uma pandemia para nos meter em casa. Foi uma experiência diferente, fez sentido desta vez, mas é altura de seguir em frente agora.

Parece uma daquelas perguntinhas de chacha à jornalista sem ideias, mas neste caso parece relevante dado o vosso percurso – como é, ao fim de tantos anos, ter mudado de “casa” editorial, ainda por cima tendo levado o irmão mais novo Bloodbath na bagagem para a Napalm também?
Jonas: Creio que é uma tentativa que estamos a fazer de chegar mais longe com a nossa música. Estivemos na Peaceville durante muitos, muitos anos, é obviamente uma grande editora e foi um sonho para nós quando assinámos por eles porque tinham editado tanta da nossa música favorita. Mas quando terminou o contrato, vimos que havia muito interesse na banda de inúmeras editoras, e decidimos que seria altura de fazer uma pequena mudança, de tentar ir a outros sítios. A Napalm tem o “músculo”, têm escritórios pelo mundo inteiro, e isso é algo que queríamos experimentar. Dito isto, eu escrevi o álbum e gravámo-lo sem estarmos vinculados a qualquer editora, portanto isso não teve efeito nenhum na música. Não que tivesse tido, de qualquer forma, mas é bom referir isso.

É giro ver a ginástica que a malta que escreve sobre vocês tem demonstrado para tentar descrever a vossa música. O press release fala em “metal and beyond”. Percebes que cada vez é mais difícil arranjar um termo confortável para o que vocês fazem?
Jonas: Percebo que a cada álbum tornamos essa tarefa mais difícil, sim. [risos] Mas acho que isso é uma excelente qualidade para ter. Gosto do facto de que não se consegue meter o dedo exactamente no que é que tocamos. Um dos objectivos dos Katatonia é o ecletismo, precisamente. Lidamos com todo o tipo de extremos.

E para além disso, já têm uma “banda de género” – a existência dos Bloodbath dá um certo conforto nesse aspecto, não dá?
Jonas: É muito fixe, sim. É muito bom ter essa medida, poder dizer algo como, está aqui este riff, mas não é death metal, portanto não é Bloodbath. E pronto, resolvido! É confortável, há muito menos expectativas, e torna o foco na composição muito mais simples.

Tens notado alguma mudança no vosso público à medida que se vão tornando cada vez mais uma banda de “metal and beyond”?
Jonas: Encontramos imensas pessoas que não são do metal, sim. Vêm aos concertos e expressam-nos o quanto a música significa para eles, e às vezes dizem-nos que não ouvem metal, de todo, mas que adoram Katatonia. É um elogio grande e é muito bom de ouvir, mesmo que, obviamente, seja algo que é esquisito para nós, porque vimos de um background de metal e somos essencialmente metaleiros. Mas é uma sensação maravilhosa conseguir ter essa ligação com pessoas que não são do nosso “universo”, digamos assim. Adoro isso.

E no seguimento disso, vou ligar aqui o botão do gosto pessoal – considero a «Lacquer», do «City Burials», uma anomalia extraordinária na vossa carreira recente. Confesso que sonho com o dia em que façam um álbum todo assim. Não vos passa pela cabeça dar esse salto? Seria um risco muito grande?
Jonas: Mas é mesmo extraordinária! É uma canção incrível. E sim, temos andado a falar disso entre nós, é uma conversa recorrente. Claro que seria um risco, sem dúvida, não há razão nenhuma para negar isso. Mas é algo que está na nossa cabeça. Sabemos que conseguiríamos fazer algo assim, e provavelmente seria uma experiência artística fantástica. No fundo, o que interessa são as canções, nem sequer era uma questão de nos estarmos a adaptar a algum género novo. Para já, estamos a fazer aquilo que nos sai com naturalidade e com o qual estamos confortáveis. Se ou quando dermos um salto desses, ou de qualquer outra natureza, temos que o reconhecer também como um passo natural, dado na altura certa. Sabemos que é algo que está aí para fazermos, provavelmente numa altura em que já não sejamos capazes de olhar para mais uma canção de prog metal como estas que temos agora. [risos]

«Sky Void Of Stars» já está disponível através da Napalm Records.