Numa altura em que tantas bandas sobrevivem apenas de revisitar o passado, no Campo Pequeno, em Lisboa, os HELLOWEEN mostraram que celebrar o legado pode também significar continuar a escrevê-lo.
Há bandas que envelhecem com o peso da idade, e há outras que o transformam em combustível. Os HELLOWEEN pertencem claramente à segunda categoria. Quarenta anos após terem lançado aquelas sementes do speed/power metal, os alemães regressaram a Lisboa para um concerto que foi tanto uma viagem pela história do género como uma demonstração de vitalidade por parte de uma banda com um legado impressionante. No SAGRES Campo Pequeno, perante uma multidão rendida desde o primeiro acorde, o grupo mostrou que continua a viver com a mesma chama que o tornou lendário.
Antes, a noite começou com os BEAST IN BLACK, que abriram o espectáculo com o entusiasmo habitual e uma sonoridade que funde o heavy metal tradicional com elementos electrónicos e refrões de estética pop-metal. A comemorar a primeira década de carreira e liderados pelo grego Yannis Papadopoulos, o grupo finlandês cumpriu a difícil tarefa de aquecer o público lisboeta, arrancando aplausos com temas como «Blind And Frozen» e «Beast In Black». A sua presença, embora demasiado longa e (a espaços) demasiado plástica na entrega, acabou por fazer o seu papel, lançando um prenúncio de que esta noite chuvosa seria dominada por melodias épicas e colossais.
Quando a «Let Me Entertain You», do Robbie Williams, ecoou pelos altifalantes, poucos esperariam que a escolha funcionasse tão bem como prelúdio para o que estava para vir. No entanto, os HELLOWEEN sempre souberam rir-se de si próprios e, ao contrário dos BEAST IN BLACK, equilibrar a teatralidade com uma genuína alegria de tocar. E assim, sob aplausos ensurdecedores, surgiu a mítica “pumpkin” que serve de mascote ao grupo de Hamburgo, iluminando o recinto enquanto a banda irrompia com «March Of Time», do histórico «Keeper Of The Seven Keys Part II».
O som estava limpo, equilibrado e forte, em várias localizações da sala (incluindo nas galerias), e as vozes de Michael Kiske e Andi Deris provaram, uma vez mais, porque esta formação alargada é uma das mais carismáticas da história do género. O dueto entre ambos — um equilíbrio quase alquímico entre técnica e emoção — dominou o concerto, alternando entre o brilho cristalino de Kiske e a entrega mais rasgada de Deris.






















O segundo tema da noite, «The King For A 1000 Years», trouxe o primeiro mergulho profundo na era moderna da banda. Com os seus quinze minutos de duração e uma estrutura de épico progressivo, o tema mostrou, como se dúvidas restassem, que os HELLOWEEN não vivem apenas de nostalgia. Apesar de talvez ser uma escolha arriscada tão cedo no alinhamento, a execução foi irrepreensível, com Kai Hansen a dominar o palco e a demonstrar porque continua a ser um dos guitarristas mais influentes do metal europeu.
Após uma breve interacção com o público, Kiske introduziu então a «Future World», e o Campo Pequeno explodiu num enorme coro colectivo. Nesse momento, percebeu-se que muitos dos presentes estavam ali não só para reviver memórias, mas também para partilhar o legado com novas gerações. Seguiram-se temas de várias eras: «We Burn», «Twilight Of The Gods» (mais uma do «Keepers…»), «Into The Sun», «Hey Lord» e «Hell Was Made In Heaven», num bom equilíbrio entre as eras Kiske e Deris.
Pelo meio, «This Is Tokyo» e «Universe (Gravity For Hearts)», duas do novíssimo «Giants & Monsters», confirmaram que a banda ainda é capaz de criar canções que se equiparam às clássicas. E claro, a «Ride The Sky», interpretada pelo inimitável Kai Hansen, foi um dos momentos mais explosivos desta noite no Campo Pequeno, relembrando os primórdios do grupo, quando o speed metal e a irreverência ainda dominavam o som de Hamburgo. Nem tudo foi perfeição, o solo de bateria de Daniel Löble, embora tecnicamente impecável, quebrou ligeiramente o fluxo do concerto. Ainda assim, o regresso triunfal com «I Want Out» devolveu de imediato a energia à sala, transformando o refrão num hino coletivo de libertação.
Seguiu-se uma bela leitura de «In The Middle Of A Heartbeat» e uma versão bem emocionante de «A Tale That Wasn’t Right», que fez o Campo Pequeno vibrar em uníssono, sucedidas por «A Little Is A Little Too Much» e pela velhinha «Heavy Metal Is The Law». Depois, o espectáculo caminhava já para as duas horas quando «Halloween» trouxe o clímax absoluto. Uma execução monumental, apoiada por projeções animadas e solos em crescendo, deixou claro que, apesar da longevidade, os HELLOWEEN continuam em plena forma.
No encore, o alinhamento foi o de um sonho molhado de qualquer seguidor do grupo: «Eagle Fly Free», «Power» e «Dr. Stein», culminando com o final simbólico de «Keeper Of The Seven Keys» — apenas o coro final, mas suficiente para encerrar a noite com grandiosidade. Resultado: quarenta anos depois da sua estreia no universo do heavy metal, o que os HELLOWEEN provaram em Lisboa é simples: a chama não se apagou. Sim, ocasionalmente nota-se que a idade está lá, e alguns dos arranjos até podem ter mudado, mas a essência — o equilíbrio entre técnica, humor e emoção — permanece intacta.
O Campo Pequeno, claro, despediu-se da banda com aplausos prolongados, numa homenagem à história de um nome que ajudou a definir o power metal e que, em 2025, continua a soar tão vital como sempre. Numa altura em que tantas bandas sobrevivem apenas de revisitar o passado, os HELLOWEEN mostraram que celebrar o legado pode também significar continuar a escrevê-lo.
ALINHAMENTO HELLOWEEN:
Intro | March of Time | The Keeper | The King for a 1000 Years | Future World | This Is Tokyo | We Burn | Twilight of the Gods | The Keeper | Ride the Sky | Into the Sun | Hey Lord! | Universe (Gravity for Hearts) | Hell Was Made in Heaven | Drum Solo | I Want Out | In the Middle of a Heartbeat | A Tale That Wasn’t Right | A Little Is a Little Too Much | Heavy Metal (Is the Law) | Halloween | Encore: Invitation | Eagle Fly Free | Power | Dr. Stein | Keeper of the Seven Keys (excerto)


































