MANSON

Lançado em 1987, o álbum de estreia dos GUNS N’ ROSES continua a ser um dos títulos mais viscerais e influentes da história do hard rock.

Num mundo de laca, couro sintético e refrões açucarados, os GUNS N’ ROSES surgiram em cena como um proverbial murro no estômago. A 21 de Julho de 1987, o quinteto de Los Angeles lançou aquele que é, ainda hoje, considerado por muitos como o mais impactante álbum de estreia da história do hard rock. Intitulado «Appetite for Destruction», o disco não só abalou as fundações da cena glam da Sunset Strip como ajudou a redefinir os limites do rock duro para uma nova geração. Quase quatro décadas depois, , continua a ser uma pedra angular — suja, crua e perigosa — da música pesada.

Numa época dominada por bandas polidas, com visuais demasiado exagerados e uma produção assética, o «Appetite for Destruction» destacou-se por ser exactamente o oposto: um registo bem visceral, suado, impregnado de blues, de punk e de raiva urbana. A mistura de estilos foi possível graças à química única entre os músicos que formavam os GUNS N’ ROSES.

Slash, longe de ser um virtuoso técnico, tinha uma sensibilidade melódica e uma expressão emocional rara; Axl Rose era um vocalista imprevisível, com um alcance vocal assombroso e uma entrega teatral que oscilava entre o lamento e a fúria; Duff McKagan, com raízes punk, dava às linhas de baixo uma urgência inquieta; Izzy Stradlin costurava com subtileza as malhas rítmicas que amparavam os solos de Slash; e Steven Adler oferecia uma batida sólida, mais desleixada do que precisa, mas perfeita para o caos que os GUNS N’ ROSES encarnavam.

Apesar desta química, o sucesso não foi imediato. O disco foi praticamente ignorado nos primeiros meses e só começou a subir nas tabelas em 1988, quando os vídeo-clipe de «Welcome To The Jungle», «Sweet Child O’ Mine» e «Paradise City» invadiram a MTV e cativaram as rádios. Um ano após o lançamento, o álbum chegou finalmente ao primeiro lugar da Billboard 200, marcando o início da dominação mundial dos GUNS N’ ROSES.

Mas o caminho até à glória foi tudo menos fácil. Os bastidores de «Appetite for Destruction» foram marcados por um ambiente de constante tensão, uso excessivo de drogas e álcool, e uma busca difícil por um produtor que conseguisse canalizar a energia caótica da banda sem a adulterar. Entre os nomes que passaram pelo radar do grupo estiveram Tom Werman (conhecido pelo trabalho com os Mötley Crüe), Spencer Proffer, Mutt Lange e até Paul Stanley, dos KISS. Este último chegou a reunir-se com os GUNS N’ ROSES, mas foi prontamente rejeitado quando propôs alterações para tornar canções como «Welcome To The Jungle» mais “memoráveis e antémicas” — leia-se, mais parecidas com KISS.

O escolhido acabou por ser Mike Clink, um nome quase desconhecido na altura, mas que se revelou crucial para manter a integridade sonora da banda. Sob a sua orientação, os GUNS N’ ROSES gravaram temas que se tornariam lendários. O disco abre com a já icónica «Welcome To The Jungle», onde o delay da guitarra de Slash e o grito animalesco de Axl criam uma tensão imediata — um cartão de visita para o submundo retratado no resto do álbum. A cidade é retratada não como um sonho, mas como um pesadelo de decadência, violência e sobrevivência.

Seguem-se outras bombas como «It’s So Easy», «Nightrain» ou «Mr. Brownstone», verdadeiros hinos à autodestruição e ao hedonismo desenfreado que marcava a vida dos seus autores. Em «My Michelle», a banda mergulha no retrato cru de uma amiga de infância de Slash, abordando temas como pornografia, vício e abandono familiar com uma honestidade desconfortável: “Your daddy works in porno / Now that mommy’s not around”.

Por outro lado, há espaço para contrastes como «Sweet Child o’ Mine», cuja melodia nasceu de um exercício de aquecimento de Slash e acabou mesmo por se transformar numa das power ballads mais emblemáticas da década. A letra foi escrita por Axl Rose como uma homenagem à sua então namorada Erin Everly, o que mostra uma faceta mais vulnerável da banda — ainda que essa vulnerabilidade fosse rara dentro do contexto do disco.

O final, com a «Rocket Queen», encapsula a dualidade dos GUNS N’ ROSES: a primeira metade carregada de lascívia e tensão sexual (com gemidos reais gravados em estúdio), e a segunda a oferecer uma quase redenção melódica, com Axl Rose a cantar sobre arrependimento e lealdade — “Don’t ever leave me / Say you’ll always be there”. É esta justaposição entre brutalidade crua e sensibilidade que torna o disco tão cativante.

O impacto de «Appetite for Destruction» foi imediato a longo prazo: arrasou o verniz glam das ruas de Hollywood, influenciou uma geração inteira de músicos, vendeu mais de 30 milhões de cópias em todo o mundo e tornou os GUNS N’ ROSES uma das bandas mais perigosas (e fascinantes) da história do rock. Além disso, abriu caminho para que outros grupos, menos produzidos e mais reais, tivessem também voz num mercado até então monopolizado pela estética.

Hoje, com quase 40 anos, o disco mantém exactamente a mesma urgência e a mesma ferocidade. Não envelheceu — continua a suar, a sangrar e a berrar como em 1987. O «Appetite For Destruction» é mais do que um álbum: é uma declaração de guerra ao conformismo, uma cápsula de rebeldia que se recusa a ser domesticada. Porque, no fim de contas, ainda precisamos de LPs que soem como se fossem gravados no limite da sanidade — e poucos o fizeram tão bem como os GUNS N’ ROSES fizeram aqui.