GREEN LUNG

GREEN LUNG + UNTO OTHERS + SATAN’S SATYRS @ LAV – Lisboa Ao Vivo | 28.02.2025 [reportagem]

Acompanhados pelos norte-americanos SATAN’S SATYRS e UNTO OTHERS, os londrinos GREEN LUNG provaram que o ocultismo britânico também tem o seu lugar no coração do público luso.

Convenhamos, o doom metal sempre viveu à sombra dos seus criadores, sem que nenhuma outra banda conseguisse verdadeiramente ultrapassar a influência colossal dos BLACK SABBATH. Décadas após o riff fatídico que deu origem ao género, incontáveis discípulos ergueram-se do underground, mas nenhum conseguiu escapar dos subterrâneos de um género que nunca chegou verdadeiramente ao mainstream — até à ascensão recente dos GREEN LUNG.

Combinando doom e folclore britânico, a banda londrina tem vindo a afirmar-se com uma força rara, gerando filas intermináveis na edição de 2022 do Desertfest e ocupando lugar de destaque no palco principal do Bloodstock Open Air do ano passado. Em 2025, parecem verdadeiramente apostados em reescrever o futuro do estilo em que se movem e, dúvidas restassem, na passada sexta-feira, dia 28 de Fevereiro, transformaram o LAV – Lisboa Ao Vivo num local de culto, onde assinaram um ritual místico onde o doom e o folclore ocultista se fundiram numa celebração carregada de simbolismo.

A tarefa de dar início à cerimónia coube aos SATAN’S SATYRS, que regressaram à Europa para esta tour após um longo hiato. O quarteto da Virgínia, liderado por Clayton Burgess (o ex-baixista dos lendários ELECTRIC WIZARD), é bem conhecido pela sua fusão singular de doom, psicadelismo e o espírito de um gangue de motoqueiros saído dos anos 70, mas o que se desenhava como um vendaval de agressividade e decadência rock’n’roll acabou por revelar-se um espectáculo tecnicamente sólido, mas algo morno na execução.

O ambiente na sala começou a ganhar forma à medida que as luzes se apagaram. Assim que os primeiros acordes de «Thumper’s Theme» irrompem pelo espaço, a banda deu início a um percurso vertiginoso pelo seu repertório. A energia era palpável, mas não havia como não pensar que faltava ali algo. Ainda assim, não há pausas para contemplação — em rápida sucessão, os norte-americanos lançaram-se em «Full Moon And Empty Veins», expandindo o seu lado mais psicadélico, e não demoraram a disparar velhas favoritas como «Pulp Star» e «TBlack Souls». O público, que marcou presença desde cedo para testemunhar este momento raro, reagiu com respeito, mas sem a intensidade que se esperaria.

Curiosamente, a banda optou por uma abordagem minimalista no que toca à promoção do seu mais recente álbum, «After Dark», incluíndo apenas «Quick Quiet Raid» e «Iron & Ivy» no alinhamento, um detalhe que poderá ter desiludido os que esperavam ouvir mais deste capítulo recente na discografia dos SATAN’S SATYRS. Para compensar, a despedida fez-se com a clássica «Alucard», que encapsula a essência inicial da banda. Só é pena que a energia tenha acabado por não transbordar como esperado.

ALINHAMENTO SATAN’S SATYRS:
01. Thumper’s Theme | 02. Full Moon And Empty Veins | 03. Pulp Star | 04. Black Souls | 05. Quick Quiet Raid | 06. Iron Ivy | 07. Two Hands | 08. Show Me Your Skull | 09. Alucard

Se os SATAN’S SATYRS representaram a crueza do rock’n’roll mais visceral, os UNTO OTHERS trouxeram à sala lisboeta um espectáculo onde a sofisticação do rock gótico se cruzou com o peso do heavy metal tradicional. Vestidos como se tivessem saído directamente de um filme de terror dos anos 80, os norte-americanos conduziram a audiência por uma viagem entre melancolia e agressividade, feita de sons que evocam os Killing Joke, a era clássica dos Misfits, os tons melancólicos dos Type O Negative e até uma pitada de, pasmem-se!, Héroes Del Silencio.

De regresso a Lisboa pela primeira vez desde o lançamento do muito elogiado «Never, Neverland», a banda arrancou com um impacto fulminante. O set abriu com um golpe duplo certeiro: «Butterfly», um dos singles mais marcantes do novo disco, sucedido pela energia caótica e crua de «Mama Likes The Door Closed». Com apenas 45 minutos à sua disposição, os UNTO OTHERS não perderam tempo, condensando dezoito faixas num espetáculo intenso que serviu tanto para apresentar os temas mais recentes como para revisitar os cantos mais profundos da sua discografia.

À medida que o concerto avançava, Gabriel Franco foi conquistando o público com uma presença de palco cativante e teatral, transportando a plateia directamente para o início dos anos 90, numa fusão de carisma kitsch e mistério gótico. A química entre banda e público tornou-se evidente quando «Nightfall» e «Jackie», ambas retiradas do álbum de estreia «Mana», enquadraram perfeitamente «Fame», um dos temas mais recentes.

A fluidez do alinhamento permitiu que a energia oscilasse entre momentos bastante mais atmosféricos e hinos góticos carregados de emoção. «Suicide Today», um dos singles mais recentes, revelou-se um dos pontos altos da noite, ecoando como um verdadeiro hino tanto para os fãs de longa data como para os recém-chegados. Seguiu-se «Raigeki», consolidando ainda mais a ligação da banda com a multidão. Para os devotos, houve mais momentos especiais, com uma secção dedicada a temas menos óbvios. «Why», de «Strength», foi seguida por uma incursão por «Don’t Waste Your Time», de onde saíram «It Doesn’t Really Matter» e «Can You Hear The Rain».

Depois, a intensidade subiu de tom com «Heroin», a faixa de abertura de «Strength», que se impôs como um dos momentos mais pesados da noite, antes de «When Will God’s Work Be Done» se erguer como um dos temas mais grandiosos do espectáculo. Com o tempo a esgotar-se rapidamente, a recta final do concerto manteve a energia em alta. «Time Goes On» trouxe uma pausa melódica antes de «Flatline», uma descarga breve e fulminante.

Para os fãs do punk rock, a banda reservou uma surpresa especial: uma versão soturna e reinterpretada de «Pet Sematary», dos Ramones, que conquistou imediatamente os mais veteranos na plateia. E, para encerrar a actuação, ainda voltaram a «Mana» e desferiram mais dois golpes certeiros: «Dragon, Why Do You Cry», seguido por «Give Me To The Night», um petardo de heavy metal puro e duro, que encerrou aactuação de forma bem poderosa. Pese uma certa inconsistência vocal em relação às versões de estúdio (a ausência dos gang vocals em «Suicide Today», por exemplo, foi criminosa), o quarteto provou ser mais do que uma curiosidade revivalista do pós-punk e do metal.

ALINHAMENTO UNTO OTHERS:
01. Butterfly | 02. Momma Likes the Door Closed | 03. Nightfall | 04. Fame | 05. Jackie | 06. Double Negative | 07. Suicide Today | 08. Raigeki | 09. Why | 10. It Doesn’t Really Matter | 11. Can You Hear The Rain | 12. Heroin | 13. When Will God’s Work Be Done | 14. Time Goes On | 15. Flatline | 16. Pet Sematary | 17. Dragon, Why Do You Cry? | 18. Give Me To The Night

Quando as luzes se apagaram para os GREEN LUNG, a energia na sala mudou. A imponente cabeça de Ooser surgiu no palco, e os primeiros riffs de «Templar Dawn» cortaram imediatamente o ar como uma lâmina bem afiada. Desde o primeiro instante, os londrinos apresentaram-se feitos para actuar diante de multidões extasiadas, e a forma como dominaram o espaço apenas confirmou o seu estatuto emergente dentro do metal europeu. O som revelou-se bem pesado, bastante pulsante e contagiante, apelando ao headbanging que se começava a espalhar à nossa volta.

«Mountain Throne» manteve o ritmo elevado, com seus riffs pesados a provocarem a onda de agitação que só cresceu à medida que a noite avançava. O público, entregue ao som dos GREEN LUNG, deixou-se levar pela força do metal. Tom Templar, com os seus gestos teatrais e voz colossal, comanda o grupo com o fervor deum sacerdote, enquanto Scott Black encarna na perfeição a alma de Iommi, entregando os seus solos que oscilaram entre o peso avassalador e a melodia arrebatadora. Canções como «Reaper’s Scythe» incendiaram o público, enquanto «Hunters In The Sky» e «Maxine (Witch Queen)» conseguiram evocar outros tempos, imagens de caçadas místicas e de rituais proibidos.

É, de resto, difícil apontar uma faixa que se destaque como favorita; isto porque, para os seguidores mais fervorosos de GREEN LUNG, cada tema parece ser um hino. A relação da banda com seu público é quase simbiótica, e a forma como cantam cada palavra demonstra o quanto abraçam cada momento oferecido. De resto, este concerto foi uma verdadeira celebração da força musical e da precisão técnica da banda. A mistura de guitarras pesadas, sintetizadores atmosféricos e a poderosa bateria de Matt Wiseman criaram uma base sólida para a prestação.

A balança da noite foi encontrar equilíbrio em canções como «Song Of The Stones», que ofereceu uma pausa temporária na descarga, com suas explorações progressivas a suavizarem o ambiente e o baixista Joseph Ghast a brilhar, conduzindo as linhas vocais num momento de pureza. Mas essa calmaria é breve. A pesada e visceral «Woodland Rites», carregada de riffs, retomou o controle, aquecendo ainda mais a plateia e, quando os acordes de «Hunters in the Sky» ressoaram na sala, o doom rock psicadélico atingiu novos níveis de intensidade. A energia, no entanto, não diminuiu e «Maxine (Witch Queen)», com o seu imortal riff de órgão, levou o público a uma verdadeira explosão de energia, com a plateia a entregar-se a um êxtase de dança e cânticos.

Com o público completamente rendido, os GREEN LUNG lançaram-se então numa recta final apoteótica com «Graveyard Sun», apenas para regressarem alguns minutos depois para um encore demolidor. «The Harrowing» e «Old Gods» foram recebidas como proverbiais hinos, mas foi com a «Let The Devil In» e a «One For Sorrow» que a banda mostrou porque é actualmente considerada uma das maiores promessas do doom metal moderno. As melodias soturnas e os riffs monumentais fizeram do LAV – Lisboa Ao Vivo um santuário pagão, onde cada acorde ressoou como um feitiço.

Resultado, esta actuação dos GREEN LUNG provou que a banda não só conquistou o underground, como está pronta para voos ainda maiores. A fusão entre o terror existencial dos BLACK SABBATH e o teatro de uns GHOST faz deles um caso raro dentro do doom: uma banda com potencial para escapar ao nicho e alcançar algo verdadeiramente significativo dentro do género. Portanto, se o doom há muito ansiava por um nome capaz de romper com a sua condição mais subterrânea, os GREEN LUNG mostraram que esse momento pode finalmente ter chegado. E Lisboa foi testemunha de mais um capítulo fundamental dessa ascensão.

ALINHAMENTO GREEN LUNG:
01. Templar Dawn | 02. Mountain Throne | 03. Reaper’s Scythe | 04. Lady Lucifer | 05. The Forest Church | 06. Song of the Stones | 07. Woodland Rites | 08. Hunters in the Sky | 09. Maxine (Witch Queen) | 10. Graveyard Sun | 11. The Harrowing | 12. Old Gods | 13. Let The Devil In | 14. One for Sorrow