Jon Schaffer. Vocalista e fundador dos norte-americanos ICED EARTH, bem como membro dos PURGATORY e ex-DEMONS & WIZARDS, entre outros projectos, só muito dificilmente entraria numa lista (muito) longa de figuras do heavy metal norte-americano. Com o seu principal projecto, há quase uma década que não produzia um disco sonante ou capaz de atrair a atenção da generalidade de fãs e da crítica, ficando apenas remetido a um nicho sonoro. De repente, em Janeiro de 2021, via-se Schaffer envolvido num dos mais mediáticos momentos do século dentro das fronteiras dos Estados Unidos. A tomada do Capitólio. A história está por demais esmiuçada e, neste momento, apenas se espera o julgamento para decidir a sorte do músico. Num daqueles típicos movimentos das grandes companhias, a editora cancelou contrato com a banda, os outros músicos afastaram-se e, claro, Schaffer converteu-se numa espécie de inimigo público #1 na comunidade musical. Um ano sobre o evento, com o músico na prisão sujeitando-se a penas cujo cúmulo jurídico podem levar a três décadas atrás das grades, surge um novo lançamento oficial dos ICED EARTH, intitulado «A Narrative Soundscape». Pondo de lado as pipocas, esquecendo que Schaffer não pode encenar uma conversão à La Manson nas mãos de um qualquer pregador e pondo de lado comparações com o norueguês Christian, que são exageradas e passíveis da piada fácil, resta mesmo passar à audição e perceber o que é este novo disco.
O primeiro passo é mesmo rectificar aquele “novo”, pois este trabalho tinha surgido como disco acompanhante do livro «Wicked Words And Epic Tales», da autoria do próprio Jon Schaffer e editado em 2020 pelo seu próprio selo, Ravencraft Productions. O mesmo trabalho surge agora nos escaparates, por altura do aniversário da tomada do Capitólio e com o logotipo dos ICED EARTH bem explícito na capa. Claro, todos sabem como um processo judicial custa dinheiro. Dentro deste “novo” registo não está nova música, mas um alinhamento de velhos temas do grupo, com nova interpretação musical e Schaffer a narrar cada tema, como se de uma história se tratasse. Os fãs recordar-se-ão certamente do épico «Gettysburg (1863)», e esta obra pode bem inscrever-se um pouco nessa linha, mesmo que estando a anos-luz desta. É conhecido o trabalho do vocalista com teclados, e desde logo são as orquestrações e layers new age que ganham protagonismo, aqui e ali com um coro mais ou menos épico. Dois ou três riffs de guitarra mais distorcidos, mas quase sempre a predominar a guitarra acústica, mesmo que esta seja raramente escutada. Por exemplo, «Come What May» apenas tem violoncelo, para lá dos coros e das layers sonoras a criar ambiente.
O alinhamento dos temas perde algum sentido, e, se calhar, pode ser mais explicável quando acompanhando o livro. Há aqui momentos de vários discos, e se pode parecer natural que «Dystopia» seja seguida por «Declaration Day», já é estranho que logo em seguida venha «Wolf», ou até que surja uma «Damien» ou «Dracula». Todas as três integram o «Horror Show» e ficam assim fora de contexto. Mais grave é ver um tema clássico como «Watching Over Me» ficar reduzida a quase metade da sua duração e estar mais próxima de banda-sonora de um anúncio de automóveis que da toada épica do original. A única virtude deste disco em versão spoken word acaba mesmo por ser o protagonismo que as letras ganham. E escutar algo como “So we make our stand and pray/On this Declaration Day/For independence I will fight/With liberty I will defy”, em «Declaration Day», ganha toda uma outra dimensão em 2022. Quanto ao resto, e conhecendo os indefectíveis do power metal, neste «A Narrative Soundscape» Schaffer consegue mais argumentos para ser votado ao ostracismo generalizado que com uma invasão do Capitólio. [3]