A 31 de Outubro, o LAV – Lisboa Ao Vivo transformou-se em templo do Halloween com os MOONSPELL, DARK TRANQUILLITY e SINISTRO.
No primeiro de Novembro, Lisboa acordou com o eco de uma noite que já pertence à mitologia dos MOONSPELL. O Halloween de 2025, celebrado na sala multiusos do LAV – Lisboa Ao Vivo, não foi apenas mais um concerto: foi um rito de passagem, uma invocação do tempo e uma reafirmação daquilo que a banda representa para o metal português e europeu. O Halloween United, que juntou os lisboetas aos conterrâmeos SINISTRO e aos suecos DARK TRANQUILLITY tornou-se uma das noites mais quentes, intensas, celebratórias e simbólicas da história recente do grupo liderado por Fernando Ribeiro.
Durante várias horas, a sala foi tomada por uma energia densa, onde o passado e o presente se fundiram. O motivo maior era claro: celebrar os 30 anos de «Wolfheart», o álbum que em 1995 transformou a banda numa referência internacional e colocou Portugal no mapa do metal. Mas o concerto foi mais do que um exercício de nostalgia. Foi uma exibição de vitalidade, de comunhão e de continuidade — a prova de que, três décadas depois, o coração do lobo ainda bate com força.
Pontualmente, os SINISTRO foram os primeiros a fazer estremecer o LAV, mergulhando a sala numa penumbra densa e melancólica que parecia suspender o tempo. Como habitual, a banda, fiel ao seu registo cinematográfico e introspectivo, ergueu um set marcado pela tensão e pela atmosfera — cada nota a deslizar como fumo sobre as cabeças do público que começava a encher a sala. A voz hipnótica de Priscilla Da Costa voltou a ser o centro gravitacional de um som que, ao vivo, se expande e contrai com uma naturalidade inquietante.
O alinhamento percorreu momentos essenciais da discografia dos SINISTRO, alternando o peso contido com passagens mais etéreas, nas quais a banda explorou o silêncio como parte integrante da música. O público, em modo de espera para o que se seguiria , respondeu com respeito e atenção — mais contido do que efusivo, mas claramente submerso na viagem que a banda propunha.
Se os SINISTRO prepararam o terreno com introspeção e sombra, os DARK TRANQUILLITY incendiaram-no com uma precisão escandinava que há muito é sinónimo de elegância e brutalidade melódica. A banda de Mikael Stanne entrou em palco com «Punish My Heaven», e bastaram os primeiros segundos para que o LAV se transformasse numa celebração de riffs, memórias e energia contida a transbordar. O público português, que há décadas acompanha o percurso dos suecos, reagiu como se reencontrasse velhos amigos — e, de certa forma, era isso mesmo que acontecia.
O alinhamento, que percorreu várias eras da banda, foi uma viagem coerente pela história do death metal melódico de Gotemburgo. «The Emptiness From Which I Fed» e «Lethe» trouxeram um peso nostálgico, com Stanne a mover-se entre a agressividade e a vulnerabilidade que sempre definiram o timbre emocional dos DARK TRANQUILLITY. A luz e os jogos de sombra reforçaram o contraste entre a violência rítmica e o lirismo melancólico — um equilíbrio que a banda domina como poucas.
Com «Atoma», «Terminus (Where Death Is Most Alive)» e «Phantom Days», o concerto atingiu o ponto de combustão ideal: um encontro entre o passado e o presente, entre o tecnicismo e a empatia. Stanne, sempre expansivo, falou longamente com o público, agradecendo o acolhimento e recordando as suas anteriores passagens por Portugal e a amizade com os cabeças de cartaz. O público respondeu em uníssono, num coro que se estendeu para lá das últimas notas de «ThereIn» e «Misery’s Crown», ambas recebidas como hinos de um tempo que se recusa a envelhecer.
No final, a atuação dos DARK TRANQUILLITY deixou a sala em suspenso — nem apática, nem exaurida, mas emocionalmente preparada para o que viria a seguir. Foi um daqueles concertos que não se impõem pela grandiosidade, mas pela comunhão entre palco e plateia. A banda despediu-se com sorrisos largos e promessas de regresso, deixando no ar uma espécie de prelúdio luminoso para a escuridão ritual que os MOONSPELL estavam prestes a desatar.










Pouco antes das 23:00, o LAV mergulhou na penumbra. A projeção inicial, entre ruídos e respirações, abriu caminho ao rugido de «Wolfshade (A Werewolf Masquerade)», a faixa que inaugura «Wolfheart» e que, como um feitiço antigo, continua a convocar o imaginário sombrio e sensual dos MOONSPELL. Fernando Ribeiro surgiu envolto em fumo, de punho erguido, e o público respondeu de imediato, entoando cada palavra. Seguiram-se «Love Crimes», «…Of Dream and Drama (Midnight Ride)» e «Serpent Angel», numa sequência que transportou a plateia directamente para os 90s, mas com o som e a presença de 2025.
Em palco, Ricardo Amorim mostrou-se em plena forma, dominando o diálogo entre a melodia e a ferocidade, enquanto Aires Pereira e Hugo Ribeiro sustentavam a base rítmica com a precisão de uma máquina de guerra. Pedro Paixão, discreto mas essencial, tingia o ar com teclados e samples que acrescentavam uma dimensão quase litúrgica à música.
“Vamos tocar o «Wolfheart» na íntegra”, dissera-nos Fernando Ribeiro na entrevista concedida à LOUD! dias antes do concerto. “E é óbvio que isso é algo que fizemos antes, até já o fizemos em Portugal, mas já foi há muito tempo e, se bem me lembro, na altura até acabou por passar um pouco despercebido.” Desta vez, porém, nada passou despercebido. Cada tema foi recebido como um regresso à origem, um reencontro com aquilo que fez dos MOONSPELL uma entidade ímpar na história do metal europeu.
«Tenebrarum Oratorium (Andamento I)» e «Lua d’Inverno» trouxeram uma dimensão mais introspectiva, quase fúnebre, mas também poética à sala — uma lembrança de que, desde sempre, o grupo soube conjugar brutalidade e beleza. Quando «Trebaruna» ecoou, o público ergueu as vozes em uníssono, como se invocasse algo ancestral. A seguir, «Ataegina» e «Vampiria» confirmaram que a teatralidade continua a ser uma das forças vitais do grupo.
“Acaba por ser uma coisa engraçada, porque eu acho que a música também deve ter estes rituais, estas celebrações. Ainda mais no contexto em que estamos, com as pessoas saturadíssimas de política, sociedade, guerras… Hoje em dia parece que, se não fores interventivo, quase não tens direito a ser músico. E isso é algo que me faz um bocado de impressão, porque a música também tem de ser cultura.” As palavras de Ribeiro, ditas dias antes, ecoavam como um manifesto. O Halloween dos MOONSPELL é, mais do que uma tradição, uma resistência ao desencanto – e isso ficou uma vez mais provado.









Ao longo da noite, a sala transformou-se num teatro gótico onde cada nota evocava uma memória colevtiva. O público era composto por gerações distintas: veteranos que viram a banda nascer e jovens que descobriram o «Wolfheart» nas palataformas de streaming, unidos pela mesma reverência. Enquanto «An Erotic Alchemy» se desdobraba em atmosferas decadentes, parecia que o tempo se dissolvia. E, claro, «Alma Mater» — o hino eterno — foi recebida com o fervor de uma oração.
As luzes caíram. Os aplausos prolongaram-se. Seguiram-se incursões a outros capítulos da história dos MOONSPELL: «Opium», interrompida por uma falha de energia, foi retomada com redobrada intensidade, seguida por «Awake!», «Mephisto» e «Full Moon Madness», a tríade que encerrou o alinhamento principal num crescendo que misturou êxtase e catarse. E quando todos pensavam que o espectáculo terminara, a banda sacou um proverbial coelho da cartola, com a primeira interpretação de «Mr. Crowley», o clássico de Ozzy Osbourne, numa versão carregada de emoção e ironia – tocada nesta noite pela primeira vez desde 2003.
O público, apanhado de surpresa, respondeu com entusiasmo — uma homenagem discreta a uma das figuras que moldaram o espírito teatral do heavy metal. Verdade seja dita, foi o encore perfeito para uma noite que uniu reverência e celebração. O tema encerrou o concerto como quem fecha um círculo: o ocultismo, o misticismo e a herança do metal regressavam à fonte lisboeta, agora sublimados pelo toque inconfundível dos MOONSPELL.
Depois dos concertos, a noite prosseguiu com a performer TATSH, que trouxe fogo e acrobacia ao LAV – Lisboa Ao Vivo, e com o DJ set de WEIRDBOY, presença habitual das noites lisboetas. Mas o clímax foi reservado para a madrugada: o duelo de “gira-discos” entre Fernando Ribeiro e Mikael Stanne. A “batalha” revelou-se um diálogo cúmplice entre dois que, com humor e elegância, transformaram a sala num espaço de festa.
Quando, já de madrugada, as luzes do LAV se apagaram e o público começou a dispersar, a sensação era clara: a tradição dos MOONSPELL não é apenas memória — é pulsação. Mais de trinta anos depois, o lobo continua vivo, e a sua alcateia mais fiel continua a responder ao chamado. E, em 2025, o Halloween dos MOONSPELL provou, uma vez mais, que há rituais que não envelhecem — apenas se tornam mais profundos.















