HELLOWEEN

Os HELLOWEEN e o futuro depois de «Giants & Monsters» [entrevista]

No dia em que os HELLOWEEN lançaram o seu mais recente álbum de estúdio, o vocalista Andi Deris falou-nos sobre criatividade, ego, equilíbrio entre passado e presente e o muito aguardado regresso da banda germânica Portugal.

Ao longo de mais de quarenta anos, os HELLOWEEN afirmaram-se como uma das forças motrizes do power metal, responsáveis por moldar o género e inspirar inúmeras bandas que lhes seguiram os passos. A reunião histórica com Michael Kiske e Kai Hansen, sob a bandeira Pumpkins United, devolveu ao grupo a sua formação mais celebrada e reaproximou gerações de fãs. No entanto, em vez de ficarem presos só à nostalgia, os músicos alemães avançaram com novo fôlego criativo: primeiro com o álbum homónimo de 2021 e, agora, com a novidade «Giants & Monsters», que marca mais uma etapa fulgurante na sua já longa caminhada.

Nesta entrevista conduzida pelo Jorge Botas, o vocalista Andi Deris reflecte sobre o impacto da reunião, sobre a forma como a banda trabalha com vários compositores, os desafios e recompensas de equilibrar diferentes sonoridades dentro do legado dos HELLOWEEN e a preparação para a próxima tour mundial, que tem paragem em Portugal agendada para o dia 13 de Novembro de 2025. O resultado é um retrato íntimo e honesto de uma banda que, mesmo depois de décadas de carreira, continua a desafiar-se a si própria, mantendo-se relevante e fiel à sua identidade.

Antes de falarmos sobre o «Giants & Monsters», voltemos por momentos ao vosso regresso com o Kai Hansen e o Michael Kiske. Ficaste surpreendido com o rumo que as coisas tomaram?
Bem, no geral, posso dizer que não fiquei propriamente surpreendido com a recepção, mas fiquei muito surpreendido por termos continuado. No início, dissemos a todos que queríamos fazer isto. Era uma experiência, só isso. E decidimos que, mesmo que não gostássemos uns dos outros, a ideia ia seguir em frente e terminaríamos, pelo menos, a digressão mundial. Obviamente, todos gostámos muito uns dos outrose de fazer isto juntos, por isso aqui estamos.

Pessoalmente, nunca duvidei da reacção das pessoas, chei sempre que iam apreciar e celebrar, mas há sempre um certo nível de insegurança envolvido nestas coisas. Temos sempre um pequeno diabinho a sugerir que as coisas podem não correm tão bem como pensamos, sabes? E sim, confesso que, no meu caso, isso esteve sempre presente. No entanto, eu sou mesmo assim – estou sempre a duvidar, a questionar tudo. [risos] Verdade seja dita, tenho adorado estar envolvido nesta aventura.

O facto de já saberem que o público iria reagir bem deve ter ajudado.
Sim, porque, na verdade, somos os únicos responsáveis pelo nosso destino. Sabíamos que, se nos mantivessemos juntos, tinha tudo para correr bem. Por outro lado, já somos todos crescidos o suficiente para deixar os egos de lado, por isso já esperávamos que as coisas funcionassem. O que ninguém poderia ter adivinhado é que tudo funcionasse tão fantasticamente – eu, pelo menos, nem sonhava com isso.

Nunca podia ter imaginado que ia correr tudo tão bem, que todos se iam divertir e dar tão bem uns com os outros. É claro que é um sonho tornado realidade, mas não podes apostar nisso. É claro que, quando decidimos fazer aquela primeira digressão, torci para que tudo corresse bem, mas nem nos meus sonhos mais selvagens imaginei que o desfecho fosse tão bom e tão suave. Por isso, obrigado a todos os envolvidos.

A percepção agora é a de que os HELLOWEEN estão maiores que nunca. Conseguiram tocar no Budokan, no Japão – o que, como sabemos, é um sonho para qualquer banda. Sentes que estão, de facto, maiores e melhores que nunca?
Sim. Maiores estamos, obviamente. Melhores, não sei. Nós damos sempre o nosso melhor, mas tanto tocámos concertos incríveis como outros mais ou menos. Cada banda tem os seus dias bons e os seus dias maus, por isso não sei se posso dizer qu estamos melhores. Sempre considerei que fazemos o melhor que podemos, só isso. [pausa]

Agora, felizmente, estamos a tocar em grandes palcos, por isso o tratamento é diferente. Todos estão preocupados connosco e não com outras dez bandas à vossa volta. Então, sim, nesse sentido talvez soemos melhor, mas não acho que sejamos melhores. É só o tratamento, sabes? Temos muito mais pessoas a trabalhar para nós e nada pode correr mal.

Na verdade, acho que todos os artistas sabem do que estou a falar. Se o tratamento é excelente e tudo acontece sem stress, vais dar um melhor concerto. Ponto final. Se o dia inteiro já é stressante e muitas coisas correm mal, falta um cabo aqui, outro cabo ali, a mesa de mistura não funciona como deveria, o palco é uma merda, o som do palco é uma merda porque o equipamento é uma merda. Como podes dar um grande concerto?

Foquemo-nos, então, na novidade «Giants And Monsters». Quando começaram efectivamente a trabalhar no processo de composição?
O processo nunca começa, está sempre a acontecer. Eu, o Kai, o Weikath e o Sascha, temos sempre algumas guitarras no quarto de hotel porque, quando estamos em digressão, temos sempre períodos de espera. Às vezes temos dias livres, e é aborrecido como tudo. Sim, podes ir visitar algumas cidades, o que fazemos, mas isso é apenas uma parte do teu dia.

Há sempre umas quatro ou cinco horas em que estás apenas no quarto de hotel ou simplesmente não sabes o que fazer. Nesses momentos, preciso da minha guitarra e sei que os outros rapazes também. Toco e brinco um pouco porque é o meu passatempo, certo? E, claro, estamos automaticamente a coleccionar ideias. Às vezes são só ideias estúpidas, mas, ocasionalmente, surgem grandes ideia. E, com sorte, tens ali um tema para o próximo álbum. No nosso caso é assim que tem funcionado, em nenhum momento nos sentámos e decidimos que íamos começar a compor para o álbum.

Imagino que ter cinco compositores numa banda também ajude, mas… Quais são os lados bons e menos bons – se os houver, claro – de ter tantos compositores talentosos nos HELLOWEEN?
Bem, há uns vinte anos, as pessoas provavelmente diriam que era uma desvantagem porque tinham sempre de lutar pelas suas músicas – o que, convenhamos, é contraproducente em si mesmo porque somos uma banda. E se um delesescrever um êxito, eu faço parte disso. Percebes? Então, é muito estúpido quando penso no que se passava há anos.

Havia pessoas nas minhas bandas anteriores, por exemplo, que lutavam pelas suas músicas. E mesmo que todos soubessem que a tua música era melhor, e ele próprio soubesse que a tua música era óptima, continuavam a lutar pelas suas músicas, mesmo sabendo que eram medíocres. Não eram más músicas, mas só por causa do ego, tinham de ter as suas músicas no álbum. E, como sabemos, isso destrói muitas bandas. Esse disparate do ego, que, como digo não é lógico porque estamos a falar de uma banda. Quem quer que venha com a melhor ideia, estás a participar, e só porque o teu maldito nome não está escrito debaixo da música, isso provavelmente dá-te noites sem dormir. É muito estranho.

Suponho, então, que seja mais fácil agora.
Sem dúvida, porque todos somos todos crescidos o suficiente para deixarmos essas merdas de lado. Todos apreciam o facto de haver tanta gente a contribuir. Especialmente eu, porque sempre escrevi a grande maioria das letras e tenho sempre aquele pequeno medo de ter um bloqueio, de não ter ideias… Ou de não ter ideias boas o suficiente.

Com três ou quatro pessoas na banda que escrevem grandes músicas torna-se muito mais fácil. Posso relaxar, porque, mesmo que não tenha nenhuma ideia esta semana ou não esteja completamente satisfeito comigo mesmo, não tenho aquele sentimento de que o mundo vai acabar porque não temos músicas para o próximo álbum. Não, temos toneladas de músicas para o próximo álbum porque temos grandes compositores na banda.

É sempre bom ter opções.
Claro. É lógico que, como músico, tens sempre vontade de assinar uma grande canção. Ponto final. No entanto, o facto de saberes que há outras pessoas capazes de fazer isso, tira-te muito, muito peso dos ombros. De repente, vês-te novamente como um músico a divertir-te… Eu acho que essa é a melhor receita porque estás a divertir-te a fazer algo sem pressão.

Na verdade, não consigo imaginar que alguém venha ter contigo com uma grande melodia e não lhe digas (ou penses) que é uma grande ideia.
Por muito que pareça bizarro, há pessoas que ficam realmente chateadas porque outras pessoas são melhores, mas esse é o desafio. Podes aprender com isso. Não significa que ele é sempre melhor e, se estiveres realmente aberto a ver o que ele fez bem e absorver isso para ti, podes evoluir de forma a seres um pouco melhor no futuro… Ou, pelo menos, tão bom quanto, sabes?

Se eu ficasse chateado porque outras pessoas escrevem melhores músicas que eu, já teria parado de escrever há muitos anos. Às vezes ouço músicas fantásticas, mas nunca penso em desistir porque nunca vou escrever uma tão boa… Isso seria um disparate. Isso é outra coisa de ego – colocares-te no teu próprio caminho, por assim dizer.

A «This Is Tokyo» foi escolhida como primeiro single de avanço e houve logo quem ficasse de pé atrás, mas ao ouvi-la no contexto do álbum é um tema que ganha toda uma outra dimensão. Isto é açgo que faz sentido para ti?
Sim, faz todo o sentido porque, na verdade, a nossa intenção era mesmo fazer algo assim, lançar uma espécie de pop metal, uma música para as massas, para realmente fazer as pessoas falarem, porque sabíamos exactamente que seria uma coisa controversa, bipolar. Há muitos fãs dos Helloween que adoram a vibração das músicas mais pop como a «I Want Out», a «Future World», «Dr. Stein», «If I Could Fly», todo esse tipo de coisas.

A «This is Tokyo» enquadra-se nessa vibração – não é, definitivamente, uma música de speed metal. Portanto, era óbvio que metade das pessoas que a ouvissem iam dizer que não soava a Helloween. [risos] E sim, os Helloween são supostamente uma banda de speed metal melódico, mas, se ouvirmos os álbuns «Keeper…», percebemos que a banda não se resume apenas a isso. Temos uma mistura que provavelmente atrai um roqueiro normal que não ouve constantemente apenas power metal ou algo assim.

Portanto, sempre tivemos essas músicas pop metal, e acho que são tão importantes para trazer tantas pessoas que adorariam o power metal ou o heavy metal em geral se tivessem uma porta de entrada, que fosse fácil de digerir. Acho que, de momento, estão a faltar canções assim. Há muitas bandas óptimas, mas para um fã que não é 100% do metal, são muito difíceis de digerir.

Fala-nos um pouco da «A Little Is A Little Too Much».
A pequena gota a mais… [pausa] Essa canção tem uma letra engraçada e, na verdade, é sobre sexo. De uma forma engraçada. Tive uma reunião com os meus velhos amigos da escola, e tenho a sorte de ainda ter dois dos meus amigos de escola mais antigos e chegados. Conheço-os desde a segunda classe. Éramos pequenos, crescemos juntos e, naqueles tempos, havia sempre aquela discussão sobre quando tinhas sexo pela primeira vez ou quando tinhas as tuas primeiras experiências românticas… E o maior medo era chegarmos demasiado cedo. [risos]

O Stefan, por exemplo, dizia-me sempre para pensar em algo nojento ou que cheirasse mal. Imagina isso. Imagina agora. Estava a pensar em como tinhas uma das experiências mais românticas, tinhas sexo e tudo era óptimo, mas na hora H tinhas de pensar em coisas algo nojentas e brutais, como cortar cabeças ou algo assim, só para não chegares demasiado cedo. Achei que isso tinha imensa piada, porque, na verdade, funcionava. No entanto, a parábola está lá e não é só sobre sexo. É sobre tudo em que uma gota a mais transforma tudo num desastre.

O «Giants And Monsters» é um grande, grande álbum – puro HELLOWEEN, não há como negá-lo.
Nós só fizemos o nosso melhor depois do último álbum. Nessa altura, tínhamos o Michael e o Kai de volta, por isso sentimos que tínhamos de colocar todo o peso neles. Desta vez tivemos um pouco mais de sensação de lazer, a pressão saiu-nos dos ombros. Como mencionei antes, começámos de novo a escrever por passatempo e, de repente, demos por nós de volta a essas grandes melodias e músicas fáceis de ouvir, que são tão importantes. Além disso, acho que a mistura é óptima.

Para ser honesto, tenho de confessar que tínhamos mais de vinte músicas na pré-produção. Portanto, há uma série de canções óptimas que sobraram, que não conseguimos colocar neste álbum. Podíamos entrar em estúdio amanhã e gravar directamente outro grande álbum. Juro por Deus, estou mesmo ansioso por isso.

Pois, isso vai facilitar muito quando voltarem ao estúdio para fazer outro álbum. Já têm material óptimo de reserva.
Como disse, é inacreditável. Nunca tivemos isso, nunca ninguém na banda teve isso em toda a sua carreira. Desta vez, gravámos um álbum e temos outro grande álbum de reserva. Algo correu mesmo muito bem.

Neste disco, há um par de épicos impressionantes, mas outro dos temas de destaque é a «Into The Sun», porque os HELLOWEEN sempre foram realmente bons muito a escrever baladas. Vai ser muito difícil não tocarem esta ao vivo.
Sim, na próxima digressão mundial vamos tocar quatro ou cinco músicas do novo álbum e a balada será certamente a «Into The Sun».

Portanto, a única coisa que temos de descobrir é se as pessoas ficam satisfeitas apenas com uma balada como essa ou se fazemos uma pequena excursão, talvez um medley com metade da «Forever And One», metade da «Tell It Wasn’t Right» e algo mais. Seria interessante fazer um pequeno medley acústico de duas ou três baladas antigas e depois tocarmos a «Into The Sun». Ainda temos de decidir como vamos fazer.

Quanto tempo de concerto podemos esperar nos concertos da próxima digressão?
Não serão certamente concertos de três ou quatro horas. Para fazermos algo assim, como fizemos há alguns anos, temos de ser a única banda em palco – e, desta vez, temos os Beast In Black connosco. Eles são uma banda tão boa que vamos ter de lhes dar uns 75 minutos de actuação.

E isso é justo. São uma grande banda. Depois de mais de uma hora e quinze de concerto, as pessoas estão mais do que aquecidas e nós vamos dar o nosso melhor, mas seria demasiado tocarmos mais de três horas. Dirias que os espectáculos vão rondar os 150 minutos, algo assim, incluindo todos os encores, se as pessoas assim o quiserem.