IRON MAIDEN

IRON MAIDEN @ MEO Arena, Lisboa | 06.07.2025 [reportagem]

Na muito aguardada, e há muito esgotada!, passagem da digressão ‘Run For Your Lives’ por Lisboa, os IRON MAIDEN voltaram aos primórdios, reinventaram o seu legado e mostraram que a idade apenas aguça a ambição.

Num país onde o heavy metal se continua a viver com um fervor quase religioso, os IRON MAIDEN não são apenas uma banda… são uma instituição, um ritual de passagem, uma narrativa colectiva que atravessa gerações. A chegada Portugal Run For Your Lives World Tour, uma evocação do icónico refrão da «The Trooper», foi recebida com uma antecipação febril. Esgotava num ápice, esta data não se tratava apenas de “apenas” mais um espectáculo das lendas britânicas por cá. A promessa de um alinhamento centrado na primeira década da banda, aliado à estreia de um novo baterista e a uma produção visual inédita, colocaram este concerto entre os mais aguardados da história recente da capital.

Desde o início da tarde, o ambiente em Lisboa era indesmentível: t-shirts, bandeiras, casacos de ganga forrados de patches e o incontornável Eddie a espreitar de todos os cantos. A concentração de fãs nos arredores da Altice Arena era tal que transformou o espaço numa autêntica cidade paralela, onde o tempo parecia ter recuado aos anos 80 — e, em certa medida, foi exactamente isso que aconteceu dentro de portas.

Ponto assente: o regresso dos IRON MAIDEN a Lisboa carrega consigo um peso histórico difícil de ignorar. A relação da banda britânica com Portugal é profunda, emocional e pautada por uma evolução que espelha, em muitos aspetos, o crescimento do próprio movimento metaleiro no nosso país. A estreia por cá deu-se em 1984, com uma data dupla no Porto e em Lisboa, perante um público sedento, numa época em que o acesso a grandes nomes internacionais era ainda esporádico. O impacto foi imediato e brutal: milhares de fãs sentiram, pela primeira vez, que Portugal fazia parte do mapa global do heavy metal.

Desde então, a fidelidade foi crescendo em ambos os sentidos. Os concertos lendários no Pavilhão do Dramático de Cascais, no Pavilhão Atlântico, em diversos festivais e, mais recentemente , no Estádio Nacional, tornaram-se marcos na memória covletiva dos fãs dos IRON MAIDEN. E sim, cada regresso é celebrado com uma intensidade raramente vista noutros países europeus — algo que a própria banda reconhece e alimenta. Steve Harris, em particular, nunca escondeu o carinho pelo público português, frequentemente referindo-se aos concertos no nosso país como alguns dos mais emocionantes das inúmeras digressões que fizeram ao longo das últimas cinco décadas.

É essa ligação, feita de constância e paixão, que dá contexto à magnitude desta noite. O reencontro em 2025, marcado pelo novo conceito de espectáculo e por uma revisitação ao material mais arcaico da banda, foi não apenas um presente para os fãs portugueses — foi também um gesto de respeito para com um país que sempre acolheu a donzela de ferro como uma filha pródiga do heavy metal.

Ainda antes do ritual maior, a tarefa de preparar o terreno coube aos suecos AVATAR. Conhecidos pelo seu espectáculo teatral e pela sua sonoridade que cruza o metal moderno com um espírito de cabaret decadente, não pareceriam, à partida, uma escolha óbvia para abrir uma noite tão nostálgica. No entanto, ao fim de poucos minutos ficou claro que estavam em casa.

Com o carismático Johannes Eckerström a conduzir a plateia com mão firme, o grupo apresentou um espectáculo coeso, onde temas do novo álbum brilharam com surpreendente maturidade. Eckerström, que surgiu como figura central durante toda a actuação , recebeu aplausos entusiásticos que deixaram claro: o público, apesar de impaciente para ver os IRON MAIDEN estava de braços abertos para quem soubesse merecer o palco.

Quando os acordes familiares de «Doctor Doctor», dos UFO, irromperam pelas colunas, o que era previsível aconteceu: a MEO Arena explodiu. Braços erguidos, vozes em uníssono, lágrimas nos olhos dos mais devotos. É um momento que transcende o cliché — é todo um chamamento. E quando o ecrã gigante despertou com uma viagem digital pelos becos sombrios do East London oitocentista, percebemos que esta não seria apenas mais uma noite de grandes êxitos.

A componente visual, de um realismo quase cinematográfico, conduziram-nos por entre névoas, candeeiros tremeluzentes e fachadas decrépitas, até que, sem aviso, as luzes rebentaram em vermelho e os IRON MAIDEN tomaram o palco com a intensidade crua da «Murders in the Rue Morgue». Era o primeiro de quatro temas retirados da era Paul Di’Anno que abririam a noite com um murro no estômago colectivo: «Wrathchild», «Killers» e uma fabulosa «Phantom of the Opera» seguiram-se como uma corrente ininterrupta de memória e agressão. E nunca estas canções soaram tão modernas. Eis o verdadeiro feito da noite: tornar o passado não apenas relevante, mas urgente.

Convenhamos, a produção cénica revelou-se um elemento central nesta digressão. Longe das telas meramente ilustrativas de tours anteriores, o novo palco dos IRON MAIDEN integra um ecrã gigante de forma activa, como se fosse ele próprio um personagem. O que vimos foi mais que um cenário: foi um teatro de sombras, de fogo, de imagens evocativas do cinema de terror, da estética steampunk e da mitologia própria da banda.

A representação digital de Eddie, por exemplo, foi mais do que uma mascote animada. Surgiu na tela como figura omnipresente, por vezes encarnada por um performer no palco, outras vezes ampliada por ilusões visuais engenhosas. A sua primeira aparição, inspirado no Eddie de «Killers», a ameaçar o guitarrista Janick Gers com um machado, arrancou risos e aplausos — mas também demonstrou como o espectáculo eo sexteto está mais teatral do que nunca.

Um dos grandes pontos de interrogação da noite era a estreia de Simon Dawson, que substitui Nicko McBrain na bateria — este último ausente das digressões após problemas de saúde que comoveram os fãs em todo o mundo. Substituir uma lenda seria, para qualquer músico, um fardo pesado. Mas Dawson não só cumpriu como surpreendeu.

Particularmente notável foi a sua prestação em «Rime Of The Ancient Mariner», um colosso narrativo de 14 minutos que, antes desta rota, a banda não tocava ao vivo desde 2009. A complexidade rítmica e as variações dinâmicas foram executadas com precisão milimétrica, mas sem perder alma. Bruce Dickinson, aliás, fez questão de o elogiar publicamente, gerando uma ovação espontânea e emocionada. “He’s one of us now”, disse, em tom solene — e ninguém na arena discordou.

Verdade seja dita, com 65 anos, Bruce continua a ser um dos maiores frontman da história do metal. O que faz no palco transcende a prestação vocal. Ele é maestro, contador de histórias, actor, acrobata e símbolo. A cada canção, um figurino diferente. Vimo-lo envergar um colete de guerra de «The Trooper», um casaco cerimonial de «Seventh Son Of A Seventh Son», um uniforme vitoriano de «Fear Of The Dark», um capacete de aviador em «Aces High», e até uma máscara com penas para «Powerslave».

No entanto, o ponto mais alto a nível visual talvez tenha sido «Hallowed Be Thy Name», quando Dickinson foi colocado dentro de uma jaula cenográfica enquanto o ecrã projectava imagens simultaneamente macabras e absurdas, num cruzamento entre o horror expressionista e o humor britânico. Foi puro IRON MAIDEN: teatral, auto irónico e sombrio.

A sequência final foi, como se esperava, devastadora. «Run To The Hills» e «Iron Maiden» encerraram o corpo principal do espectáculo, mas o encore levou tudo para outro nível. «Aces High» abriu com imagens de aviões Spitfire a sobrevoarem o ecrã, numa coreografia de guerra aérea que fez estremecer a MEO Arena. «Fear Of The Dark» foi acompanhada por milhares de lanternas e telemóveis a iluminar o recinto, numa das imagens mais emocionantes da noite. E «Wasted Years» encerrou os procedimentos com uma reflexão inevitável: são precisamente estes “anos desperdiçados” que os IRON MAIDEN têm recuperado a cada digressão, a cada disco, a cada reinvenção.

O veredicto? Uma noite para a eternidade. Em Lisboa, os IRON MAIDEN protagonizaram uma celebração da memória, do espectáculo e da resistência. A digressão Run For Your Lives é tudo o que o nome promete: uma corrida furiosa, mas meticulosamente coreografada, pelos territórios míticos do heavy metal. A escolha de aprofundar os primeiros álbuns, combinando raridades com clássicos reinventados, foi uma aposta que exigia coragem — e que saiu vitoriosa.

A sensação com que se saiu da MEO Arena foi a de que tínhamos assistido a algo irrepetível. Não por ser o fim de uma era, mas porque, como sempre, os IRON MAIDEN se recusam a fazer duas vezes a mesma coisa. E é precisamente por isso que continuam a ser, tantos anos depois, uma das maiores bandas do mundo — e uma das que mais profundamente marcam a história do heavy metal em Portugal.

ALINHAMENTO:

01. Murders In The Rue Morgue | 02. Wrathchild | 03. Killers | 04. Phantom Of The Opera | 05. The Number Of The Beast | 06. The Clairvoyant | 07. Powerslave | 08. 2 Minutes To Midnight | 09. Rime Of The Ancient Mariner | 10. Run To The Hills | 11. Seventh Son Of A Seventh Son | 12. The Trooper | 13. Hallowed Be Thy Name | 14. Iron Maiden

Encore
15. Aces High | 16. Fear Of The Dark | 17. Wasted Years